A impossibilidade de realizar assembleias presenciais foi um dos principais impactos da quarentena sobre a rotina administrativa dos condomínios. O formato virtual ganhou protagonismo, mas está longe de um consenso na área do Direito.
A síndica profissional Tania Goldkorn já realizava assembleia Por Rosali Figueiredo em plataformas digitais antes da pandemia
As medidas contra aglomerações motivadas pela pandemia do novo Coronavírus têm inviabilizado as assembleias presenciais em condomínios desde o final de março. Nesta época do ano acontecem principalmente assembleias de eleição de síndico, de aprovação de contas e previsão orçamentária (Leia mais sobre o assunto na reportagem das págs. 6 a 8). Assembleias de implantação de condomínios também foram prejudicadas. Nesse contexto, emergiu com força a alternativa das assembleias virtuais, realizadas pela internet.
Entre alguns síndicos, o modelo não trouxe surpresas, já que muitos têm experimentado maneiras híbridas ou mistas de promover assembleias, principalmente para itens que demandam votação com quórum qualificado (maioria absoluta ou unanimidade). Quanto à implantação de condomínios, construtoras e administradoras conseguiram viabilizar, rapidamente, encontros virtuais.
Atualmente, destacam-se dois caminhos para viabilizar o formato:
– Através dos módulos ou sistemas de internet das administradoras e condomínios; ou,
– Por meio de aplicativos independentes, acessados em smartphones, que operam um ambiente externo ao condomínio e administradora, para o qual são transferidos dados de cadastro dos condôminos.
A síndica profissional Tania Goldkorn promoveu em setembro do ano passado uma assembleia aberta mista de sorteio de vagas de garagem. A convocação com a pauta foi feita 15 dias antes por meio eletrônico; as discussões ocorreram em ambiente virtual durante um período pré-estabelecido; a votação se deu em reunião on-line, simultânea, pelo aplicativo Zoom; e as assinaturas foram colhidas pessoalmente de cada condômino. Por fim, houve o registro da ata notarial. “Não deixamos aberto para votação, mas sim discussão”, observa Tania. O modelo foi proposto pelos próprios moradores e tornou-se possível porque o residencial tem apenas oito unidades, diz.
Entre os demais condomínios que administra, estão suspensas até o momento as assembleias (em três deles estava programada a eleição do síndico). Mas Tania diz que é “100% favorável à assembleia virtual”. “Ela traz foco para o condomínio, pois participa somente quem está interessado. Pretendo usar as plataformas das administradoras, que têm treinamento para isso, irão nos orientar e deixarão os moradores mais seguros”, completa.
Eleição de síndico em quarentena
O síndico profissional Luiz Leitão da Cunha foi eleito em AGO (Assembleia Geral Ordinária) promovida por um condomínio residencial no dia 6 de abril, em plena quarentena. As discussões com todos os candidatos já tinham ocorrido em assembleia anterior e a convocação estava feita. Faltava o ato da votação, que acabou organizado pelo conselho, através da coleta presencial (e individual) do voto de cada condômino (15 no total). As discussões e votação em torno da prestação de contas e previsão orçamentária foram adiadas.
Luiz Leitão considera a possibilidade de promover assembleia virtual. “Testei um aplicativo via celular, independente de plataforma de administradora, a ferramenta funciona, apresenta vários tópicos para votar através do celular, verifica se o usuário é condômino ou não, e tem espaço de discussão. A confirmação do voto é feita por email”, descreve. Ele não teme questionamentos quanto à legalidade do formato, pois a legislação não estabelece o local em que a assembleia deverá ocorrer, argumenta. A exceção fica para os casos em que a Convenção trouxer restrições à assembleia virtual.
Também a síndica profissional Keila Manzini é adepta do modelo. Ela o utilizou no mês de março por causa da quarentena. “Foi uma AGO, realizada através da plataforma da administradora. Ela estava convocada no presencial, mas soltamos novo edital para o meio virtual. Mantivemos a pauta: Previsão orçamentária e prestação de contas, sem eleição de síndico. A convocação foi por e-mail e a divulgação reforçada através das redes sociais do condomínio, murais etc. No dia, deixamos a assembleia aberta entre 18h e 22h, com discussões, vídeos de apoio, chat para perguntas e respostas e votação.” De acordo com Keila, o evento transcorreu sem problemas e registrou participação de 10% dos 920 condôminos de um residencial localizado em Guarulhos (RMSP).
Assembleia virtual: Controvérsias
Um dos pontos controversos em torno das assembleias virtuais está na necessidade ou não de que estas estejam previstas na Convenção do condomínio. O Art. 1.334, Inciso III, do Código Civil, diz que a Convenção deverá determinar a competência, forma de convocação e quórum das deliberações das assembleias.
Com base neste artigo, alguns advogados entendem que a realização da assembleia virtual dependerá de que ela esteja expressa na Convenção do condomínio, caso contrário, poderá ser questionada judicialmente no futuro. A interpretação também é defendida pela Aabic (Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo), que orientou o adiamento das assembleias durante a quarentena. Entre as preocupações da entidade, destacam-se a ausência da previsão da assembleia virtual em Convenção, a eventual impossibilidade de participação de condôminos por dificuldades técnicas (como de acessar a internet), além da incerteza quanto “à idoneidade dos meios fornecidos para a coleta dos votos”.
Outra linha de interpretação entre os especialistas em Direito condominial entende que não há proibição legal para a assembleia virtual, portanto, ela pode ser convocada. No entanto, há um consenso entre todos: É imprescindível que a assembleia virtual cumpra com os mesmos pré-requisitos estabelecidos para a forma presencial, como a convocação antecedente, estabelecendo-se dia, horário (ou período) e local (ou plataforma) de realização; divulgação prévia dos itens da pauta; garantia de participação de todos os condôminos nas discussões e votações; registro da ata (no caso da virtual, tem que ser ata notarial baseada em gravações). Os especialistas recomendam ainda cuidados com a segurança dos dados dos condôminos nos meios eletrônicos, assim como a adoção de mecanismos que assegurem a participação e o voto de quem de fato possui este direito.
Através de artigos disponíveis no site da Direcional Condomínios, advogados da área discutem a pertinência ou não de projetos de lei em trâmite no Congresso Nacional voltados a legalizar o modelo virtual, incluindo as iniciativas de abril passado da Câmara Federal e do Senado (o PL 1876/20, associado ao 1.179/20). Estes propuseram a assembleia virtual como meio de suprir as necessidades dos condomínios em função da pandemia.
Para o advogado Cristiano De Souza Oliveira, em análise também publicada no site da revista, não há riscos para as assembleias virtuais realizadas neste momento. Segundo ele, a situação de calamidade pública vivida pelo País (e reconhecida oficialmente no âmbito federal, nos estaduais e municipais) preserva a sua legalidade, independentemente de prevista ou não em Convenção, ou de legislações em torno do assunto. Para isso, no entanto, é preciso que a sua realização siga os ritos legais citados anteriormente.