Planejar as adequações necessárias para solicitar a emissão do AVCB engloba focar nas vulnerabilidades e atender normas técnicas. O documento é uma conquista, mas a atenção à segurança deve persistir; palestras ajudam a engajar condôminos.
Você certamente já viu colegas síndicos postando imagens do AVCB (Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros) nas redes sociais, orgulhosos da conquista. E está tudo bem. Se as vulnerabilidades foram resolvidas, se os quesitos atendem às normas técnicas, natural que se comemore. Mas segurança vai além do sonhado documento. Equipamentos e instalações pedem vigilância e manutenção constantes. “Se nas semanas seguintes à vistoria, alguém roubar as mangueiras, e o lugar pegar fogo, o bombeiro não terá nada a ver com isso. A responsabilidade será do síndico que não administrou o condomínio durante a vigência do AVCB”, alerta Carlos Alberto dos Santos, consultor de riscos na área condominial.
A síndica profissional Sirlene Lima tem essa preocupação. Tanto que no Edifício Maria Carolina, no qual também é moradora, ela não descuida da verificação dos equipamentos. “Estamos em movimento para tirarmos o AVCB. Do que já regularizamos, tenho planilhas para manutenção e checagens, caso dos extintores, cuja pressão é verificada no prédio uma vez ao mês”, conta. O cuidado se estende à calçada, afinal é preciso conferir se o hidrante de recalque continua completo ou se alguma peça de metal foi furtada – o que já aconteceu. Nesse caso, é urgente fazer a reposição, senão não há como acoplar a mangueira do caminhão-pipa dos bombeiros.
Com uma torre de dez andares e 20 unidades, o edifício, localizado no Jabaquara, data de 1983. Sirlene chegou ao condomínio pouco antes de ser eleita síndica, primeiro em mandato tampão, depois de maneira assemblear. Com dois meses de gestão, levou um enorme susto. “Eu estava na janela quando um raio caiu na quadra, ricocheteou e atingiu a árvore do parque vizinho, que pegou fogo”. Intrigada, foi com a empresa especializada verificar o sistema de para-raios e o encontrou incompleto, só com o mastro e alguns parafusos – vestígios de que já houvera captores (hastes metálicas) – e uma luz-piloto queimada.
O episódio a alertou para saber como estava a segurança do edifício. Leitora voraz sobre condomínios e, à época, docente de um curso de sindicatura profissional, ela logo se conscientizou que muitos outros itens se encontravam em desacordo com as normas de segurança. “O síndico tem de estudar, buscar conhecimento. Na questão que envolve o AVCB, tem de se perguntar: O que está faltando? Estou segura? Os meus vizinhos estão seguros? É preciso honrar o voto de confiança dos moradores, trazer o melhor para eles. Tudo isso, claro, envolve dinheiro, mas precisa ser feito”.
Sirlene descobriu que em 2018 o condomínio havia dado um passo em direção ao AVCB, mas recuara alegando não ter recursos para resolver tantas inadequações. “Questionei se os moradores não tinham medo de um incêndio e ouvi: ‘Aqui é guardado por Deus’. Respondi que, fé a parte, era imprescindível investirmos em segurança”.
Uma das primeiras providências foi contratar um engenheiro para vistoria técnica, o qual também se reuniu com os moradores numa tarde de sábado para uma palestra sobre o papel do para-raios no resguardo do condomínio. “Foi um encontro bastante esclarecedor para todos, isso ajudou na hora de fazer o rateio e corrigirmos o problema”, recorda.
Carlos Alberto dos Santos: propósito nas exigências para o AVCB
Ações educativas do gênero são muito importantes porque a grande maioria dos condôminos não tem noção do que é composta e como funciona a segurança de uma edificação, conforme o consultor Carlos Alberto. “Quando toca o alarme de incêndio, tem morador que interfona na portaria para perguntar o que está acontecendo. Trata-se de um alerta de emergência! É para sair, não para interfonar”, adverte o especialista.
Carlos Alberto orienta os síndicos para conscientizarem os condôminos com informações, e reforça que as palestras são um bom caminho. “Infelizmente, sempre temos notícias de incêndios, então use um desses acontecimentos divulgados na mídia para introduzir o assunto na coletividade. Procure mostrar onde houve falhas e o que pode ser feito para evitá-las. Não espere até acontecer algo assim no próprio condomínio.
Ele reforça que as exigências para a concessão do AVCB têm propósito, mas isso também os moradores desconhecem. “As exigências normativas vão se modificando a medida em que vão acontecendo as catástrofes. A necessidade do corrimão contínuo na escada de emergência, por exemplo, veio depois do incêndio do Edifício Andraus, na década de 1970; outras vieram após a tragédia da Boate Kiss, dez anos atrás”, ilustra.
Wolfram Werther: palestra com bombeiro para funcionárias do lar
O síndico profissional Wolfram Werther também vê resultados positivos em palestras nos condomínios e recorda-se que, anos atrás, se valeu do método na época de renovação do AVCB no condomínio Cristall Parque da Aclimação, um residencial de alto padrão, com duas torres e 82 unidades, do qual era síndico na ocasião. As lixeiras, uma para lixo orgânico, outra para reciclável, ficavam dispostas nos halls dos andares, trazendo comodidade, porém obstruindo a rota de fuga em caso de eventual sinistro, o que seria devidamente anotado na vistoria dos bombeiros.
A fim de desobstruir o local sem causar uma celeuma entre os moradores, o síndico apostou nas funcionárias do lar como agentes da mudança, visto que todas as unidades tinham empregadas. “Solicitei autorização aos empregadores para que as liberassem um pouco mais cedo e as convidei para participarem de um evento em um dos salões”, conta Wolfram. Na ocasião, o condomínio providenciou um lanche composto de sanduíche de metro, docinhos, sucos e refrigerante, além de brindes cosméticos de duas marcas conhecidas em agradecimento pela participação das empregadas, mais o sorteio de uma cesta de comes e bebes e outras de produtos cosméticos.
Durante o lanche, o síndico explicou sobre a nova rotina no recolhimento do lixo, disse que haveria coleta nas unidades de manhã e à tarde, e que se necessário, poderiam utilizar as lixeiras das garagens. Em seguida, um oficial do Corpo de Bombeiros explicou sobre o risco de obstruções em rotas de fuga, mas também discorreu sobre a segurança das moças na saída de casa para o trabalho e no transporte coletivo. “Foi um sucesso, a partir daí o condomínio passou a ter um whorkshop anual das empregadas. Quanto à dinâmica do lixo, deu certo começar a mudança por elas e com a palavra do bombeiro, sem brechas para algum condômino pensar que fosse algo imposto pelo síndico”, esclarece Wolfram.
A síndica profissional Sirlene Lima está adequando o condomínio conforme normas de segurança
Já no condomínio da síndica Sirlene, no Jabaquara, a lixeira não foi um problema, mas haviam outros impeditivos para a aprovação do AVCB. Até o momento, muito já foi feito, como adequação do sistema de para-raios, reposição de oito extintores que estavam faltando, conserto de vazamento d’água no barrilete (antes, amparado por baldes), substituição da bomba de incêndio, testagem das mangueiras, regulagem e pintura das portas corta-fogo. “Em algumas portas faltavam maçaneta, tinha uma cordinha no lugar. Em outras, havia uma borracha para não baterem. Nada a ver com sua função original”.
A gestora comenta que não havia uma única placa de sinalização no condomínio, problema já solucionado também. Dos extintores que iam para recarga, aqueles que voltavam vazios por apresentarem defeito não eram substituídos. “Ainda falta trocarmos a central de alarme, porque a atual dispara sem necessidade”, diz. “Até agora já gastamos R$ 100 mil nas atualizações necessárias para o AVCB, mas isto porque o condomínio não cuidou das manutenções, senão o valor teria sido menor”, avalia.
Na fase atual, o condomínio conta com uma assessoria especializada em AVCB para cuidar dos trâmites legais e Sirlene crê não faltar muito para a etapa da vistoria. “Quando obtivermos o certificado será como receber um diploma, uma grande alegria. Mas é preciso ter paciência, fazer as coisas com orientação técnica e não descuidar das manutenções, senão vai tudo por água abaixo de novo”, finaliza.
Matéria publicada na edição 291 jul/2023 da Revista Direcional Condomínios
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