Investir em medidas preventivas, como câmeras e campanhas de conscientização, é o mais indicado na luta contra as drogas. Mas algumas vezes a atuação do síndico é necessária.
Dados do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicoativas (CEBRID) mostram que cerca de 22% dos jovens brasileiros – um em cada quatro –, já experimentaram algum tipo de droga ilícita na vida, sendo que o uso do cigarro aumenta em 10 vezes as chances do uso de maconha e em 14 o de cocaína. Ainda segundo a pesquisa do CEBRID, a primeira experimentação de álcool e tabaco ocorre por volta dos 12 anos, enquanto que o uso de maconha e cocaína se dá entre os 14 e 15 anos de idade. Muitas vezes, o cenário em que se desenvolve o uso cada vez mais precoce de drogas é o próprio condomínio. Protegidos da polícia e mesmo de marginais, é nos condomínios que os jovens se sentem seguros para consumir drogas. “A área intramuros dos condomínios vem sendo tratada como território livre para o consumo e mesmo para a comercialização de drogas. São comuns relatos de síndicos de que áreas como átrios, coberturas, bosques e áreas de lazer são utilizados com esta distorção”, constata o advogado Michel Rosenthal Wagner.
Para o advogado, porém, é importante frisar que continua proibida a produção de qualquer tipo de entorpecente e sua comercialização. “O termo entorpecente deve ser entendido tecnicamente como qualquer substância que resulte na dependência química ou psíquica do indivíduo, e sob este enfoque deve ser debatido e tratado pela sociedade, a despeito de uma imagem distorcida daqueles que defendem a discriminação da maconha e mesmo de outras drogas”, define.
Para o psiquiatra da infância e adolescência Gustavo Teixeira, a incidência de consumo de drogas em condomínios, principalmente entre adolescentes, é alta. O médico acredita que, dentro do condomínio, muitos jovens se sentem seguros, pois não há vigilância, muito menos a entrada da polícia ou das guardas municipais. “Muitos pais acreditam que seus filhos estão seguros dentro de casa, longe dos perigos das ruas. Trata-se de uma falsa idéia, porque muitas vezes o problema está ali ao lado. A maconha e o tabaco parecem ser as drogas mais comumente consumidas nesses ambientes, mas consumo alcoólico, de cocaína e anfetaminas ocorre com freqüência”, relata.
Teixeira, que é especialista em psiquiatria pelo Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro, pós-graduado em Dependência Química pela Universidade Federal de São Paulo e em Saúde Mental Infantil pela Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, alerta que o consumo deve ser coibido dentro dos condomínios. “Existem leis que, obviamente, estão acima de tudo, e às quais todos os cidadãos estão submetidos. E a lei diz que o consumo dessas substâncias é proibido. Logo, não vale o argumento de que se está consumindo dentro do condomínio ou dentro de casa. Essa prática é crime e pronto. Casos identificados devem ser notificados à família e a justiça pode ser acionada também”, argumenta.
Discutir se o jovem é usuário eventual ou viciado também não vem ao caso, sustenta o especialista. “Quem deve reconhecer se é um usuário eventual ou um viciado não é o funcionário do condomínio ou o síndico. O médico especialista será o responsável pela avaliação. A lei diz que é proibido o consumo, e dizer que é usuário eventual não libera ninguém para consumir drogas no condomínio”, aponta.
O síndico Maurício Jovino viveu na pele a experiência de uso de drogas em seu condomínio. Maurício e os funcionários percebiam que grupinhos de jovens se reuniam no pátio do condomínio, à noite, para fumar maconha. O uso também acontecia em escadarias e em alguns apartamentos, na ausência dos pais. Maurício sabia que precisava enfrentar a situação mas com cautela. Resolveu marcar uma reunião com os jovens, sem a presença dos pais. Eles concordaram, mas pediram também que nenhum conselheiro estivesse presente. “Havia cerca de 15 adolescentes. Disse a eles que eu sabia do uso de drogas no condomínio, mas que eu os respeitava e queria conversar. Estava disposto a ajudá-los. Disse que as drogas não levam a nada, que eles eram jovens com família, e que isso só iria prejudicar a todos. Também mostrei que não queria envolver a polícia. Eles me disseram que eu os tratei como um ‘paizão’, e não como marginais”, lembra o síndico.
Depois da reunião, relata Maurício, nunca mais o prédio viveu o problema. O encontro, acredita, teve o efeito de um rastro de pólvora, porém positivo: os jovens mais mal intencionados acabaram se mudando do condomínio; alguns pais souberam da conversa e procuraram o síndico. “Disse aos pais que eles precisavam abraçar seus filhos, antes que algum traficante o fizesse. Acredito que o condomínio inteiro acabou se abraçando pela causa. Os jovens querem chamar a atenção e precisam de alguém para conversar”, entende. Maurício comenta que até mesmo o uso nos apartamentos acabou. “Seja dentro ou fora dos apartamentos, um condomínio com drogas tem um ambiente ruim”, diz. Além da conversa, Maurício tomou algumas medidas que ajudaram a zerar o uso de drogas nos espaços comuns: a iluminação foi reforçada em todas as áreas; os funcionários da ronda noturna receberam lanternas potentes; após as 22 horas a quadra e as portas de acesso aos blocos foram fechadas; adolescentes ficaram proibidos de autorizar a entrada de visitantes. “É claro que foi preciso muito tato, mas hoje muitos desses jovens me agradecem”, resume.
Apesar da iniciativa de Maurício ter apresentado resultados positivos, nem sempre a intervenção direta do síndico é o melhor caminho. Para o advogado Rosenthal Wagner, recomenda-se trazer para o condomínio pessoas que possam disseminar informação a respeito do tema, como psicólogos e advogados. “O tema pode ser discutido em assembléias, sempre tomando o devido cuidado com acusações, ou de se tornar público o que muitas famílias resistem discutir, ou mesmo demonstrar, o tal ‘tampar o sol com a peneira’. Uma postura errada neste caso pode gerar a acusação ao síndico de crimes como a injúria, difamação e calúnia, e sua conseqüente reparação a título de danos morais”, orienta o advogado. Informar e orientar funcionários também é uma conduta adequada, evitando excessos, completa. “É preciso que os funcionários não adotem posturas truculentas, gerando conflitos internos maiores ainda. Cabe ao síndico agir com severidade quanto à vigilância das áreas comuns, incentivando as boas relações de vizinhança. Ou seja, agir como um pouco de pastor, xerife, psicólogo e advogado, e por outro lado buscar mediar questões internas no condomínio com a ajuda justamente de profissionais habilitados para tanto”, afirma. O psiquiatra Teixeira concorda, e acredita que programas anti-drogas podem ser criados dentro do condomínio, com a participação de moradores e da comunidade.
No combate às drogas, não se deve prescindir do uso da tecnologia. A instalação de câmeras de CFTV já é um recurso conhecido e utilizado para monitorar as áreas comuns dos condomínios. Porém, Leo Fraiman, psicoterapeuta, mestre pela USP e especialista em psicologia educacional, reforça que campanhas, inclusive dentro dos condomínios, com palestras e distribuição de folhetos, devem ser cada vez mais freqüentes para que os pais percebam que os filhos estão passando por problemas. “Os pais devem perceber que o cheiro do filho, seus olhos, seu modo de andar dentro de casa podem trazer muitas informações sobre sinais de perigo que ele esteja correndo. Os pais apostam muitas vezes no ‘tempo de qualidade’, acreditando que ficar alguns minutos ao lado dos filhos bastará para lhes transmitir valores e princípios. Na maioria das situações isso não funciona. Na verdade, é preciso tempo de convívio para gerar cumplicidade, para que se o filho entrar numa ‘roubada’ ele se abra com os pais e lhes dê crédito a suas orientações”, aconselha.
Fraiman relata o caso de uma paciente que recentemente entrou num acordo com o marido: ela deixaria seu trabalho de período integral para se dedicar mais aos filhos, depois que percebeu que seu menino de cinco anos estava “experimentado” cigarro havia três meses e entrava em sites adultos todas as tardes. “Eles perceberam que deixar tudo nas mãos das empregadas não estava dando certo. Abrir mão de parte dos rendimentos da família foi uma decisão dura, mas perder o filho seria muito mais. Se educar dá trabalho, não fazê-lo dá muito mais lá na frente. Os pais precisam ser educados e orientados sistematicamente”, finaliza.
Matéria publicada na edição 126 jul/08 da Revista Direcional Condomínios
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