Setembro Amarelo é o nome da campanha de prevenção ao suicídio, e os síndicos podem ajudar no processo de conscientização promovendo palestras, por exemplo. É interessante, ainda, que gestores invistam em psicoeducação para lidar melhor com síndromes, surtos e transtornos no condomínio.
Um jovem médico abre os olhos, se vê num leito hospitalar, fita a estranha a sua frente e diz: ‘Não era para eu estar aqui”. Ela responde: “Eu entendo que agora você esteja frustrado e me odiando, mas um dia vai me agradecer”. O diálogo ocorreu há três anos entre o morador de um condomínio na zona sul e a síndica profissional Juliana Moreira. Tendo abandonado o tratamento contra depressão, ele tentou se matar. Antes, despediu-se dos entes queridos, no interior da Bahia, por rede social. Juliana ficou sabendo da ideação suicida, arrombou a porta da unidade, o colocou no carro, levou ao hospital e permaneceu do seu lado por dois dias até que a família conseguisse chegar em São Paulo.
Não existe mais como suicídio ser visto como tabu. Segundo estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS), 700.000 pessoas morrem desta forma a cada ano, sendo a quarta maior causa de mortes de jovens de 15 a 29 anos de idade – o que, vale salientar, segmenta uma faixa etária, mas não exclui as demais. Estamos no nono mês do ano, na campanha Setembro Amarelo, criada para conscientizar sobre a prevenção ao suicídio no mundo todo. Informação é o caminho para entrar nessa luta e os condomínios podem ajudar a romper estigmas. O site www.setembroamarelo.com disponibiliza vasto material e cartazes para quem se dispuser em comprometer-se com a causa.
Juliana organiza palestras sobre saúde mental nos meses de setembro em seus vários condomínios, e ela própria procura ter uma escuta atenta e sem julgamento seja com moradores ou colaboradores das edificações. Conta que o jovem condômino de seu relato havia premeditado o ato e escolhido o 10 de setembro, Dia Mundial de Prevenção do Suicídio, para isso. Sua intenção não se concretizou pela agilidade no socorro. “No hospital, me disseram que se levássemos mais meia hora para socorrê-lo, ele teria morrido. Sei que nós, síndicos, não devemos arrombar portas, porém tive anuência do conselho e agi assim para salvar uma vida”, esclarece. Só para concluir, sua previsão estava certa: o médico residente e família até hoje não poupam agradecimentos à gestora.
Em dezembro passado, outra experiência marcou Juliana: foi avisada na manhã do dia 31 que uma moradora tentava se atirar do jardim suspenso de um edifício. A situação foi controlada e na sequência a síndica ajudou com que a moça obtivesse suporte psiquiátrico. Filha de psicóloga, Juliana relata que foi preparada para lidar emocionalmente com essas situações pois, ainda menina, atendia telefonemas em casa de pacientes dizendo que iriam se matar. Mesmo assim, foi penoso administrar a morte de um rapaz de 26 anos, que se atirou da sacada de outro de seus condomínios. “Que episódio triste! Ele era tão jovem, lembrava muito meu filho”, recorda.
Condôminos em crise
No ramo há 27 anos, Juliana corrobora o que muitos colegas já observaram no segmento: a qualidade da saúde mental está pior nos condomínios desde a crise sanitária. “Muita gente adoeceu na pandemia e não procurou terapia. Nós, síndicos, aguentamos a consequência e temos de estar com o nosso emocional em dia para dar conta da situação”, avalia. Ela vê como prerrogativa de seu trabalho não só cuidar de construções, mas, principalmente, de pessoas. Para entrosamento e bem-estar, gosta de promover eventos. “Adoro organizar karaokê porque os moradores se soltam, dão risada, relaxam. Eles criam laços e, se um dia bate um sentimento ruim, podem conversar com o vizinho ao lado e, quem sabe, dispersar a angústia”.
O psicólogo Nelson Raspes acha interessante que o síndico invista em palestras sobre transtornos mentais, mas já adianta que a adesão possa ser pequena, por isso recomenda não se restringir a somente um mês do calendário para abordar o assunto, mas sim programar o evento a cada trimestre, por exemplo. Cria-se, assim, mais oportunidades de dirimir o preconceito. “Tem quem acha que psicólogo é para louco, que depressão e ansiedade são frescuras, que doença mental não existe, então, talvez sejam poucas pessoas que irão participar desse evento, mesmo assim já é de grande importância”, comenta.
O especialista indica aos síndicos fazerem psicoeducação (com psicólogo) para adquirem mais conhecimento de problemas que afetam a mente e o comportamento humano e, consequentemente, enfrentarem com mais desenvoltura situações que assolam os condomínios. Quanto às abordagens com condôminos ‘destemperados’, adverte: “Se a pessoa vem com agressão, você não pode entrar na sintonia agressiva dela. Isso é trabalhar a comunicação não violenta”.
Síndico não é babá de morador, sentencia o advogado condominialista Rodrigo Matias, mas afirma que é interessante o gestor possuir certo grau de conhecimento sobre surtos, manias e transtornos para o “gerenciamento de crises, pois o inusitado acontece em condomínios”. Conta que em um condomínio de sua carteira de clientes, na Vila Olímpia, zona sul, um casal havia deixado a porta do apartamento destrancada e foi surpreendido no meio da madrugada por um oriental nu, parado diante da cama. “Esse rapaz estava há pouco no Brasil, vivendo no apartamento de conterrâneos, que comprovaram que, à noite, ele tomava uma forte medicação psiquiátrica. Não sabemos ao certo o que estava por trás daquela conduta, mas ele não fez nada, ficou estático.
No dia seguinte, se desculpou por meio de intérprete e, muito envergonhado, mudou-se semanas depois”, diz Rodrigo.
Já em outro condomínio, na região central, o zelador muito querido por todos, foi traído pela esposa. Ela voltou para o nordeste, indo viver com outro homem. Ele foi atrás, arrumou confusão e acabou detido por dois anos. Os condôminos, condoídos, ajudaram contratando advogado e, após a soltura, o receberam de braços abertos. Só que o zelador estava diferente, muito rebelde. Quando a síndica o chamou para conversar, tentou agredi-la e aos demais funcionários, e perdeu o cargo. Aí, vieram as surpresas: “Mesmo com a casa do zelador, ele havia montado uma ‘alcova’ num minúsculo depósito e ficava lá. Havia colchão, revista pornográfica e cerca de 20 galões plásticos de cinco litros cheios de urina”, relata Rodrigo, destacando que esse caso ilustra que é preciso estar atento também à saúde mental dos funcionários.
O advogado afirma que nem sempre questões envolvendo desordem emocional e psíquica são de ordem jurídica, sendo que o diálogo com o morador ou familiar vem em primeiro lugar, e que a multa, em determinados casos, é uma ferramenta ao dispor do síndico. Mas às vezes, é preciso mesmo acionar o Judiciário. “Anos atrás, me deparei com uma condômina, na região da Vila Prudente, que mantinha 35 gatos dentro do apartamento. Foi preciso intervenção judicial e da Vigilância Sanitária porque os vizinhos não conseguiam mais conviver com o forte odor”, diz Rodrigo, lembrando que na capital o limite de animais por apartamento é de até 10 pets de acordo com o artigo 18 da Lei Municipal 13.131/2001.
Casos de Transtorno de Acumulação (animais ou objetos) são comuns e podem colocar outras pessoas em risco por conta de contaminação ou infestação de pragas e roedores, menciona o psiquiatra Eduardo Perin. O tratamento é medicamentoso e psicoterápico, “mas o principal é a terapia porque envolve mudança de comportamento”, diz o especialista. Esquizofrenia e bipolaridade também podem causar transtornos no condomínio. O psiquiatra orienta que, caso note algo diferente no comportamento da pessoa, o gestor tente falar com algum familiar. Entretanto, se o morador estiver fazendo algo que coloque sua vida em risco ou a de outra pessoa, é necessário chamar uma ambulância e/ou a polícia “por terem mais preparo para lidar com algumas situações”.
Matéria publicada na edição 293 set/2023 da Revista Direcional Condomínios
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