“Os pais devem ser o exemplo maior: Respeitadores de todas as regras do condomínio”

A Direcional Condomínios traz aqui a entrevista com a terapeuta de família e psicopedagoga Luciana Szafran, que complementa a reportagem de capa da edição de outubro de 2018 – “Crianças & Jovens no condomínio: Integração pela paz”.

Direcional Condomínios – A comunicação de pais e síndicos junto às crianças, jovens e adolescentes está correta hoje?  

Luciana Szafran – Temos um modelo de comunicação (horizontal) baseado no paradigma da dominação, que é pautado em valores como hierarquia, obediência e autoridade.  Mas as crianças e jovens estão crescendo com um novo paradigma, que é dialógico e, portanto, conflitante com o vigente. Para que a comunicação seja mais efetiva, é necessário que síndicos e pais aprendam mais sobre esse movo modelo, que leva em consideração o diálogo, o entendimento das necessidades individuais e coletivas e a escuta ativa. O que mais observo de errado é a “imposição” de um modelo sobre o outro.

Então, o que deveríamos fazer? É bem simples! Quando falo com alguém cujo modelo de comunicação é diferente do meu, tenho que modelar a interlocução de acordo com a forma do outro, para que, de fato, exista comunicação. Por exemplo, quando uma criança ou jovem está em uma área proibida de circulação no condomínio, não basta dizer que “é proibido circular aqui” (paradigma da dominação: obediência). Torna-se necessário explicar os porquês dessa restrição, por exemplo, por ser um ambiente perigoso, dizendo “você poderia se machucar aqui”.

Direcional Condomínios –  Você cita muito o paradigma da comunicação pela não violência, pela paz. Quais são as principais orientações desse paradigma?

Luciana Szafran – A CNV (Comunicação Não-Violenta) não é apenas uma alteração na linguagem, mas sim uma mudança de consciência! O psicólogo americano Marshall Rosenberg estruturou esse modelo, inspirado pelas ideias de Gandhi e pelo trabalho com Carl Rogers, que nos permitem reestruturar nossa comunicação com outro, de forma que ela fique humanizada. Ela é capaz de restabelecer as relações e as conexões entre os seres humanos, mesmo em condições difíceis e situações de conflito. Esse modelo atua em duas principais frentes, a da escuta empática e a da expressão autêntica e clara. O ciclo é bem simples: observar sem julgar/avaliar, identificar os sentimentos envolvidos na fala, identificar as necessidades de quem fala e expressar-se honesta e empaticamente.

“Faltam oportunidades para as crianças e jovens vivenciarem e
gerenciarem o ócio, o tédio, o vazio, o nada.”

Direcional Condomínios – O excesso de informações negativas presentes nas redes sociais e mídias hoje, além do excesso de cobranças por se projetar uma imagem bem sucedida, interfere sobre o comportamento dessa garotada?

Luciana Szafran – Nos últimos anos presenciamos mudanças significativas no modo de vida das famílias. A falta de tempo dos pais para ficarem com seus filhos acabou empurrando as crianças e jovens para as redes sociais. Os brinquedos das crianças de hoje são tablets, celulares e videogames; o brincar e o faz de conta estão pouco presentes na vida das crianças. Alguns pais, preocupados com isso, cometeram outro erro: crianças e jovens com agenda de executivo, ballet, inglês, robótica, futebol, e a lista não tem fim. Faltam oportunidades para as crianças e jovens vivenciarem e gerenciarem o ócio, o tédio, o vazio, o nada. O resultado disso se expressa em números assustadores: aumento de crianças e jovens diagnosticados com ansiedade, depressão, síndromes psíquicas de todas as ordens (bipolaridade, TDHA, pânico etc.). Precisamos encontrar o equilíbrio para que possamos ter crianças e jovens mais saudáveis psiquicamente e que construam, no futuro, a sociedade que todos nós desejamos, mais pacífica, mais harmônica e mais feliz!

“Através dos bons exemplos de cidadania e
respeito com o coletivo a criança aprenderá!”

Direcional Condomínios – Como fazê-los se envolver com as regras do bom convívio social, necessárias ao condomínio?

Luciana Szafran – Através dos bons exemplos de cidadania e respeito com o coletivo a criança aprenderá! Ou seja, os pais devem ser o exemplo maior: Respeitadores das todas as regras do condomínio; devem pagar suas obrigações em dia, pois isso interfere na qualidade dos serviços que o condomínio pode oferecer aos moradores de forma coletiva; devem ensinar e exigir dos filhos o cumprimento das normas (onde podem e onde não podem brincar, o volume de voz no momento das brincadeiras, o horário permitido para som alto ou realização de festas etc.); ser educados com funcionários ou prestadores de serviços do condomínio; e participar ativamente das decisões condominiais.

Direcional Condomínios – Você costuma dizer que é preciso criar a empatia, mas qual a diferença entre ser empático e não ser condescendente ou permissivo?  

Luciana Szafran – Sem dúvida, achar o equilíbrio entre ser empático ou permissivo pode ser mais difícil para quem não conhece as práticas relacionais implicadas nesse modelo comunicacional. A Comunicação Não-Violenta sugere como prática social a corresponsabilização para a construção do mundo em que todos queremos viver. Por essa perspectiva, a empatia procura estabelecer relações que visam parceria e cooperação, num modelo ganha-ganha. Isso, contudo, não impede a aplicação de sansões severas quando a situação assim o exigir, e quando forem esgotadas todas as possibilidades dialógicas. O ideal seria instrumentalizar síndicos e gestores para essa prática, por meio de ações educativas, para que, a partir disso, se crie um novo modelo de gestão, que poderá contribuir para que os moradores e funcionários compreendam a importância de atitudes colaborativas e construções coletivas.

“Toda atuação familiar é educativa”

Direcional Condomínios – O que é fundamental se compreender em relação às crianças, jovens e adolescentes de hoje? Como trazê-los ao protagonismo, à responsabilidade de si e por si?

Luciana Szafran – Todas essas mudanças nas estruturas sociais e familiares provocam muitas dificuldades referentes à interação pais X filhos, filhos X mundo. Os pais são os primeiros agentes responsáveis pela socialização da criança, apresentando o mundo, legitimando (ou não) as ações dos seus filhos na sociedade – toda atuação familiar é educativa -, e dando a eles o suporte necessário para que possam compreender a dinâmica das relações sociais. Se, nesses momentos, não os orientamos, estaremos perdendo uma oportunidade maravilhosa de ensinar valores como autonomia, respeito, responsabilidade etc. Esses conceitos não são inatos, como alguns podem pensar. São apreendidos e podem ser desenvolvidos em qualquer idade, mas é na infância que esse processo acontece mais naturalmente. Engajar crianças e jovens pode ser mais fácil do que parece. Por exemplo, podemos trazer o protagonismo se, ao fazer coleta seletiva do lixo, o síndico pedir às crianças e jovens do condomínio que indiquem uma (ou mais) instituição que possa receber o material reciclável. Estará dando voz a eles e os ajudando a compreender seu papel no coletivo, fazendo-os experimentar o prazer por contribuir com o seu bem-estar e também com o bem-estar dos outros.

Matéria complementar da edição – 239 – outubro/2018 da Revista Direcional Condomínios

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