Moradores de dois condomínios na cidade de São Paulo foram surpreendidos no começo de agosto passado com a necessidade repentina de desocupação de seus imóveis, depois que um dos prédios sofreu desabamento de uma passarela e parcialmente de um talude.
A síndica Janaína Persike batalha com construtora inúmeros problemas de acabamento em empreendimento concluído em 2015
Os prédios eram ocupados por 116 famílias, que somente poderão retornar para casa depois de executadas obras de recuperação. Nesta reportagem, programada com antecedência, a Direcional Condomínios destaca a necessidade de os gestores contratarem inspeção predial para planejar a manutenção, assegurar garantias construtivas, evitar prejuízos e até situações drásticas como a interdição.
Necessidade humana básica, direito social assegurado pelo Art. 6º da Constituição Federal, a moradia carrega também importante valor afetivo, patrimonial e cultural ao brasileiro, que porta em seu DNA o sonho da casa própria. Segundo balanço da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, 74,1% dos domicílios já eram próprios no Brasil em 2016, entre residências e apartamentos. O Sudeste é a região que mais concentra apartamentos, quase 20% do total de moradias, uma proporção com crescimento irreversível. Daí porque o recurso à inspeção predial ganha relevância, de forma a evitar que o sonho se transforme em pesadelo pela falta de manutenção ou vícios construtivos.
A administradora e síndica profissional Janaína Persike está em sua segunda experiência com condomínio recém-implantado. Em ambos, encontrou vícios construtivos severos, que transtornam o dia a dia dos moradores, sem que, porém, laudos das construtoras os tivessem identificado. É o caso de residencial concluído em 2015, que Janaína administra desde outubro de 2017 na região Sudeste de São Paulo. Com 164 apartamentos de tamanhos variados, o empreendimento apresenta problemas internos e externos às unidades. No último ano, a síndica tem pleiteado com a construtora inúmeros serviços corretivos, como o combate a infiltrações e descolamentos nos pisos das rampas das garagens.
Terceira gestora do condomínio em menos de dois anos, a síndica se depara ainda com a necessidade de refazer o playground (que apodreceu, pois foi entregue em madeira de “segunda linha”, sem o tratamento necessário para suportar as intempéries); trocar o piso do mesmo (um emborrachado que descolou por erro na instalação); consertar portas e batentes nos acessos dos halls; exigir e/ou completar acessórios previstos no memorial descritivo e não entregues; substituir uma bomba de pressurização, assim como os equipamentos da sala de ginástica. Eles foram “recebidos” como profissionais, mas são domésticos e não dão conta do uso. A síndica encontrou ainda os halls internos dos 17 andares com pisos de lotes diferenciados, o que terá que ser reparado pela construtora.
O laudo de entrega de obra, com 470 páginas, contratado pela própria construtora e recebido sem comentários pelos condôminos indica que o empreendimento estava em “condições normais de uso e funcionalidade” na data da entrega. A vistoria foi realizada por um engenheiro civil perito, após este “vistoriar pessoalmente as dependências do imóvel” e se basear em “dados, diligências e levantamentos, verdadeiros e correto” [corretos].
Para evitar aborrecimentos e prejuízos, pois muitos deles acabam absorvidos pelo condomínio em função de um laudo inicial viciado e do tempo transcorrido, Janaína recomenda aos síndicos contratarem, na implantação, “uma inspeção independente, para compará-la com a da construtora”. O objetivo é que um especialista da área identifique potenciais vícios construtivos ou falta de materiais e equipamentos, muitas vezes ignorados por um leigo, e faça os apontamentos em laudo, de forma que os condôminos possam cobrar reparos e complementos.
A síndica destaca ainda a importância de que, na assembleia de implantação, a construtora deixe claro aos condôminos o que pode ser mexido nas unidades internas. Neste momento a administração deve estabelecer um plano de gestão de reformas, com exigência de avaliação prévia do projeto e de liberação dos serviços somente depois de apresentada ART ou RRT pelo condômino (Anotação de Responsabilidade Técnica ou Registro de Responsabilidade Técnica).
Pelas normas técnicas brasileiras, a vistoria para recebimento do imóvel pelo proprietário ou representante legal é obrigatória e consta da ABNT NBR 5.671/1990. Esse trabalho permite identificar os problemas (presentes ou futuros) decorrentes de vício construtivos e separá- -los daqueles causados pela ausência ou erros na manutenção (de responsabilidade dos síndicos e proprietários). Já a ABNT NBR 15.575/2013 prevê prazos de garantias para as instalações, que vão de um a cinco anos. Especialistas recomendam que se contratem pelo menos três inspeções nos primeiros cinco anos de vida de uma edificação, pois alguns vícios demoram a se manifestar.
Inspeção em qualquer idade do prédio
A contratação de inspeção predial tem sido comum junto aos síndicos preocupados com as responsabilidades civis e penais que recaem sobre eles enquanto pessoas físicas no exercício da função. Casos de desabamento total ou parcial de edificações têm frequentado o noticiário brasileiro e, em pesquisa realizada em 2009, o Ibape-SP (Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia de São Paulo) apurou que “mais de 60% dos acidentes [com edificações] ocorrem devido a problemas de manutenção”. A inspeção predial entra, portanto, como ferramenta de “gestão de bens imóveis”, ao possibilitar “programar a manutenção preventiva e corretiva”, destaca a entidade em cartilha lançada sobre o assunto. Facilita ainda equalizar orçamentos e dá aos gestores e condôminos um diagnóstico preciso das necessidades.
Mariza Carvalho Alves de Mello, síndica há pelo menos duas décadas, observa que os condôminos tendem a dar prioridade às intervenções estéticas em lugar das estruturais, algo que uma inspeção pode mudar. “Maquiagem é a última coisa a ser feita, o prédio precisa ter valorização, se tornar um local agradável, mas antes, não pode correr riscos. Precisa ter a parte interna toda zerada de pendências”, justifica. Mariza administra uma situação grave em prédio localizado na região do Parque do Ibirapuera em São Paulo, com 26 unidades. O condomínio, de 1970, enfrenta problemas estruturais na fachada, pilares e vigas do térreo.
Quando Mariza começou a atuar no local, já havia problemas com o descolamento de pastilhas e casos de infiltração de água na estrutura da alvenaria, com reparos pontuais. Com o tempo, ela precisou contratar uma inspeção predial e, na sequência, uma perícia tanto na fachada quanto nas vigas e pilares. Os laudos apontaram que os reparos são urgentes. Pelos próximos 37 meses, os condôminos terão que pagar um rateio extra de R$ 1 mil (além da taxa ordinária) para custear os serviços, começando pelas vigas. Em 2012, segundo Mariza, a assembleia de condôminos havia rejeitado a contratação de obras nesses sistemas, na época com custo 50% menor que o atual.
“Na verdade, esta obra teria que ter sido feita há 20 anos, mas o prédio ficou sem manutenção nenhuma durante muito tempo [fez na época modernização do hall social e áreas comuns]. O importante é que as pessoas saibam que a prevenção é muito melhor que a intervenção. Quando você faz o preventivo não permite que a água penetre na estrutura, isso é corrosivo. Mas infelizmente as pessoas não têm esse olhar.” A previsão é que tudo esteja recuperado em princípios de 2020, com o rateio extra avançando um pouco mais no tempo.
Detalhe de corrosão em colunas e vigas de prédio residencial em São Paulo
MUITO TRABALHO APÓS IMPLANTAÇÃO – Um condomínio entregue em 2012 na Vila Carrão, zona Leste de São Paulo, com 104 apartamentos, torre única, lazer completo e varandas gourmet, demandou muito empenho de seus gestores para exigir da construtora inúmeros reparos, entre eles, um dos mais sérios, um vício construtivo na fachada, constatado após realização de perícia. “Havia deficiência na aderência de materiais”, afirma o então síndico e hoje subsíndico Sérgio Yuji Nakaoka, que fez o recebimento da obra. Ele ainda está à frente de pendências com a construtora, dando apoio ao atual síndico e ex-sub, William de Souza Agostinho. “O corpo diretivo recebeu a obra, fez apontamentos de não-conformidades e, dois anos depois, pela demora da construtora em resolver problemas, e pelo nosso conhecimento técnico limitado, contratamos uma inspeção geral”, afirmam Willian e Sérgio (Foto ao lado, Sérgio à esq.). Ambos recomendam aos condôminos que contratem “apoio técnico especializado” na implantação de um empreendimento, “pois, conforme você habita o imóvel, os problemas surgem e a tendência da construtora é alegar ‘final da garantia’ para não fazer as correções”. Eles sugerem incluir o custo da inspeção já na assembleia de instalação. Outra dica é rever todos os contratos de manutenção firmados e herdados da construtora, muitas vezes com valores superfaturados.
FACHADA TOMBADA E “VISTA PERMANENTE” – Área rica em infraestrutura urbana, o Centro de São Paulo está renovando sua ocupação, através da construção de novos empreendimentos ou retrofit dos antigos. O Condomínio São Nicolau, construído no final de 1948 na Praça da República, começa a passar por esse processo, sob a gestão do síndico e advogado Marco Aurelio Braga (Foto ao lado). Ele diz que sempre gostou da região e que comprou um imóvel no local em 2014 pela “vista permanente” (a praça). O São Nicolau tem sua fachada tombada como parte do conjunto do Vale do Anhangabaú, preservado desde 1992 pelo Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo). Mas é preciso recuperar todos os sistemas do edifício, o que será feito com base em um laudo de inspeção predial e em um mapeamento dos ramais hidráulicos e elétricos originais (ambos em curso). O prédio dispõe ainda de um projeto de restauro, feito em 2016. E já começou as intervenções, instalando no ano passado o gás canalizado (havia botijões nos apartamentos até então). “É um plano de recuperação e restauro de cinco a oito anos”, afirma o síndico, que antes de partir para as obras, realizou o saneamento financeiro do condomínio.
Matéria publicada na edição – 238 – setembro/2018 da Revista Direcional Condomínios
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