Caso recente no centro de São Paulo comprova que irregularidades prediais contribuem para sinistros; sanar os problemas antes que evoluam e regularizar o condomínio é imperativo.
A síndica Fernanda Casco Silva contratou assessoria de prevenção de riscos para entender as necessidades do condomínio
No mês passado, a região da rua 25 de Março foi surpreendida por um incêndio de grandes proporções, que teve início em um prédio comercial de 10 andares, alastrou para outro menor, uma loja e uma igreja. Condenado à demolição, o edifício antigo onde tudo começou estava com o AVCB (Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros) vencido desde 2011. O documento atesta que uma construção está dentro das normas de prevenção e combate a incêndios e deve ser renovado a cada três anos pelos condomínios comerciais e a cada cinco pelos residenciais.
Diante do ocorrido, foi natural que moradores de um condomínio da zona leste, em fase de finalização do AVCB, externassem no grupo de WhatsApp maior interesse em medidas de proteção contra incêndio. Por isso, a síndica Fernanda Casco Silva está organizando uma palestra educativa, a ser ministrada por um bombeiro e um especialista em segurança. “Acredito que trará conhecimento e poderá até despertar nos condôminos a vontade de participarem da brigada de incêndio”.
No final de 2018 Fernanda foi eleita subsíndica do Villagio Felicita, condomínio na Vila Bertioga para onde se mudou dois anos antes. “Eu não tinha nenhuma experiência em sindicância, nem havia morado em prédio, mas queria contribuir com a gestão, entender as necessidades do condomínio. Contratei uma empresa especializada em prevenção de riscos para que fizesse um levantamento daquilo que estivesse fora das normas de segurança ou necessitando de manutenção”, conta a gestora, também advogada. “Uma das inadequações era o AVCB vencido”, complementa.
A edificação com duas torres, 15 andares e 180 unidades no total, construída há duas décadas, tinha alguns empecilhos para o processo de certificação. “Eu não desejava apenas o certificado, mas sim o prédio dentro das condições de tudo o que o AVCB engloba”, declara Fernanda que, após eleita síndica em 2020, deu início às adequações necessárias para deixar o condomínio seguro.
A nova central de alarme e o disparador no hall de todos os andares estão entre as aquisições do Villagio Felicita
Condição irregular
Entre as inadequações encontradas, ela relata que o sistema de pressurização das escadas de emergência não funcionava; a área do barrilete era usada como depósito e a central de alarme de incêndio estava instalada em um quartinho fechado e distante. “Se acendessem as luzes da central durante um sinistro, quem iria ver? Qual o nexo disso?”, questiona a síndica.
Outra questão envolvia o sistema de iluminação de emergência da escadaria de incêndio que deixara de funcionar por causa de fios elétricos rompidos, e fora substituído por luminárias de emergência, as quais passaram a ser furtadas. “Descobrimos também o furto de peças da mangueira e do hidrante em oito andares sequenciais. Fizemos a reposição e, novamente, houve furto, desta vez em quatro andares, do mesmo bloco. Quem comete vandalismo não entende que pode sair prejudicado caso haja um incêndio no condomínio”.
Contudo, o que mais surpreendeu Fernanda foi a ausência de RTI (Reserva Técnica de Incêndio) na caixa d’água. “Só aí fiquei sabendo que gestões anteriores disponibilizaram essa reserva para consumo geral durante a crise hídrica de 2014 e não mais reverteram à destinação original. Se eu não tivesse contratado uma empresa de vistoria confiável, talvez nem descobrisse que o condomínio não dispunha de um volume de água destinado ao combate a incêndio”, pondera.
Plano de ação
Fernanda precisou agir sem onerar os condôminos, que ainda estavam pagando o rateio de obras de fachada. Negociou com a empresa de mão de obra terceirizada para reduzir o número de colaboradores durante um semestre, e canalizou a verba para as adequações. Assim foram sanados problemas como a central de alarme. No hall dos andares, o detector de fumaça ganhou a companhia do acionador de alarme. Houve, ainda, troca de mangueiras furadas, regulagem de portas corta-fogo e colocação de placas de sinalização. Sobre a iluminação das escadas, com a substituição da fiação elétrica danificada, foi possível retomar o sistema de luzes de emergência, agora intensificado pela potência do LED.
O Villagio Felicita está pronto para passar pela vistoria do Corpo de Bombeiros, mas os cuidados para se preservar as benfeitorias continuam. Todos os dias, o novo zelador faz a ronda para verificar se os extintores, mangueiras e hidrantes permanecem íntegros, bem como se as rotas de fuga continuam livres.
Numa das incursões, o zelador flagrou uma moradora nova que havia calçado a porta corta-fogo com o extintor enquanto ela transportava móveis pela escada. “Nós entregamos um kit de boas-vindas aos novos moradores com as regras do condomínio e, agora, vamos incluir informação sobre a importância de se manter essa porta fechada. A campanha de conscientização tem de ser constante”, reconhece.
Para-Raios e Rede Elétrica
A síndica profissional Quitéria Marques está em movimento para deixar mais segura a construção de 40 anos
No Maison Aubagne, na Vila Dusi, em São Bernardo do Campo, a síndica profissional e moradora Quitéria Marques, gestora do condomínio desde 2018, empenha-se em tornar mais segura a edificação de 40 anos e, assim, poder concluir todas as exigências para renovação do AVCB. Estão em andamento reparos no sistema de para-raios para adequá-lo conforme a NBR 5419/2015 da ABNT, e uma reforma na rede elétrica.
No empreendimento de duas torres e 42 unidades cada foram, ainda, encontradas outras inadequações durante vistoria do Corpo de Bombeiros, mas quase todas já reparadas. “Estamos terminando a reforma dos corrimãos das escadas de emergência para torná-los contínuos e vamos instalar corrimãos na rampa da entrada de pedestre”, diz a síndica.
Quitéria menciona que a sinalização de emergência foi refeita. “Antes havia plaquinhas pequenas, agora o condomínio tem placas maiores, de sinalização fotoluminescente, conforme instrução técnica”, orgulha-se. Cita, também, a instalação de um nobreak na portaria para acionamento dos portões se acontecer interrupção de energia, e a aquisição do kit de latão para o hidrante de recalque, localizado na calçada, sob tampa de ferro. O conjunto anterior estava incompleto, o que representava um risco, afinal a função desse objeto é acoplar a mangueira do caminhão-pipa dos bombeiros caso falte água no reservatório do condomínio durante combate a um incêndio.
Em uma visita mais antiga do bombeiro, a síndica lembra de uma constatação bem importante. “Na época, no final da escada de emergência havia a porta corta-fogo e a de um quartinho. Ele explicou que em caso de incêndio, as pessoas, em pânico, poderiam confundir as portas. Por isso, teríamos de fechar o vão da outra porta com alvenaria e pintar da mesma cor da parede. Nem desconfiávamos que havia esse perigo no prédio”, observa Quitéria.
No hidrante de recalque, faltava uma peça em latão (apoiada na tampa da caixa) que impossibilitaria acoplar a mangueira do caminhão-pipa do Corpo de Bombeiros
Exigências têm de ser levadas a sério
Carlos Alberto dos Santos, consultor de riscos da área condominial, esclarece que o AVCB certifica a edificação com base nas condições do imóvel no ato da vistoria, mas que só isso não basta para a segurança. As exigências têm de ser levadas a sério, sempre, porque existe um propósito nelas, que é a prevenção e controle de incêndio. “Não adianta obter a aprovação na vistoria, mas depois que o bombeiro for embora, voltar com as lixeiras para a escada de emergência. Essa rota de fuga tem de estar livre, iluminada e segura para o caso de ocorrer um sinistro”, esclarece. “O bombeiro tem experiência. Se ele encontrar as escadas vazias, mas sentir o cheiro do lixo, poderá aprovar o AVCB, e voltar de surpresa alguns dias depois para dar o flagrante, caçar o documento e aplicar multa ao condomínio. Já vi isso acontecer”, comenta.
Condomínio negligenciado é sinônimo de riscos. Se por acaso, em uma vistoria feita por amostragem, algum equipamento irregular escapar de ser selecionado para verificação, e o condomínio for aprovado, isso está longe de ser motivo de comemoração. Não adianta gestores enganarem a si mesmos; sistema de alarme de incêndio, mangueiras, extintores, hidrantes, tudo tem de funcionar perfeitamente, com testagem e manutenção periódicas, antes e após o AVCB. “O que salva vidas não é o AVCB, são os equipamentos nas condições exigidas para a certificação”, enfatiza Carlos.
Matéria publicada na edição – 281 – ago/2022 da Revista Direcional Condomínios
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