O síndico como gestor de conflitos no condomínio

Uso inadequado de vaga da garagem, prejudicando manobras do carro do vizinho ou mesmo a higiene e salubridade do ambiente, barulho e demais infrações às regras comuns do prédio demandam do síndico o papel de gestor de conflitos, assunto abordado pelo advogado e mediador Cristiano De Souza Oliveira no texto a seguir, a partir de alguns exemplos cotidianos.

– Problemas no uso da vaga da garagem, com agir?

Para se morar em condomínio, o cidadão não precisa de escola, mas de conhecer seus interesses, direitos e deveres, para assim até poder fazer uma reclamação ou se defender de uma advertência e multa. “Conhecimento em si mesmo é poder”, dizia Francis Bacon. Neste sentido, temos que analisar o caso do mau uso da vaga da garagem por três lados distintos:

A) De quem sofre o problema e não consegue manobrar: O condômino/morador tem o direito de usar esta área de manobra (área comum), para também usar e até fruir de sua área privativa ou comum com ocupação exclusiva, de forma livre. Este direito está contido no Art. 1.335, Incisos I e II, do Código Civil brasileiro (CC / Lei Federal 10.406/2002);

B) O infrator, condômino/morador, também possui o direito de usar as mesmas partes, porém, ambos com advertência de não excluir a utilização pelos demais (Art. 1.335, Inciso II, do CC). Além disso, o infrator tem o dever de não utilizar as partes (comuns ou exclusivas) de forma a prejudicar o sossego, segurança e bons costumes da coletividade (Art. 1.336, Inciso IV, do CC);

C) O síndico, como administrador nato do empreendimento, tem a função (direito e dever) de cumprir e fazer cumprir as normas do condomínio e guardar as partes comuns (Art. 1.347 c/c 1.348, Incisos IV e V, ambos do CC).

Neste sentido, inicialmente o administrador deve receber a reclamação (por escrito, para não haver erros), fazer a constatação do problema e comunicar a unidade infratora do problema (não de quem fez a reclamação), solicitando a solução (estacionar adequadamente ou ocupar a vaga por veículo de tamanho condizente).    

– A postura do síndico na gestão de conflitos 

Gerenciar e administrar o condomínio é também gerenciar e administrar conflitos, porém, para se obter um resultado satisfatório na melhor estratégia para a resolução do conflito, é preciso conhecer o problema. A questão da vaga de garagem, por exemplo, não é de caráter transitório, sob pena de ser observado como privilégio para poucos, o que seria condenável na administração. Trata-se de caso de cumprimento de regras, onde, da mesma forma como o morador não compra uma cama tipo ‘king size’ quando esta não cabe em algum quarto do apartamento, ele também não deveria adquirir um veículo que não caiba nos limites da sua vaga de  garagem, seja pela escritura existente (ele comprou o imóvel com um tamanho de vaga e tem que utilizá-la dentro deste limite), seja pelo transtorno com os demais, que impede um direito de terceiro. Assim, o gestor pode até se reunir com as partes isoladamente para obter informações, mas o síndico não é um mediador (atividade técnica e imparcial). E nesta conversa o síndico não pode dar qualquer tipo de abertura que prejudique o cumprimento de regras ou impliquem em adaptações delas, sob pena de prejudicar a isonomia com os demais proprietários.  

– Sobre a mediação

Na questão da mediação, seria leviano o síndico adotar o papel de mediador. Isto é diferente de ser um gestor de conflitos. Senão vejamos: Se o problema estiver no tamanho da vaga, ou mesmo se a questão for adaptação dos tamanhos das vagas, ou ainda as partes envolvidas determinarem que um dos carros pode ficar em área comum não destinada ao estacionamento, alguém teria que observar o interesse do condomínio como um todo nesta questão. Mas sendo o síndico mediador, quem seria o representante que falaria em nome do condomínio?? Ou, de outro modo, se o síndico sai de sua posição de mediador e assume como parte representante da fala do condomínio, quem se torna o mediador desta questão? Portanto, é indispensável e inevitável que haja uma terceira pessoa isenta, imparcial, trabalhando na mediação dos interesses de cada uma das partes, sejam condôminos ou o condomínio com ente coletivo.

Reitero que o síndico é administrador, gestor de conflitos, que deve no tempo certo, após adotar sua postura de gerenciamento do todo, chamar um técnico mediador para tratar o conflito, se o caso e o conflito assim o comportar. Mediação é uma das formas de resolver um conflito, mas não a única e nem sempre a melhor, pois em alguns casos, onde o interesse coletivo deve se sobrepor ao individual, outras formas de resolver o conflito devem ser adotadas, até o Judiciário. Pacificação social é respeitar as leis e regras, e não as abandonar ou, pior, adaptá-las por interesses individuais (já pensou se todo o prédio resolve ter carro GG em vagas PP??!).

A mediação é uma das formas de resolução de conflito, não deve ser vendida como um instituto banal, a ser sempre adotada. Para que o síndico possa usar qualquer forma de resolução de conflitos (negociação, mediação, formas de cláusulas contratuais específicas – avaliação neutra, adjudicação, arbitragem ou o Poder Judiciário), o conflito deve ser analisado em si, sua extensão e reflexos em resolver de forma diversa. Pois em um condomínio todos são proprietários e votam e rateiam despesas de forma representativa de fração ideal, exercendo assim seus direitos e deveres de forma igual.

Por fim, o exemplo da garagem não é o mais indicado para uma mediação, pois qualquer transação que não seja o cumprimento das regras irá ferir o direito de terceiro (coletividade). Nas questões comportamentais, muitas vezes a mediação pode ser o melhor caminho, mas sempre analisando caso a caso, não há uma tabela pronta. A dinâmica social não permite que as soluções sejam encontradas em sistemas padronizados, pois se não sabemos para onde vamos, qualquer caminho pode ser usado. A questão de resolução de conflitos é técnica e deve ser avaliada caso a caso para garantia da segurança jurídica.

– Aplicação de multas

A imposição de penalidades, de advertência às multas, deve ser observada nos critérios da Convenção do condomínio. É possível ainda, em alguns casos, levá-los para uma assembleia, como problema a ser administrado no coletivo, e não como exposição de pessoas. Em regra, se adverte de duas a três vezes antes da aplicação de uma multa. Esta pode ser escalonada conforme a Convenção, até o valor de cinco vezes o rateio da unidade infratora, mas se trata de um exemplo e não regra.

– Retaliações contra o síndico

Dizemos que o síndico é o gestor de conflitos e não mediador porque ele deve conduzir os casos sem envolvimento (com imparcialidade), de forma transparente e horizontal (igual para todos). Essa é uma das maneiras de evitar situações de retaliação contra o gestor por causa de uma advertência ou multa.  O Conselho Consultivo deve sempre ser convocado mediante demandas maiores de transtornos, as quais geram desconforto à toda coletividade, bem como a assembleia, conforme o caso também. As retaliações, desde que não ultrapassem o limite da atividade, estão na regra do jogo de administrar. Porém, difamações, injúrias ou calúnias devem ser tratadas como crimes, nos termos da lei.

Comentários finais  

Em condomínios populosos, as comissões de resolução de disputas ou conflitos funcionam muito bem (principalmente as situações envolvendo vizinhos) tal qual hoje existe em contratos de construção os comitês de “dispute board”, aceitos até no STF (Superior Tribunal Federal) nos casos de contratos de construção. O sistema de ouvidoria também funciona e elimina vários problemas em conflitos híbridos que misturem os interesses de vizinhos, da administração e da manutenção predial. Bons resultados por mediação costumam vir de problemas envolvendo relação de vizinhança pura, ou mesmo casos comportamentais (uso inadequado de áreas, inadimplência, casos de animais e crianças), onde o senso de pertencimento ao sistema tenha se perdido nestas situações.


Matéria complementar da edição – 248 – agosto/2019 da Revista Direcional Condomínios

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Autor

  • Cristiano de Souza Oliveira

    Advogado e consultor jurídico condominial há mais de 28 anos. Mediador Judicial e Privado cadastrado perante o CNJ. Integra o quadro de Câmaras de Mediação e Arbitragem no campo de Direito Condominial. É Vice-Presidente da Associação dos Advogados do Grande ABC, Membro do Grupo de Excelência em Administração de Condomínios - GEAC do CRA/SP, palestrante e professor de Dir. Condominial, Mediação e Arbitragem, autor do livro "Sou Síndico, E agora? Reflexões sobre o Código Civil e a Vida Condominial em 11 lições" (Editado pelo Grupo Direcional em 2012). Sócio-diretor do Grupo DS&S. Diretor do Instituto Educacional Encontros da Cidade – IEEC. Já foi Presidente da Comissão de Direito Administrativo da 38ª Subseção da OAB/SP – Gestão 2016-2018 / Presidente da Comissão de Direito Condominial da 38ª Subseção da OAB/SP – Gestão 2019-2021 / Ex - Membro na Comissão de Direito Condominial do Conselho Federal da OAB e da Comissão da Advocacia Condominial da OABSP –2022.

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