Pode soar estranho que tenhamos nominado o presente artigo como “direitos e deveres dos animais em condomínio”, afinal, estamos acostumados e aculturados a compreender, com acertada razão, que as prerrogativas (os direitos) e as obrigações (os deveres) se revelam como características exclusivas de seres humanos.
Contudo, de há muito, a reboque do avanço das conquistas civilizatórias, o movimento legislativo de previsão de “novos direitos” passou a contemplar a necessária tutela dos animais, passando a concebê-los não somente como objeto de direitos, mas, especialmente, como legítimos titulares de direitos.
Assim é que se fez necessário evocar, como instrumento normativo, a Declaração Universal dos Direitos dos Animais proclamada em 1978, pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), da qual o Brasil é um de seus signatários.
Dentre os direitos previstos na referida Declaração, a título de exemplo, podem ser citados o artigo 1°, que afirma que “todos os animais nascem iguais perante a vida e têm os mesmos direitos à existência”, bem como o artigo 2°, que assevera que “todo animal tem o direito a ser respeitado”.
O Brasil possui a terceira maior população de animais domésticos, compreendendo 24 milhões de gatos, 53 milhões de cães, 20 milhões de peixes e 40 milhões de aves. Muitos destes pets habitam os condomínios, lado a lado com as pessoas ou famílias que os acolheram e que precisam respeitá-los, não mais como “coisas”, mas sim em sua qualidade de seres dignos de particular tutela e de especial proteção.
Contudo, a despeito da existência de normas protetivas dos direitos dos animais, muitos condomínios seguem prevendo em suas convenções, por demais obsoletas, a expressa proibição de presença de animais domésticos ou domesticados, particularmente cães e gatos, como se estes representassem algum tipo de ameaça ou de risco à boa convivência.
Proibir animais em condomínios é uma medida arbitrária e draconiana, totalmente destoante da realidade, que aponta para a presença cada vez mais marcante dos animais domésticos como verdadeiros “membros” de uma comunidade familiar. Tanto assim, que seguindo as tendências da jurisprudência, o próprio Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, em 2019, a despeito da previsão em convenção que vedava a presença de animais em edifício, ser possível a permanência de uma gata em um condomínio localizado no Distrito Federal.
No caso em exame, salta aos olhos constatar que tanto o juízo de piso como o tribunal local reconheceram o poder normativo da convenção no que se refere à vedação de animais naquele condomínio; felizmente, naquele caso paradigmático, a decisão do STJ veio em boa hora se ombrear e cerrar fileiras com o convergente e já consistente repertório jurisprudencial favorável à possibilidade da presença de animais em apartamentos, estabelecendo como parâmetro de razoabilidade, a não ocorrência de danos aos demais condôminos.
Assim é que, naquele episódio em menção, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, relator do acórdão, asseverou se tratar referida vedação de uma “restrição ilegítima”, uma vez que “o condomínio não demonstrou nenhum fato concreto apto a comprovar que o animal (gato) provoque prejuízos à segurança, à higiene, à saúde e ao sossego dos demais moradores”.
Possíveis restrições
Segundo o nosso sentir, não nos parece que o direito à posse de animais terá que ser concebido como um direito absoluto, muito pelo contrário, algumas restrições poderão ser impostas, sempre que estiver em risco ou, sob ameaça, a saúde, o sossego ou a segurança dos demais moradores.
Destarte, se por um lado não se apresenta correto vedar a posse de animais por força de seu tamanho, conformação, raça, origem ou peso, da mesma forma se descortina totalmente razoável determinar que animais tenham que circular com guias e/ou focinheiras, acompanhados, sempre, independentemente de seu tamanho, das pessoas responsáveis pela sua custódia.
Impor ao proprietário o dever de conduzir o animal somente pelas escadas ou exclusivamente no colo é outra determinação desarrazoada, que não convém venha a ser estabelecida em qualquer tipo de regramento.
Dentre as medidas que a gestão deve adotar com relação à disciplina incidente sobre a presença de animais em condomínios, enumeramos:
– A exigência de cadastro do animal seguido de comprovantes de sua regular vacinação; e,
– O reconhecimento do dever de trânsito por meio de acessos e de elevadores de serviço, assim como a vedação de circulação nas áreas comuns do animal desprovido de coleira, observada a necessidade de uso de focinheira, sempre que tal se fizer necessário.
No que se refere ao limite ou a quantidade de animais, há que se perquirir o caso concreto: Se determinada unidade, em função dos cuidados despendidos com os animais, ou se em razão de sua dimensão, não vier a causar qualquer tipo de embaraço ou de incômodo aos demais condôminos, em regra, não se há falar em qualquer tipo de limitação; por outro lado, pode ocorrer que a presença de um único animal seja considerada inaceitável, ou porque produz ruídos acima do tolerável e admissível, ou mesmo porque venha a gerar grave risco de dano ou de prejuízo à coletividade condominial.
Da mesma forma, a posse de animais de estimação em unidades privativas não se descortina como um direito inquestionável, de modo que, à guisa de exemplo, caso um morador possua aves que venham a produzir forte odor ou intensa produção de ruídos, lícita será a imposição de restrições de sua presença, justificada pelo direito à salubridade da massa condominial, que deve ser assegurado e garantido pelo síndico, em meio ao seu processo de gestão.
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