Drogadição no condomínio & Atitudes pedagógicas próprias de uma comunidade de vizinhança

“O conflito se instaura quando os envolvidos desistem um do outro e não mais tentam qualquer comunicação séria entre si.”

No contexto condominial e nos loteamentos fechados, assim como nas ruas e no mundo, a liberdade é regulada.  A liberdade de um termina onde começa a do outro, e por isso trocamos liberdades por relação. Considerando que as áreas comuns em ambas tipologias urbanas são de todos, o comportamento adequado que se espera nestes territórios é, ao mesmo tempo, o respeito ao outro e às regras e combinados feitos. Ou seja, a lei, as Convenções de Condomínio, os Estatutos de Associação em Loteamento e os Regulamentos Internos de qualquer tipologia urbanística devem refletir o respeito de uns aos outros de forma inclusiva e integrativa. A realidade urbana e social também deve estar retratada nestes regulamentos, sob pena de resultarem ineficazes, como a ‘lei que não pega’, com constante desobediência, conflitos e problemas. E os estatutos devem ser pensados e dirigidos à pacificação nas relações.

O crescimento no consumo de drogas, e a “inimputabilidade” do usuário, tem trazido novas nuances para o trato com o tema nestas comunidades de vizinhança. Há diversas reclamações, e medos. E o medo, sabemos, paralisa; já o amor fluidifica. É muito comum que os vizinhos, por qualquer razão em que não se tenha privilegiado o diálogo, seja por uma cara feia, uma frase mal interpretada ou por uma postura antagonista em algum momento, assumam a imagem do ‘outro’ como ‘com esse aí não adianta falar’. Neste contexto, a relação de vizinhança se engessa, e estas pessoas não mais acreditam que podem ter uma relação de cordialidade. A facilitação do diálogo e a mediação reflexiva transformativa podem resgatar estas relações e construir um tecido social mais amigável.

Na abordagem do tema do alcoolismo, da drogadição e dos conflitos resultantes, tem sido muito comum que, notificada a família por excessos decorrentes destes quadros, comparece, não para negar ou justificar os comportamentos, mas em geral para pedir auxílio da comunidade neste cuidado com seus filhos. No caso de adultos usuários ou dependentes, é muito importante que se trate o tema recomendando o tratamento, mas além do que exclusivamente a punição.

Com o passar do tempo, esta dinâmica do diálogo auxilia a construção de confiança comunitária, e o ambiente passa a ser cooperativo em todas as áreas.

SITUAÇÕES LIMITE

Em outra direção, e de outro modo, quando o diálogo se mostra impossível, e os comportamentos prejudiciais à saúde, sossego e segurança da vizinhança não sensibilizam aquele que abusa no seu direito de usar os territórios condominiais comuns, o Código Civil (Lei Federal 10.406/2002) oportuniza a possibilidade de punição econômica com a aplicação de multas de até dez (10) vezes para os descumpridores dos deveres de vizinhança, e em havendo necessidade, o síndico e a assembleia pode se usar destas ferramentas para procurar mudar comportamentos, reduzir ou até eliminar os transtornos. Por exemplo, em casos relacionados aos com comportamentos decorrentes do uso no uso do álcool e no uso de drogas em geral, se há familiares que se recusam, de bate pronto, a estabelecer qualquer diálogo com a administração do condomínio, o gestor deve advertir e aplicar as multas previstas.

Porém, o que é absolutamente importante salientar, é que primeiramente se recomenda o convite ao diálogo, mesmo no envio da advertência ou de uma notificação. Caso não seja atendido, tratando-se de temas sensíveis à privacidade e intimidade dos moradores, o tema deverá ser levado à assembleia e encaminhar a questão conforme deliberação. Cuidados especiais deverão ser tomados neste momento para não haver exposição desnecessária dos moradores à comunidade e não acarretar danos morais, especialmente no caso da adição ao álcool e drogas, que via de regra representam um drama na família. Mais que tudo, ouvir a narrativa dos pretensos ofensores pode balizar inclusive as penalidades a ser aplicadas. Reza o ditado que a maior distância entre duas pessoas é um mal-entendido.

Por outro lado, ainda, há ainda o risco de acirramento dos ânimos, tornando as relações mais conflituosas e até violentas. Importante também salientar que caso o tema seja encaminhado ao Judiciário, a discussão pode se prolongar por anos, mantendo o clima ruim na comunidade.

Existem é claro situações que ultrapassam os limites de tolerância dos moradores da vizinhança, com comportamentos nocivos reiterados à convivência com prejuízo a todo condomínio. É comum que o problema da drogadição e do alcoolismo incluam a prática de furtos de equipamentos comuns, ou a prática de calúnia, difamação e injúria contra os moradores e funcionários. Num primeiro momento, o que se deve fazer é chamar a polícia, e mesmo que os ânimos se acirrem por esta razão, às vezes é a única alternativa que resta. De qualquer maneira, para chegar nesse ponto, o condomínio como um todo, e a administração, no particular, falharam por não dimensionar antes o problema e tampouco trabalhar uma abordagem preventiva adequada, o que seria essencial. O diálogo como medida preventiva, previne os conflitos de vizinhança.

O recomendado sempre é chamar toda a família para conversar, ou alternativamente primeiro com o filho (se adulto), e depois juntamente com os pais. A comunidade não deve acobertar o comportamento de um filho (adulto ou não) de seus pais, mas tudo deve ser feito com cuidado, que no direito é chamado de dever de zelar pelas relações. E quando há casos de furto no prédio, certamente é obrigação do corpo diretivo encaminhar para as instâncias policiais, mas dependendo do contexto, se pode sim chamar para uma conversa antes de adotar este procedimento. É possível que o praticante do crime se arrependa, devolva os objetos furtados, indenize os vizinhos e a vida comunitária siga com um curso melhor.

Atitudes pedagógicas

Na prática, a sociedade deve discutir, droga por droga, sua discriminação, legalização, e até a despenalização ou o abrandamento das penas.

Por outro lado, ainda é importante trazer ao conhecimento da população que a lei que trata de drogas ilícitas no Brasil tem como política articular, integrar, organizar e coordenar estratégias e atividades relacionadas à prevenção, ao uso indevido com atenção e reinserção social, além da repressão à produção e ao tráfico.

Assim, inspiradas na lei, as comunidades de vizinhança podem e devem pensar em estratégias de prevenção, pesquisando características de sua coletividade, elaborando estratégias específicas, desenvolvendo programas neste sentido. Uma ideia de fundo para tanto é o reconhecimento da interferência na vida do indivíduo e na relação com a comunidade, evitar preconceitos e estigmatização, investimento em alternativas esportivas, culturais, artísticas e profissionais.

Também se pode pensar objetivamente em chamar especialistas para conversar e procurar empreender processos de diálogo coletivo por faixas etárias, e mesmo coletivamente, sempre incluindo todos os moradores das unidades se forem adolescentes, jovens ou adultos, independentemente se são ou não proprietários.

Assim, o que se procura é a criação de um ambiente não adversarial, que ofereça condições de horizontalizar as relações humanas, por meio da desconstrução das diferenças enraizadas nos indivíduos, aprofundar a comunicação e possibilitar a aproximação.


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Autor

  • Michel Rosenthal Wagner

    Advogado graduado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (1983) e mestre pela Pontifícia Universidade Católica de SP (2014). Especialista em Direito Imobiliário, Contratos, Direito Educacional e Arbitragem. Preside as Comissões de Direito Imobiliário e de Direito de Vizinhança e Urbanístico da OAB/SP – Seccional Pinheiros. É membro da Comissão Especial de Estudos sobre Educação e Prevenção de Drogas e afins da OAB/SP, prestador de serviços jurídicos de atendimento a famílias e dependentes no CRATOD (Centro de Referência de Álcool, Tabaco e afins), além da Casa de Passagem (Programas do governo do Estado de São Paulo). Autor da obra “Situações de Vizinhança no Condomínio Edilício, desenvolvimento sustentável das cidades, mediação e paz social” (Editora Millennium, 2015). Consultor sócio-ambiental em Vizinhança urbana, professor, palestrante e escritor. Mediador de diálogos em conflitos coletivos urbanos.

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