Droga ‘pula’ muro de condomínios

Construídas para se isolar da violência, moradias coletivas de classe média vivem drama do uso de entorpecentes ‘escondido’ dentro dos muros

Febre da habitação coletiva no século XX como tentativa de isolamento da classe média frente aos problemas urbanos, sobretudo com a violência, os condomínios não conseguem livrar seus moradores de problemas comuns à toda sociedade, como o consumo de álcool e drogas. Ao contrário, são exatamente os muros que estariam “incentivando” usuários de droga e álcool a praticar o vício, sob a ilusão de que o crime está isolado pelos paredões e portarias.

Em Bauru, a droga e o consumo de álcool também “pulam” muros, ratificando a observação de que o ilícito vinculado ao vício não escolhe classe social. A questão tem preocupado síndicos e administradores de condomínios em relação à orientação, preservação e combate ao crime.

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O tema está na pauta estadual do Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo (Secovi-SP). A entidade incluiu a temática na lista de encontros regionais para orientar síndicos e administradores de condomínios. Na semana passada, o assessor jurídico do órgão, João Paulo Rossi Paschoal, foi autor de palestra que abordou o consumo de droga intramuros. A orientação atraiu síndicos, representantes de imobiliárias e administradoras de habitação coletiva.

“O uso da maconha por usuários dentro dos condomínios está na lista dos casos que mais preocupam síndicos. O condomínio acaba funcionando como falso escudo ao vício, que continua sendo crime no Brasil. Como o usuário se sente ‘protegido’ pelos muros, ele acaba encontrando alguma ‘privacidade’ para consumir droga e isso tem gerado muito conflito entre os moradores”, apresenta o especialista do Secovi.

Para o advogado, a polícia resiste a entrar em área privada para atendimento dessas ocorrências. “Como há dificuldade ou falta de informação junto aos administradores e síndicos em como lidar com essa situação pela dificuldade na prova para garantir a denúncia, a prática vem gerando conflitos. A polícia resiste em adentrar áreas privadas, sobretudo condomínios, e isso também complica o combate ao crime”, acrescenta.

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Outro elemento que colabora com o problema, na visão de Paschoal, é a fragilidade da legislação. “A maconha gera o maior número de reclamações porque propaga o cheiro. Mas com a cocaína e outras drogas a dificuldade no combate é ainda maior pela possibilidade de esconder o problema. A lei para o crime de uso de droga é frágil e agrava ainda mais a situação”, destaca.

Polícia

O uso (e comércio, quando for o caso) de droga é crime em qualquer lugar, mesmo dentro de condomínios e a polícia tem legitimidade para agir. A observação é do major da Polícia Militar de Bauru, Fabiano Serpa. “Droga é crime em qualquer lugar e a polícia pode entrar e agir. Mesmo que o cidadão esteja consumindo droga, se outro morador identificou, basta ligar para o 190 que a polícia agirá”, comenta.

No caso de uso de álcool, há necessidade de que o consumo resulte em condutas que também possam ser repreendidas. “Se o sujeito estiver bêbado, estiver xingando, ele também comete crime porque aí estão presentes os elementos de injúria e até ameaça a alguém dependendo do caso. Basta caracterizar a conduta para legitimar a ação da Polícia Militar”, reforça Serpa.

Antropólogo explica que há ‘ilusão de isolamento’

Mas o muro e a portaria de um condomínio, símbolos da busca de isolamento pela classe média de problemas como a insegurança, também não eliminam a presença de outros conflitos da vida em sociedade. Litígios, brigas entre familiares, álcool e conflitos passionais também “moram” em paredões de luxo.

Para o antropólogo Cláudio Bertolli, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), os conflitos não estão presentes apenas nas camadas mais simples da pirâmide social. “A ideia de fortaleza intransponível com câmeras de segurança e demais dispositivos eletrônicos não acontece e o crime existe dos dois lados do muro. O muro não isola e nunca isolou a sociedade. Esta é a ilusão”, observa.

Se, a princípio, a configuração de um condomínio inibe a presença física de drogados das demais camadas sociais no ambiente das moradias coletivas, não escolhe endereços na origem do vício.

“A ligação mais objetiva é de que o problema da droga está na periferia e nunca do coletivo. Esse erro de avaliação e abordagem reforçam o que aconteceu no século XIX, na Inglaterra, onde os locais exclusivos foram criados para a convivência apenas da elite, nas cidades, mas com a característica do isolamento presente no campo. No século XX, a classe média adotou isso no formato dos condomínios. Mas os problemas sociais extrapolam os muros”, insiste Bertolli.

Histórias intramuros

O histórico de ocorrências policiais em Bauru envolvendo o ambiente de condomínios retratam os mesmos litígios e desinteligências presentes em moradias da periferia. Mas a sensação de isolamento pode servir de “estímulo” a comportamentos bastante incomuns caso o ambiente fosse o clarão das ruas. Entre os registros, há casos pitorescos.

Em um deles, uma inquilina autorizou a entrada do amante para uma visita em sua própria residência. Porém, o marido preparou uma tocaia. O episódio acabou gerando pressão sobre o síndico. O “barraco” estremeceu os valores morais da vizinhança que exigiu a aplicação de multa sobre o casal que gerou a confusão.

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Do ponto de vista estritamente jurídico, o síndico foi orientado a não aplicar sanção ao casal. Afinal a autorização da entrada do amante se deu pela vontade individual da esposa.

Mas outro episódio teve mais de um registro: a locação de imóvel por alguém para “abrigar” viciado em drogas. Segundo o relato, cidadãos com “cadastro limpo” e sem qualquer histórico de mau comportamento social assumiram contratos de aluguel mas o objetivo era levar integrante da família viciado para o “isolamento”.

O usuário, entretanto, passou a gerar perturbação à vizinhança em função do vício. O síndico se viu na dificuldade em levantar provas das ocorrências, com objetivo de conseguir a expulsão do inquilino viciado.

A assessoria jurídica do Secovi orienta, para esses casos, que as imobiliárias levantem informações completas sobre quem está locando. Outro alerta é de que qualquer dano ou indenização, ao condomínio ou terceiros, decorrente de conduta do inquilino, recaiam sobre o proprietário.

A situação também vale para prejuízos em casos de danos estruturais ao imóvel, mesmo em casos de reforma. Aliás, está em vigência, há apenas 40 dias, nova norma da ABNT (número 16.280) que exige apresentação imediata de documentação e projeto para intervenção em serviços nos imóveis. Orientações e informações na página do Secovi na Internet (www.secovi.com.br).

Fonte: http://www.jcnet.com.br

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