Nos meus 26 anos de trabalho na área condominial, entre consultoria, cursos, análise de contas, como pesquisadora e autora do livro Revolucionando o Condomínio, lançado em 1996, tive a oportunidade de vivenciar a evolução do mercado condominial e seus desafios para as mulheres. Contribuiu muito para essa visão a minha experiência prática como síndica em 1997, em um condomínio de duas torres, com 120 apartamentos, e subsíndica e conselheira durante muitos anos em um condomínio de 68 apartamentos, com uma única torre.
Nesse primeiro mandato, a grande maioria dos moradores desconhecia que eu já era autora de um livro e consultora. Lá eu fazia questão de ser simplesmente a síndica, Rosely. Pude sentir no dia a dia o preconceito dos condôminos, homens, que não faziam parte do conselho, que duvidavam da minha capacidade de realizar uma boa administração no condomínio, que até então fora administrado por homens. Ter a formação de administradora contribuiu muito para elaborar um planejamento e traçar diretrizes para colocar o condomínio em ordem de forma geral. Com o passar dos meses, realizei uma verdadeira revolução no condomínio. Com a redução das despesas, pude realizar várias manutenções, sem aumentar o valor da quota condominial. Somente depois de demonstrar os resultados, por meio de dados concretos, é que adquiri o respeito de todos, mesmo dos que eram mais céticos.
O primeiro curso que ministrei de Administração de Condomínios foi em 1998, no SENAC. Os alunos eram, em sua maioria, síndicos, aposentados, que exerciam a atividade há muitos anos e queriam melhorar o desempenho da gestão. As síndicas eram aproximadamente 20%, com idade média de 45 anos e poucos jovens que trabalhavam em administradoras de condomínios. Nessa época, as síndicas quase nunca expunham em sala de aula as dificuldades que enfrentavam. Em função de serem mulheres, preferiam os horários de intervalo e após as aulas. Algumas vezes reclamavam que era muito difícil administrar devido aos questionamentos constantes, principalmente de condôminos homens e ex-síndicos, sobre as ações que adotavam e criavam burburinhos no condomínio sobre a sua capacidade de realizar a gestão. Isso foi a principal razão para a busca da capacitação. Uma delas comentou que passou por uma situação bastante constrangedora no dia da eleição, em que teve que apresentar a procuração do marido na assembleia, não para demonstrar que ela também tinha parte da propriedade, mas para poder falar.
Em 1999, com a minha ida para a FMU, o curso ganhou mais destaque, com a possibilidade que a formação teria de propiciar a criação de uma nova carreira, a de síndico profissional. Devido a isso, mais mulheres de diferentes idades e formação acadêmica passaram a fazer parte do curso.
A carreira de síndica profissional tem encantado e trazido muita satisfação para muitas mulheres em todo o país, principalmente pelo seu dinamismo e flexibilidade nos horários de trabalho. Hoje, as minhas salas de aula são ocupadas em média por 54% de mulheres. O desenvolvimento do trabalho eficiente realizado por muitas síndicas, tanto orgânicas como profissionais, traz um diferencial muito importante, quando comparado com a administração dos homens, mesmo que bem-sucedidos, que é a minúcia e a humanização da gestão. Muitas chegam a ser líderes carismáticas e não impostas pela autoridade. Essa conquista é alcançada por meio da qualidade do trabalho desenvolvido, sendo que para adquirir o respeito de todos, são muito mais colocadas à prova do que os homens. Assim como ocorre nas empresas, é necessário ampliar o empoderamento das mulheres na administração de condomínios.
A Pesquisa da Global Gender Gap Report 2021, do Fórum Econômico Mundial (FEM), mostrou que a igualdade de gênero ficou ainda mais distante durante a pandemia de COVID-19 e que levará 135,6 anos para ser alcançada. Isso significa que a mulher enfrenta um enorme preconceito. Estudos indicam que, quando há o trabalho em grupo, é comum os homens serem creditados pelo sucesso, e as mulheres, pelo fracasso, e que só haverá o crédito direto à mulher quando a sua contribuição for individual ou sua competência for muito alta, sendo submetidas a padrões mais rígidos de avaliação.
Nos condomínios a situação não é diferente. Para que a síndica se sinta empoderada e tenha o respeito de todos, é preciso que tenha cada vez mais capacitação, conhecimento, domínio básico da área, para poder agir com tranquilidade e segurança em suas ações. Não é necessário ter o entendimento profundo de todas as áreas envolvidas, mas que saiba onde buscar as informações sempre que necessário, em função de a gestão de condomínio ser multidisciplinar. Ter uma assessoria de uma boa administradora, comprometida em cumprir todas as exigências legais e contar com um zelador ou gerente predial qualificado fará toda a diferença na gestão.
Além de todas as questões mencionadas acima, há agora a Lei nº 17.406, de 15 de setembro de 2021, que foi aprovada e aguarda regulamentação. Segundo a lei, os síndicos são obrigados a denunciar a violência doméstica e familiar em condomínios residenciais e comerciais, ocorrida dentro das áreas privativas ou em áreas comuns.
Os condomínios deverão comunicar à Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher da Polícia Civil ou ao órgão de segurança pública, quando houver. A preocupação da Lei é muito justa, uma vez que houve o aumento da violência relativa à mulher durante a pandemia. No entanto, não se pode colocar em risco
Matéria publicada na edição – 276 – mar/2022 da Revista Direcional Condomínios
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