Convenção “caduca” mediante novos usos & costumes?

Condôminos circulando pelas áreas comuns em trajes de banho ou fantasias carnavalescas ainda geram reclamações aos síndicos em São Paulo. Houve caso neste ano em São Paulo de morador advertido pela síndica por uma fantasia “indecorosa” que ele vestia no acesso ao prédio. A Convenção local, de 1950, proíbe as pessoas de circularem nos “corredores sociais e de serviços em trajes praianos e/ou sumários (sem camisa, maiô, short etc.)”. Por isso, a Direcional Condomínios apresentou o questionamento abaixo à advogada Suse Paula Duarte Cruz Kleiber.

1 – Mudanças de hábitos podem prevalecer sobre regras antigas?

A Convenção condominial e o que ela deve conter vêm descritos nos Art. 1.333 e 1.334 do Código Civil (Lei Federal 10.406/2002). Na época da introdução deste novo Código muito se discutiu sobre a necessidade de uma atualização (tornada não obrigatória pelas interpretações posteriores), mas é certo que uma Convenção não pode contrariar esta lei nacional.

De outro modo, novas questões afetam a rotina dos condomínios e não estão previstas em Convenção ou Regulamento Interno. Ou, ainda, observam-se fatos previstos nesses instrumentos que não mais se enquadram à nossa realidade. Seria exagerado um condômino utilizar o elevador com roupa personalizada para o participar de um bloco de carnaval ou se dirigir à piscina em traje de banho?

Além disso, nem sempre é possível haver uma norma para cada situação concreta e existem aquelas que permitem muitas interpretações. Nesses casos, o juiz utilizará as fontes do Direito (Art. 4º e 5º da Lei de Introdução Às Normas do Direito Brasileiro / LINDB), para, respetivamente:

– Decidir “de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de Direito” (A essas fontes somam-se a doutrina, a jurisprudência e a equidade);

– Atender “aos fins sociais a que ela [legislação] se dirige e às exigências do bem comum”.

Portanto, o que deve prevalecer no condomínio é o bom senso. Por vezes, os usos e costumes mudaram e claramente determinadas previsões contidas em Convenções muito antigas não poderão ser aplicadas.

2 – Qual a medida do “bom senso”?

Até que ponto uma situação, postura ou vestimenta afeta a rotina ou honra dos condôminos? Temos que tomar cuidado para não impormos nossos conceitos pessoais em desrespeito às escolhas dos outros. Prezo muitíssimo pela participação de todos e penso que as regras devem ser atualizadas de acordo com a necessidade de cada condomínio. Temos casos de convenções muito antigas e que seus gestores não precisam alterar as regras, porque entenderam que a sociedade e os conceitos mudaram e, portanto, sabem que exigir determinadas condutas trará apenas discussões desnecessárias, gerando desconforto e afastamento entre os condôminos. O que deve ser preservado é a união visando ao bem comum. O que é bom senso? Por exemplo, se alguns facilitadores podem quebrar as regras, como deixar uma cadeira de rodas ou carrinho de bebê na garagem, porém, se respeitados o local de guarda, o tempo e sua destinação, isso em nada irá mudar a rotina dos demais condôminos. É o caso ainda de se permitir a entrada de taxis com moradores idosos ou adoentados na garagem, o que pode ser perfeitamente adequado às regras exigentes.


Matéria publicada na edição – 237 – agosto/2018 da Revista Direcional Condomínios

Não reproduza o conteúdo sem autorização do Grupo Direcional. Este site está protegido pela Lei de Direitos Autorais. (Lei 9610 de 19/02/1998), sua reprodução total ou parcial é proibida nos termos da Lei.

Autores

  • Suse Paula Duarte Cruz

    Advogada. Graduada em Direito pela FADAP (Faculdade de Direito da Alta Paulista, 1995); Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Escola Paulista de Direito (EPD, 2011); pós-graduada e especialista em Direito Imobiliário pela PUC-MG (2022). Ministra cursos e palestras na área condominial. É autora do livro "Respostas às 120 dúvidas mais frequentes em matéria condominial" (Editora Autografia, 2017); coordenadora e coautora do livro "Direito Condominial Contemporâneo" (Editora Liberars, 2020) e coautora do livro "Direito Processual Civil Constitucionalizado" (Editora – Instituto Memória, 2020).

  • Jornalismo Direcional

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

três × cinco =