Após quarentena, atos do síndico poderão ser questionados judicialmente?

O mundo vive momentos de excepcionalidade em função da pandemia do novo Coronavírus (Covid-19), que impactam profundamente sobre aquilo que conhecemos como normalidade na aplicação de regras e leis. No condomínio não poderia ser diferente.

Em artigo que publicamos no dia 1º de abril no site da Direcional Condomínios (Reflexões sobre o Projeto de Lei 1.179/2020 e suas aplicações práticas), observamos que os efeitos disso nos condomínios passaram ou vêm passando por ondas, das quais identificamos cinco (5):

1) Susto e desespero;

2) Decisão;

3) Adaptação;

4) Acomodação;

5) Reflexão e Reflexos.

Agora vamos para a frente. Em relação a todas as medidas que têm sido adotadas pelos síndicos neste momento de excepcionalidade, começam a surgir dúvidas sobre o que poderá ou não ser questionado judicialmente no futuro.

Vários poderiam ser os questionamentos, uma vez que a situação atual não está prevista em qualquer ordenamento jurídico anterior que trate do setor condominial. No entanto, não apenas pelo bom senso, mas também por princípios legais de caso fortuito ou força maior, entre outros instrumentos normativos, a gestão não ficará prejudicada. Analisamos a seguir algumas situações.

Prorrogação de mandato de síndico

A manutenção natural do gestor na administração do condomínio, ainda que sem uma assembleia de eleição, por exemplo, encontra precedentes legais no próprio Código Civil, tal qual na administração sem escolha formal (assembleia) em Condomínios Voluntários. Diz o Código Civil (Lei Federal 10.406/2002), no Art.1.324: “O condômino que administrar sem oposição dos outros presume-se representante comum”.

Mas quando o síndico não for condômino? No caso de síndicos externos, o precedente está nos detalhes. A legislação não possibilita que o condomínio possa ficar sem administrador, por essa razão, o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação, órgão ligado à Casa Civil do Governo Federal e responsável pela certificação digital, baixou a Instrução Normativa nº 04/2020 (no dia 07/04), reconhecendo como documento válido para renovação de certificação digital, a última ata de eleição existente no condomínio. Ainda que o mandato tenha vencido, bastará ao síndico, para a normalização da situação, que apresente uma declaração de que não houve possibilidade de realizar uma assembleia em razão da pandemia (leia em Instrumento Normativo do Governo Federal permite prorrogar mandato de síndico durante a pandemia). Outra possibilidade, mediante a inviabilidade de eleição formal do síndico, está no próprio Código Civil, em seu Art. 1.350, §2º, que possibilita haver um pedido ao Poder Judiciário, por qualquer condômino, para a extensão do mandato ou escolha do síndico.

O §2º do Art. 1.350 poderá, inclusive, ser aplicado como fundamentação para outras necessidades urgentes do condomínio, pois, conforme estabelece, “se a assembleia não se reunir, o juiz decidirá, a requerimento de qualquer condômino”.

Obras no condomínio

Existe ainda, no horizonte, a possibilidade de o substitutivo ao PL do Senado, 1.179/2020, aprovado pela Casa no dia 03/04, vir a ser aprovado pela Câmara e sancionado pela presidência da República, tornando expressa e diretamente legais medidas que já vêm sendo adotadas pelos síndicos, como a convocação de assembleias virtuais, a restrição à circulação e uso de áreas comuns e à realização de obras estruturais e/ou benfeitorias necessárias.

Nesse sentido, são improcedentes orientações que têm sido dadas por algumas administradoras de que os síndicos não contratem obras que não sejam urgentes, nem tampouco rescindam contratos ou façam novos, sob pena de responderem judicialmente depois. Isso vai contra o que estabelecem os Incisos II e V do Art. 1.348, do Código Civil:

Art. 1.348. Compete ao síndico:
(…)

Inciso II – Representar, ativa e passivamente, o condomínio, praticando, em juízo ou fora dele, os atos necessários à defesa dos interesses comuns;

Inciso V – Diligenciar a conservação e a guarda das partes comuns e zelar pela prestação dos serviços que interessem aos possuidores.

Assembleia Virtual

Assim como há pouco uso do §2º do Art. 1.350 (o juiz poder decidir quando acionado por qualquer condômino), também a assembleia virtual representa uma modalidade incomum na administração dos condomínios. Entre as dúvidas mais comuns, ainda existe o medo e a insegurança da parte dos gestores e condôminos quanto às plataformas e riscos de mau uso, os quais, inclusive, acabaram ocorrendo há tempos.

Mas a tecnologia possibilita hoje perfeitas reuniões online, onde todos se logam e se identificam, em ambiente gravado, e o material produzido pode ser encaminhado a um cartório de registro de notas para realização da ata notarial, condição esta que garante total segurança jurídica desta assembleia. Em certas plataformas, há possibilidade de serem feitas apresentações de slides, documentos, anexos e material de apoio.

O fato de haver um encontro virtual não dispensa a obrigatoriedade de serem formalmente convocadas, com pauta, seguindo todo o roteiro tradicional de uma assembleia de condomínio. O que muda é o ambiente de sua realização. Nestas condições, ainda que alegadas como formas possíveis por alguns juízes em decisões judiciais, porém, com pouca visão prática sobre segurança jurídica condominial e de prática de gestão, não aconselhamos ser considerado válido pelo condomínio, para efeitos de assembleia, o uso de chats ou discussões em grupos de WhatsApp, pela inviabilidade de haver um registro histórico, o qual poderá ser facilmente perdido e contestado. Tais meios podem ser usados como pesquisas e meios de comunicação, mas seria leviano e precário afirmar como plataformas seguras para a realização de assembleias. Da mesma forma, não indicamos formatos que mantêm a assembleia “aberta” durante dias; isto seria pesquisa, não deliberação.

Um bom modelo para a realização da assembleia virtual é o formato de discussões e votações adotado pelo Senado Federal nestes tempos de quarentena, onde o encontro virtual ocorre simultaneamente, há debates e as deliberações acontecem no mesmo momento. Não é muito lembrar que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Resp. 1.120.140 – MG, decidiu que as assembleias condominiais devem, e isto poderá ser usado para qualquer meio (presencial ou virtual), ser o ambiente de debates e deliberação, dotado de segurança histórica e jurídica. Isso pode obrigar o condomínio a realizar um investimento, mas nada exorbitante, algo que garanta a segurança (em todos os níveis) ao condomínio, à sua gestão e ao bom controle do dia a dia que se traduz pela vontade do coletivo.

A reflexão final que a excepcionalidade gerada pela pandemia nos traz é a de que só haverá problemas em relação às medidas necessárias, de adaptação ou mesmo mudança de paradigmas, se algum ato vier acompanhado de má-fé e oportunismo. Entretanto, isto será um fora da curva, uma exceção, pois hoje, mais que ontem, participar e colaborar com seu próprio patrimônio é a chave da busca pela boa gestão.

Inadimplência x Rateio das despesas

O condomínio, por mais informal que venha a ser a sua dinâmica, deve ser se pautar pela busca da segurança jurídica e todos devem entender que, para se ter o andamento perfeito (mantendo e valorizando o patrimônio coletivo), a contribuição caberá a todos (de forma geral e não só financeira). Uma eventual perda de noção social de pertencimento ao condomínio pode levar à fragilidade da gestão. E aqui entra mais um recado, relativo ao rateio de despesas. Mediante a interrupção abrupta das atividades em grande parte dos segmentos econômicos, com impacto sobre o faturamento e a renda, síndicos têm sido desafiados a revisarem o valor de boletos ou mesmo a cancelá-los por um ou dois meses.

É um tipo de demanda extremamente prejudicial ao futuro do condomínio. Qualquer medida que venha a ser adotada no momento terá que estar baseada em uma análise econômico-financeira do condomínio, do perfil de seus moradores e condôminos, entre outros fatores.

Se houver inadimplência, em momento oportuno o condomínio poderá levar à deliberação da assembleia, devidamente convocada para esses fins, as eventuais possibilidades de anistia dos acréscimos. Hoje, no entanto, deve haver uma cobrança pautada pela normalidade, pela razão (finalidade) do que se paga, qual seja, um rateio de despesas. Sequer o adiamento de contribuições (impostos, INSS e FGTS) deve ser levado em conta, pois esses respectivos valores já estão com sua previsão rateada mensalmente e, no futuro, não poderão novamente serem rateados, pois já ocorreram as arrecadações específicas, salvo se houver abatimento nestas arrecadações. Lembrando, no entanto, que se não pago hoje, em algum momento esses impostos terão que ser pagos e o condomínio deverá ter caixa para quitá-los, juntamente com o do mês que haverá na época.

Funcionários

Nosso último recado diz respeito aos funcionários e colaboradores os condomínios. Não cabe, neste momento, avaliar uma redução de jornada por simples economia, ou mesmo afastamento em detrimento da manutenção do dia a dia condominial, sob pena de a cadeia econômica e produtiva ser abalada. O condomínio, como empregador, rateia a folha (rateia despesas), mas também possui uma responsabilidade social (fim social das relações de trabalho existentes em todos os níveis), que atinge até o empresário/lojista, muitas vezes, o próprio morador. Pois o consumidor deste pode ser o funcionário/colaborador do condomínio, que, se posto na rua ou perder parte dos vencimentos, diminuirá seu poder aquisitivo na cadeia econômica.

Mais do que nunca, hoje vemos que tudo está interligado, e há que se ter responsabilidade em assumir decisões isoladas.

Autor

  • Cristiano de Souza Oliveira

    Advogado e consultor jurídico condominial há mais de 28 anos. Mediador Judicial e Privado cadastrado perante o CNJ. Integra o quadro de Câmaras de Mediação e Arbitragem no campo de Direito Condominial. É Vice-Presidente da Associação dos Advogados do Grande ABC, Membro do Grupo de Excelência em Administração de Condomínios - GEAC do CRA/SP, palestrante e professor de Dir. Condominial, Mediação e Arbitragem, autor do livro "Sou Síndico, E agora? Reflexões sobre o Código Civil e a Vida Condominial em 11 lições" (Editado pelo Grupo Direcional em 2012). Sócio-diretor do Grupo DS&S. Diretor do Instituto Educacional Encontros da Cidade – IEEC. Já foi Presidente da Comissão de Direito Administrativo da 38ª Subseção da OAB/SP – Gestão 2016-2018 / Presidente da Comissão de Direito Condominial da 38ª Subseção da OAB/SP – Gestão 2019-2021 / Ex - Membro na Comissão de Direito Condominial do Conselho Federal da OAB e da Comissão da Advocacia Condominial da OABSP –2022.

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