Furtaram um condômino na área comum, e agora?

Situações de violência no condomínio representam importante termômetro social, expressam a urbanização caótica que vivemos em uma das regiões mais violentas do mundo, conforme apontam as estatísticas. Esse contexto caracteriza o jeito do viver presente, dado em pequenas comunidades protegidas. E quando as câmeras não dão conta da criatividade dos furtadores, passamos a colocá-las em todos os corredores e nas portas de nossas casas, talvez blindadas. Que cultura produzimos com estes encaminhamentos?

É importante saber que a violência física tem permeado as comunidades condominiais já há alguns anos, com pequenos furtos e agressões físicas, mesmo nos locais protegidos.

Assim, o furto, seja pela extração de um objeto pessoal ou de uso coletivo no condomínio, pertencente a cada um dos membros da comunidade, deve ser tratado não apenas através do receituário legal, mas também pela perspectiva de construção da pacificação social. Por exemplo, mesmo em um furto de um bico de mangueira de incêndio, temos todas as pessoas atingidas. Se resgatarmos o respeito e uma proximidade humanizada em cada comunidade, teremos uma ética onde é inadmissível e insuportável qualquer tipo de violência.

Observe-se que os casos reiterados de violência na sociedade e, por extensão, no condomínio, decorrem hoje também do grande distanciamento entre as pessoas e da secura das relações (o sintoma mais evidente do distanciamento), que em geral se encaminham segundo um receituário que descarta o olhar, a aproximação e o diálogo. Ao contrário disso, um jargão popular ensina que, “se não funcionar, aumente a dose destes ingredientes”.

Pensar sobre áreas comuns pressupõe, obrigatoriamente, cuidar do patrimônio, material e humano. Esse cuidar deve ser entendido como educação social. Precisamos observar a cultura que permeia o compartilhamento dessas áreas; o que nos leva, individualmente, a ser ou não lenientes ao percebermos o furto de partes que a todos pertence; e o que fazer na hipótese de reagir eficazmente e positivamente neste contexto?

À cada comunidade condominial lhe é dada guarida pela Justiça e pela legalidade para o exercício de seus direitos. Há sim todo um ferramental legislativo excelente para ser aplicado. A receita é clara: no plano interno registrar e colher elementos que permitam conectar o ato ao dano, através de um nexo de causalidade, além de advertir, multar, processar judicialmente por atos ilegais, limitar comportamentos. Independente, no entanto, destas ferramentas, é necessário apurar com profundidade as ocorrências para construir uma estratégia personalizada a cada caso, conforme os fatos e o histórico de cada envolvido participante.

Paralelamente, precisamos resgatar a confiança, pensando no empoderamento das pessoas através de sua participação cotidiana interativa. O dever do cuidado, tão defendido pelos filósofos, traduzido no Direito pelo dever de zelo no trato das pessoas e coisas, deverá ser aplicado em todos os detalhes deste cotidiano. Valorizar este cuidado é o que ajudará a projetar e a disseminar o sentimento de pertencimento e de apreciação das estruturas físicas do condomínio, gerando e alimentando um movimento virtuoso, pacificador. E um dos pontos de partida é restabelecer a alteridade, olhar e ouvir o outro, pois o diálogo e a proximidade promovem conexão, o que por sua vez possibilita a essência do viver na cidade, que é o “viver junto”.

Não reproduza o conteúdo sem autorização do Grupo Direcional. Este site está protegido pela Lei de Direitos Autorais. (Lei 9610 de 19/02/1998), sua reprodução total ou parcial é proibida nos termos da Lei.

Autor

  • Michel Rosenthal Wagner

    Advogado graduado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (1983) e mestre pela Pontifícia Universidade Católica de SP (2014). Especialista em Direito Imobiliário, Contratos, Direito Educacional e Arbitragem. Preside as Comissões de Direito Imobiliário e de Direito de Vizinhança e Urbanístico da OAB/SP – Seccional Pinheiros. É membro da Comissão Especial de Estudos sobre Educação e Prevenção de Drogas e afins da OAB/SP, prestador de serviços jurídicos de atendimento a famílias e dependentes no CRATOD (Centro de Referência de Álcool, Tabaco e afins), além da Casa de Passagem (Programas do governo do Estado de São Paulo). Autor da obra “Situações de Vizinhança no Condomínio Edilício, desenvolvimento sustentável das cidades, mediação e paz social” (Editora Millennium, 2015). Consultor sócio-ambiental em Vizinhança urbana, professor, palestrante e escritor. Mediador de diálogos em conflitos coletivos urbanos.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

dezessete − 12 =