Assembleia virtual em tempos normais ou de pandemia: Existe segurança jurídica?

Parecer Jurídico realizado pelo escritório Natalio de Souza Advogados discute a pertinência ou não de os síndicos recorrerem à realização de assembleias virtuais durante o período de quarentena e restrições às aglomerações.

– Do estado de calamidade pública

– Considerando que a Organização Mundial de Saúde (OMS), no dia 11/03/2020, declarou pandemia de Covid-19;

– Considerando o pedido da OMS para que os países redobrem o comprometimento contra a pandemia do novo Coronavírus;

– Considerando o Decreto 6/2020 do Senado Federal, que reconhece o Estado de Calamidade Pública solicitado e apontado pelo presidente da República;

– Considerando que a situação demanda medidas de prevenção, controle e contenção de riscos, a fim de ser evitada a disseminação da doença;

– Considerando as medidas adotadas e recomendadas pelos diversos governadores, no sentido de proibir/restringir aglomeração de pessoas.

– Do ordenamento jurídico

O ordenamento jurídico brasileiro é composto pelo conjunto de leis, que regulam a vida dos cidadãos. É com base nele que temos a possibilidade de prever tudo aquilo que podemos e não podemos fazer (pelo menos isso seria o ideal).

Quando restringimos as relações privadas, a ideia basilar é de que o nosso ordenamento jurídico é “aberto”, isso significa dizer, que, em tese, “tudo é permitido”, não sendo permitido aquilo que a Lei proíbe ou aquilo que a Lei impõe algum procedimento. Esclarecendo essa segunda parte: Em alguns momentos esse ordenamento pode declarar que, para algo ser permitido, temos que tomar algumas medidas que a lei especifique.

Externado o conceito acima e, entrando na questão das Assembleias Condominiais Virtuais, nos deparamos com a seguinte questão, analisada no tópico a seguir.

– Da possibilidade da assembleia virtual

Pergunta: A Legislação Brasileira em algum momento proíbe a possibilidade de Assembleias Virtuais?

Resposta: Não.

E por que a resposta é não?

Conforme esclarecido acima, exatamente pelo fato de a Lei não proibir a possibilidade, isso porque, como dito, em tese, tudo é permitido.

E por que não fazemos assembleias virtuais?

Por dois motivos:

i) Questão totalmente cultural;

ii) Falta de previsão e Regulamentação na Convenção Condominial.

Considerando os diversos conceitos da palavra “Cultura”, podemos extrair que esta “é todo conhecimento ou costume passado de geração em geração”. Embora estejamos falando de algo muito novo, precisamos admitir, e esse é o primeiro passo para podermos reconhecer o problema e o déficit que temos para com a comunidade condominial, que a nossa cultura não é, pelo menos ainda, capilarizada no emprego de tecnologia que aproxime as pessoas ao ambiente virtual. Tanto isso é verdade que estamos vivendo há dezenas de anos com um dos principais problemas que é a falta de participação das pessoas nas assembleias. Não é dúvida para ninguém que a tecnologia aproxima as pessoas e, se implementada da forma correta, fará com que a participação nas assembleias suba de uns 10 a 20%, que temos hoje, para, quem sabe, uns 70 a 80%, como já se percebe nos condomínios que utilizam essa ferramenta.

– Do Código Civil e da Convenção condominial

Ao analisarmos os Artigos 1.333 e 1.334 do referido Código, iremos perceber que esses dispositivos criam a Convenção de condomínio. Além disso, o Art. 1.334 esclarece qual é a abrangência e os limites da Convenção condominial, chegando a expor que esta determinará sobre a competência das Assembleias de condomínios, sua forma de convocação, e a exigência dos seus quóruns.

Art. 1.334. Além das cláusulas referidas no art. 1.332 e das que os interessados houverem por bem estipular, a convenção determinará:

I – a quota proporcional e o modo de pagamento das contribuições dos condôminos para atender às despesas ordinárias e extraordinárias do condomínio;

II – sua forma de administração;

III – a competência das assembleias, forma de sua convocação e quorum exigido para as deliberações;

IV – as sanções a que estão sujeitos os condôminos, ou possuidores;

V – o regimento interno.

Temos diversos outros artigos que tratam de assembleia na Convenção, mas esse é o que nos abre a possibilidade de dentro, da Convenção condominial, tratarmos sobre diversas regras, inclusive a regulamentação da assembleia virtual. Isto porque, não basta termos diversos projetos de leis, e até possivelmente em um futuro não muito distante, termos lei que permita as assembleias virtuais.

Não precisamos de leis para isso, precisamos tão somente de regulamentar como serão as regras para a implementação desse tipo de assembleia, é isso que nos falta.

Dizer que não precisamos de Lei que permita a assembleia virtual não é nenhum absurdo, tanto que já temos diversos condomínios que já utilizam o meio virtual para fazerem as suas assembleias, conseguem os registros das atas nos cartórios normalmente, sem nenhum tipo de insegurança jurídica.

Isso porque, em suas Convenções, está regulamentada a assembleia virtual de modo bastante claro e aprofundado, deixando claro, diversos itens, como:

– Forma de convocação da assembleia;

– Importância do cadastro atualizado;

– Forma de acessibilidade aos condôminos, principalmente idosos que não estão acostumados com a tecnologia;

– Possibilidade do comparecimento presencial, as chamadas assembleias híbridas;

– Tempo para votação;

– Software apropriado para essa demanda;

– Possibilidade de auditagem;

– Recursos e medidas a serem tomadas no caso de instabilidade do servidor ou até mesmo de problemas relacionados à internet, dentre diversas outras questões que precisam ser aclaradas observado as especificidades de cada condomínio.

Não seria nem recomendada essa regulamentação via lei, pois estamos falando de algo muito sensível, que se atualiza com o tempo, digo no caso das tecnologias, e, além disso, temos uma infinidade e os mais diversos tipos de condomínios, cada um com as suas próprias características. Temos condomínios, por exemplo, de 5 unidades e temos condomínios com mais de 3 mil unidades;

condomínios com rateio anual de R$ 10.000,00 (dez mil reais) e condomínios com rateio anual superior a R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais); condomínios com habitação de 20 pessoas e condomínios com habitação superior a 15.000  (quinze mil) pessoas. Ou seja, temos  condomínios cujos números de habitantes e rateio de despesas ordinárias e extraordinárias são superiores a centenas de cidades espalhadas pelo Brasil Isso nos leva a crer que, de modo algum, a recomendação de regulamentação via Lei seria a melhor, precisamos utilizar do poder da coletividade dos condôminos e elaborarmos ou alterarmos de forma apropriada e específica as regras de cada condomínio através da Convenção condominial, obedecendo às suas peculiaridades e características.

Do Projeto de Lei 548/2019 – Da senadora Soraya Thronicke

Ementa:

Acrescenta art. 1.353-A à Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, para permitir à assembleia de condomínios edilícios votação por meio eletrônico ou por outra forma de coleta individualizada do voto dos condôminos ausentes à reunião presencial, quando a lei exigir quórum especial para a deliberação da matéria.

Explicação da Ementa:

Permite que, quando o quorum especial exigido pela lei não for alcançado nas convocações presenciais das assembleias de condomínios, a correspondente deliberação possa ser tomada posteriormente, mediante votação eletrônica dos condôminos, em segmento virtual da reunião.

Situação atual:

Aprovado no Senado Federal e enviado para Câmara dos Deputados.
Ementa e Explicação da Ementa retirada do site do Senado Federal

Pergunta: Se esse projeto fosse aprovado hoje, resolveria o nosso problema para efeito do momento de pandemia que estamos vivendo?
Resposta: Não.

O objetivo principal desse PL é dar a possibilidade de uma colheita de voto das pessoas que não compareceram na assembleia presencial, de modo que aumente as chances de alterar ou fazer algo, do qual a Lei ou a Convenção Condominial estipulou um quórum qualificado.

Aqui o objetivo foi regulamentar a possibilidade de uma assembleia híbrida, ou seja, a soma do presencial com o não presencial. O PL não fala necessariamente que a assembleia vai ser virtual, fala da possibilidade da colheita de voto por meio eletrônico ou outra forma de coleta individualizada.

Se aprovado esse projeto, ele nos ajudará nos seguintes temas:

– Alteração da Convenção;

– Obras úteis;

– Obras voluptuárias;

– Alteração da destinação do imóvel, dentre outros assuntos cujo quórum seja qualificado.

Tendo em vista que esclarecemos durante o artigo que o condomínio necessita de alterar a Convenção para implementar a assembleia virtual, e sabemos da dificuldade da alteração exatamente por conta do quórum, se aprovado, esse projeto irá colaborar para que possamos chegar a esse objetivo.

– Do Projeto de Lei 1.179/2020 – Do senador Antonio Anastasia

Ementa:
Dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do Coronavírus (Covid-19).

Situação atual:
Aprovado no Senado Federal e enviado para Câmara dos Deputados.
Ementa e Explicação da Ementa retirada do site do Senado Federal

Diante do momento de pandemia do novo Coronavírus (Covid-19), resolve o Senado Federal elaborar um projeto para regular as relações jurídicas de Direito Privado, ou seja, aquelas ligadas também à área condominial.

Como sabemos, é costume que no primeiro trimestre de cada ano aconteçam as Assembleias Gerais Ordinárias (AGO), assembleias essas que normalmente tratam dos assuntos ligados à Previsão Orçamentária, Prestação de Contas e Eleição de Síndico (quando necessário).

Diante disso, o Senado Federal, atento a essa demanda e pelo fato de saber que as assembleias em condomínio, acabam por provocar aglomeração de pessoas, fez saber, após farta discussão, entre outros assuntos, o seguinte:

Texto aprovado no Senado Federal

Art. 11. Em caráter emergencial, até 30 de outubro de 2020, além dos poderes conferidos ao síndico pelo art. 1.348 do Código Civil, compete-lhe:

I – restringir a utilização das áreas comuns para evitar a contaminação do Coronavírus (Covid-19), respeitado o acesso à propriedade exclusiva dos condôminos;

II – restringir ou proibir a realização de reuniões, festividades, uso dos abrigos de veículos por terceiros, inclusive nas áreas de propriedade exclusiva dos condôminos, como medida provisoriamente necessária para evitar a propagação do Coronavírus (Covid-19), vedada qualquer restrição ao uso exclusivo pelos condôminos e pelo possuidor direto de cada unidade.

Parágrafo único. Não se aplicam as restrições e proibições contidas neste artigo para casos de atendimento médico, obras de natureza estrutural ou a realização de benfeitorias necessárias.

Art. 12. A assembleia condominial, inclusive para os fins dos arts. 1.349 e 1.350 do Código Civil, e a respectiva votação poderão ocorrer, em caráter emergencial, até 30 de outubro de 2020, por meios virtuais, caso em que a manifestação de vontade de cada condômino por esse meio será equiparada, para todos os efeitos jurídicos, à sua assinatura presencial.

Parágrafo único. Não sendo possível a realização de assembleia condominial na forma prevista no caput, os mandatos de síndico vencidos a partir de 20 de março de 2020 ficam prorrogados até 30 de outubro de 2020.

Art. 13. É obrigatória, sob pena de destituição do síndico, a prestação de contas regular de seus atos de administração.

Externa o Senado, através do presente PL, no artigo 12, que as assembleias convocadas até o dia 30 de outubro de 2020 poderão contar com votos por meio virtual. Diz ainda que o voto por meio virtual será equiparado à assinatura presencial.

Todavia, no Parágrafo Único do artigo 12, externa a possibilidade da não realização da assembleia se não houver possibilidade de fazer por meios virtuais, de modo que os mandatos de síndicos vencidos após 20 de março ficam prorrogados automaticamente para 30 de outubro de 2020.

Aborda também que a assembleia por meio virtual poderá ser utilizada para fins dos artigos 1.349 e 1.350 do Código Civil, conforme abaixo:

Código Civil

Art. 1.349. A assembleia, especialmente convocada para o fim estabelecido no § 2 o do artigo antecedente, poderá, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, destituir o síndico que praticar irregularidades, não prestar contas, ou não administrar convenientemente o condomínio.

Art. 1.350. Convocará o síndico, anualmente, reunião da assembleia dos condôminos, na forma prevista na convenção, a fim de aprovar o orçamento das despesas, as contribuições dos condôminos e a prestação de contas, e eventualmente eleger-lhe o substituto e alterar o regimento interno.

§ 1 o Se o síndico não convocar a assembleia, um quarto dos condôminos poderá fazê-lo.

§ 2 o Se a assembleia não se reunir, o juiz decidirá, a requerimento de qualquer condômino.

Ou seja, permite a assembleia, por meios virtuais, para os fins de destituição de síndico, eleição de síndico, previsão orçamentária, prestação de contas e até para alteração do Regulamento Interno.

Reforça também no artigo 13, que o síndico fica obrigado a prestar contas de forma regular, sob pena de poder ser destituído.

Atenção para a palavra regular, que submete a prestação de contas na forma da lei, ou seja, convocando assembleia, abrindo ampla discussão, submetendo à aprovação dos condôminos etc.

Diferente do artigo 12, que abre a brecha para a alegação de impossibilidade da convocação por meios virtuais, o artigo 13 vem na esteira de uma norma fechada sem caminhos para uma exceção.

Perceba que em nenhum momento o presente PL vem de fato regulamentar, digo do ponto de vista de dar condição segura, a possibilidade da assembleia virtual, mas de forma bastante rasa e simplória tão somente diz que a assembleia poderá ocorrer por meios virtuais e que o voto será equiparado à assinatura presencial. Isso não é suficiente, na verdade não precisamos de um PL ou futura Lei para liberar aquilo que a própria lei nunca proibiu, pois conforme externado acima, aquilo que não é proibido já é automaticamente permitido, bastando para viabilizar essa possibilidade que a Convenção condominial regule a matéria.

Considerações finais

No atual momento de pandemia da Covid-19, diante de todas as observações que foram feitas no tocante à falta de Regulamentação das assembleias virtuais em Convenção condominial, não aconselhamos a convocação de assembleias de eleição de síndico, previsão orçamentária, prestação de contas e outras de caráter não emergencial, visto a grande insegurança jurídica, a qual os condomínios estão submetidos. Além disso, é muito provável que essas assembleias que estão ocorrendo e ocorrerão durante esse período serão submetidas ao Poder Judiciário no futuro, ou no mínimo, deverão ser ratificadas em assembleias posteriores.

Nesse momento, diante dos casos não emergenciais, na eventualidade da aprovação do PL 1.179/2020, é muito mais cômodo ao síndico optar por ir na linha do parágrafo único, do artigo 12, e manifestar que não é possível a implementação da assembleias por meios virtuais, e é lógico, justificar na questão da insegurança jurídica e de outros argumentos, tais como, falta de cadastro atualizado, impossibilidade de acessibilidade dentre outros, de acordo com cada realidade.

Agindo dessa forma, já lhe fica assegurada a prorrogação do mandato de síndico até a data de 30 de outubro de 2020.

Com aprovação ou não de PL, os síndicos não devem se preocupar com os mandatos que estão vencendo, pois basta entrar com uma Ação Judicial e solicitar a prorrogação do cargo, explicando a impossibilidade da convocação da assembleia presencial por conta do Coronavírus, já temos observado diversas decisões nesse sentido.

Diante de situações emergenciais, sabemos que a própria lei justifica a tomada de decisão pelo síndico, podendo este justificar/ratificar o seu ato em assembleia futura. Já no caso de uma emergência, na qual não seja possível ao síndico resolver o problema, por exemplo, no caso de ter de arrecadar dinheiro para determinada situação, aconselhamos que se faça a assembleia na forma virtual, porém, obedecendo a todas as diligências necessárias e ao princípio da boa-fé. Essa recomendação se aplica pura e simplesmente para esse período emergencial de transição, no qual estamos impedidos de fazer assembleias presenciais, independentemente se esse PL 1.179/2020 vai se tornar Lei ou não.

Passado esse período, independentemente de PL, nossa recomendação é que façamos a regulamentação das assembleias virtuais via Convenção de condomínio, de modo a poder valer com segurança jurídica. Importante ressaltar que esse procedimento deve ter o apoio e aceitação dos condôminos, precisa passar por testes até chegar o momento de utilização, de modo que todos se sintam confortáveis com a ferramenta.

Deixando claro que precisamos dar um passo mais acertado e efetivo no rumo de acompanhar as tecnologias, de modo que possamos implementar as assembleias virtuais nos condomínios, para que tenhamos a condição de ter uma maior participação. Cremos que quanto maior for a participação, melhor será a vida em condomínio.

Colaboraram na redação do parecer os advogados:

– Elias Natalio de Souza (OAB/SP. 191.870)

– Silas Natalio de Souza (OAB/SP. 278.621)

– Lucas Natalio de Souza (OAB/SP. 288.547)

– Ben Hurr Natalio de Souza (OAB/SP. 384.099)


Matéria complementar da edição – 256 – maio/2020 da Revista Direcional Condomínios

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Autores

  • Thiago Natalio de Souza

    Advogado sócio da Natalio de Souza Advogados, professor, articulista e palestrante, colunista de diversos jornais e revistas, consultor na área condominial. É diretor da Comissão de Direito Condominial da OAB SP- Vila Prudente, membro efetivo da Comissão Especial de Direito Condominial de São Paulo. Graduado pela Universidade São Judas Tadeu e pós-graduando em Direito Imobiliário, em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD).

  • Jornalismo Direcional

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