Decisões tomadas fora de assembleia e/ou em assembleia em ambiente virtual versus o temor da nulidade futura

Incluída de forma transitória no PL 1.179, aprovado pelo Congresso Nacional e à espera de sanção presidencial, a assembleia em ambiente virtual é uma modalidade que já encontrava respaldo jurídico no Código Civil brasileiro. De qualquer forma, e mesmo tendo sido já realizada em inúmeras ocasiões anteriores a esta pandemia do novo Coronavírus (Covid-19), a assembleia em ambiente virtual deixa ainda muitas dúvidas entre síndicos e condôminos. Neste artigo, avaliaremos duas delas.

Uma das primeiras questões que surgiram com a pandemia foi a necessidade de o condomínio majorar a taxa de rateio, decisão que normalmente é avaliada pela assembleia de condôminos, em geral, durante discussão e votação da previsão orçamentária, mas que, com a quarentena, acabou prejudicada. Por isso, muitos gestores se viram diante de uma situação complexa: Se não elevassem o valor do rateio para o exercício de 2020, as contas do condomínio não fechariam, mediante uma nova realidade de custos que não estava sendo suportada pelo rateio aprovado em 2019.

Esse foi o caso de um condomínio que teve a assembleia presencial cancelada. A síndica do residencial distribuiu os respectivos demonstrativos das contas para cada um dos condôminos, explicando e justificando a necessidade de elevar em 5% o rateio, decisão tomada com ratificação do conselho. Não houve questionamentos entre os condôminos em torno do aumento e, de acordo com a síndica, a ideia é referendar a decisão em assembleia já convocada para o segundo semestre do ano.

Essa experiência é totalmente possível e, por essa razão, há uma previsão no PL 1.179/2020, de que uma prestação de contas posterior desses atos deve ser realizada sob pena de destituição (Art. 13 do PL original), como medida emergencial e transitória. Neste momento, cabe ao síndico, mais do que o formalismo, privilegiar a divulgação de informação da gestão e a sua respectiva comunicação com a coletividade condominial. Engajar os condôminos no sentido de lhes estimular um senso de pertencimento e sociabilidade, ideia que venho defendendo há tempos, faz com que a segurança jurídica da gestão seja alcançada junto com a transparência da gestão.

Por motivos lógicos, cada condomínio deve analisar seu perfil econômico e financeiro, bem como social, para obter a melhor solução nestes casos, ou em outros que virão. É preciso criatividade, sem esquecer da necessidade de ratificação futura das decisões e de apoio do conselho no presente tempo e com registro imediato em uma ata de reunião de conselho.

Mais do que nunca, esta competência implícita do síndico – o bom senso – deve ser utilizada. Se houver informações comprovando que as receitas são insuficientes para atender às necessidades operacionais e de manutenção do condomínio, algo que o Fundo de Reserva não sustenta, e que uma assembleia no ambiente virtual seria inviável, nada mais correto do que o gestor, ao invés de deixar de cumprir com as obrigações frente ao condomínio, promova um rateio de reforço de caixa, podendo gerar um centro de custos próprio na prestação de contas futura, de forma que todos vejam que a medida foi necessária.

Segurança das assembleias virtuais

Outro questionamento que tem surgido diz respeito às plataformas nas quais devem ser convocadas e realizadas as assembleias virtuais, seus respectivos protocolos de segurança, bem como tempo de duração.

Recentemente, o Judiciário acolheu demanda de condômino para que uma síndica e a administração do condomínio apresentassem os procedimentos de segurança de uma assembleia que havia sido realizada no ambiente virtual. De acordo com o entendimento do judiciário, caberia à gestão do condomínio (síndicos, administradoras, funcionários e condôminos) adotar práticas que garantam a confiabilidade e proteção de dados cadastrais dos moradores, das senhas de acesso etc.

A questão de proteção de dados é polêmica e, sem a entrada em vigor da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados/ prevista para agosto de 2020, mas adiada em função da pandemia para 03/05/2021, nos termos da MP 959/2020), não há fundamentação jurídica para se obrigar nada, salvo uma proteção básica de que a assembleia não seja alvo da ação de hackers.

Além disso, é necessário ter clareza que o uso do ambiente virtual para fazer consultas aos condôminos, através de diferentes tipos de plataformas e/ou aplicativos, nem de longe valida esse tipo de “encontro” como assembleia em ambiente virtual. Por exemplo, um tipo de enquete ou votação que fique durante dias em aberto em uma plataforma, sem promoção de debates nem de registros, não pode ser considerada assembleia em ambiente virtual. É justamente este tipo de situação e confusão que tem gerado insegurança entre os condôminos e que pode ser questionada juridicamente, independente das leis transitórias que tenham sido aprovadas.

O que de fato valida uma assembleia em ambiente virtual é que haja uma convocação para que em um certo dia e horário ocorra o encontro, definindo assim abertura, discussão, deliberação e conclusão, com uma ata que poderá ser levada a registro. O presidente e secretário devem ser naturalmente escolhidos na reunião e conduzirão, após exposição do síndico, administradora e demais consultores e colaboradores, a abertura de discussão e votação nominal da forma como tem sido realizada neste momento, por exemplo, pelas casas legislativas do País (Câmara dos Deputados e Senado), e previsto no PL 1179 (Art. 12 do original), valendo esta chamada e manifestação, se o caso, como registro de presença.

Os condomínios precisam se aprimorar e deixar de lado empresas oportunistas que vendem facilidades que até um aplicativo de trocas de mensagens instantâneas, como o WhatsApp ou sites de questionário fazem, com mais segurança. Compete ao condomínio ter um cadastro dos condôminos e manter em segurança e atualizada essa base de dados, incluindo senhas (se forem distribuídas). Ou seja, uma assembleia de condôminos representa uma reunião, feita em um mesmo horário para participação de todos, que pode ocorrer no meio virtual. Não devemos nem podemos fugir dessa segurança jurídica, sob pena de meras consultas, pesquisas ou enquetes serem confundidas como assembleias de condôminos.


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Autor

  • Cristiano de Souza Oliveira

    Advogado e consultor jurídico condominial há mais de 28 anos. Mediador Judicial e Privado cadastrado perante o CNJ. Integra o quadro de Câmaras de Mediação e Arbitragem no campo de Direito Condominial. É Vice-Presidente da Associação dos Advogados do Grande ABC, Membro do Grupo de Excelência em Administração de Condomínios - GEAC do CRA/SP, palestrante e professor de Dir. Condominial, Mediação e Arbitragem, autor do livro "Sou Síndico, E agora? Reflexões sobre o Código Civil e a Vida Condominial em 11 lições" (Editado pelo Grupo Direcional em 2012). Sócio-diretor do Grupo DS&S. Diretor do Instituto Educacional Encontros da Cidade – IEEC. Já foi Presidente da Comissão de Direito Administrativo da 38ª Subseção da OAB/SP – Gestão 2016-2018 / Presidente da Comissão de Direito Condominial da 38ª Subseção da OAB/SP – Gestão 2019-2021 / Ex - Membro na Comissão de Direito Condominial do Conselho Federal da OAB e da Comissão da Advocacia Condominial da OABSP –2022.

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