Educação e conscientização no ambiente do condomínio

O barulho tem sido uma das grandes causas de conflitos em condomínio e um dos que mais demandam da interlocução e ação do síndico. Mas é um tema bem didático para se abordar a necessidade da educação e conscientização no ambiente do condomínio em torno do respeito às normas, do usufruto dos direitos e cumprimento dos deveres.

Em primeiro lugar, é preciso ir aos fatos e aos fundamentos científicos. A medicina e a legislação já consagraram os limites toleráveis ao homem para o barulho, e mais que isso, que resultam em danos à saúde, sossego e segurança dos moradores da vizinhança:

– Pela Organização Mundial da Saúde (OMS), é de 70 db (decibéis);

– Conforme a ABNT/NBR 10151/2, referência da Associação Brasileira de Normas Técnicas para  Acústica e Conforto, ele deve ficar entre 40 e 60 db, dependendo do tipo de área, vocação e período (se noturno ou diurno);

– A Resolução CONAMA 1/90 (do Conselho Nacional de Meio Ambiente) segue a ABNT NBR 10.151;

– Por fim, no município de São Paulo vigora o PSIU, programa que prescreve o limite entre 45 e 60 db aceitáveis, dependendo do zoneamento (se residencial, misto ou industrial, diurno ou noturno). Os parâmetros estão expostos na tabela a seguir.

Tabela – Limites aceitáveis de ruído para o município de São Paulo (PSIU)

Saindo destes parâmetros legais e técnicos, o resto é respeito, educação e conscientização, necessários para que todos, condôminos e/ou cidadãos, aprendam a conviver com os limites de seus direitos e o respeito aos deveres.

Destacam-se dois conceitos pedagógicos para essa ação educativa:

1 – “SOM é qualquer variação de pressão (no ar, na água…) que o ouvido humano possa captar, enquanto RUÍDO é o som ou conjunto de sons indesejáveis, desagradáveis, perturbadores. O critério de distinção é o agente perturbador, que pode ser variável, envolvendo o fator psicológico de tolerância de cada indivíduo.” (Por Celso Antonio Pacheco Fiorilo);

2 – “O ouvido é o único órgão dos sentidos que jamais descansa, sequer durante o sono. Com isso, os ruídos urbanos e os vicinais são motivo a que, durante o sono, o cérebro não descanse como as leis da natureza exigem. Por isso, o problema dos ruídos excessivos não é apenas de gostar ou não; é, nos dias que correm, uma questão de saúde, a que o Direito não pode ficar indiferente.” (Por Alcino Pinto Falcão / Waldir de Arruda Miranda Carneiro).

Ou seja, o barulho gera prejuízos para a saúde, sossego e segurança, sobre os quais seguem definições também importantes:

  1. SAÚDE: Perturbações da saúde mental, diminuição da capacidade laboral, fadiga, descontrole das funções hormonais, elevação do ritmo cardíaco – hipertensão, distúrbios digestivos, surdez, falta de concentração, dores de cabeça, estresse e alterações genéticas;
  2. SOSSEGO – Criação de cultura: Um direito do cidadão; direito ao ambiente propício para trabalhar, morar, ter lazer e para o descanso essencial à vida;
  3. SEGURANÇA: Esgotamento nervoso, o estresse e a irritação debilitam e fragilizam as pessoas, fazem diminuir paulatinamente a tolerância, implicando riscos à comunidade. Patologias emocionais agravam a violência. A falta de repouso de uma pessoa pode diminuir seus reflexos e sujeitar o indivíduo a um acidente de trabalho ou automobilístico.

Alguns dramas sonoros são comumente vividos no condomínio:

  1. Música em alto volume e instrumentos musicais (em festas e fora delas);
  2. Brincadeiras de crianças (bola, piscina, pingue-pongue);
  3. Risadas estridentes, brigas ou discussões;
  4. Obras e transportes de materiais de construção (britadeira, serra, esmeril, ceras circulares/maquitas), waps, cortador de grama etc.);
  5. Algazarras ou festas;
  6. Mudanças;
  7. Animais;
  8. Eventos religiosos nas unidades autônomas (cantorias atabaques);
  9. Geradores de energia, aspiradores e exaustores de cozinha;
  10. Liquidificadores, espremedores e centrífugas;
  11. Academia (esteiras e TV);
  12. Amores e alegrias.

Já nas cidades registram-se outros tantos dramas sonoros, como:

  1. Automóveis – ônibus – carros – motos;
  2. Algazarra – vozerio – festas e baladas em áreas privadas ou públicas;
  3. Latidos de cães e instrumentos musicais;
  4. Bips e celulares diversos;
  5. Bares, restaurantes e ocupação nas ruas lindeiras;
  6. Eletrodomésticos (liquidificadores e telefones);
  7. Carga, descarga e comportamento na disposição de materiais;
  8. Equipamentos da indústria da construção imobiliária;
  9. Carga e descarga de materiais e produtos;
  10. Portões elétricos para automóveis e pedestres.

De outro modo, falar baixo aproxima as pessoas. Olhar-se nos olhos e ler as linguagens corporais não emite som e comunica muito. Estas são as receitas de fundo para o trabalho no condomínio e/ou na coletividade.

Disposto com os argumentos acima, o síndico terá condições de iniciar esse processo de educação e conscientização em torno do barulho, por exemplo.

A importância do bom comportamento

Ademais, o gestor poderá ampliar sua ação e tratar da importância do bom comportamento para as relações de vizinhança no ambiente coletivo. Quase tudo na vida e no condomínio concede direitos, e o que deve ser educado é a forma de exercê-los, considerando o outro que vive sob suas interferências, em vez de se abusar do direito que se confere a cada morador, a cada cidadão. Por exemplo, voltemos ao ruído e destaquemos que ‘falar e conversar’ é lícito e permitido, enquanto ‘gritar’ não o é.

Alguns indivíduos precisam aprender a dominar a qualidade do seu impulso no extravasar das raivas, alegrias ou até mesmo um transtorno da personalidade antissocial (TPA). Esta é uma doença, uma síndrome classificada no CID como “10f60.2”, além da “a9301,7, que não é percebida com a importância que ela tem no convívio social. Todos na cidade padecemos em algum grau nesta patologia.

O que importa é apenas aprender a ser vizinho, identificando as normas sociais e os combinados de convivência em cada contexto de vizinhança que não estejam sendo seguidos.

Os chamados ‘Condemônios’ ou condôminos antissociais carregam, em algum grau, características individuais e coletivas desse transtorno. A sociedade inteira tem traços disso. A educação é um tratamento para que a coletividade consiga lidar com essas situações. Educar potencializa o balancear ou o equilibrar da relação entre o ‘eu’ e o ‘nós’. O individualismo não é bom, a sociedade caminha cada vez mais para esse tipo de coisa. E no Brasil, onde o jeitinho ainda impera, os síndicos têm desafios importantes para enfrentar. Indispensável aí é buscar o diálogo, pois o que falta é a tentativa de conversar, as pessoas não sabem mais conversar, ficam só defendendo suas certezas ou seus achismos, e não estão aptas a criar uma situação boa para todas.

No limite, se a pacificação não estiver sendo possível em um determinado contexto, o condomínio deverá optar pelo recurso da mediação, indicada para quando há dificuldade para o diálogo. O mediador entra quando não tem diálogo ou as pessoas não estão sensibilizadas, com competências básicas para conversar. Ele deve ser capacitado e, assim, dispor de metodologia própria para enfrentar este desafio. Isso muda completamente o contexto e tem funcionado nos espaços de mediação existentes em São Paulo, como o Cejusc e tantos outros.

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Autores

  • Michel Rosenthal Wagner

    Advogado graduado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (1983) e mestre pela Pontifícia Universidade Católica de SP (2014). Especialista em Direito Imobiliário, Contratos, Direito Educacional e Arbitragem. Preside as Comissões de Direito Imobiliário e de Direito de Vizinhança e Urbanístico da OAB/SP – Seccional Pinheiros. É membro da Comissão Especial de Estudos sobre Educação e Prevenção de Drogas e afins da OAB/SP, prestador de serviços jurídicos de atendimento a famílias e dependentes no CRATOD (Centro de Referência de Álcool, Tabaco e afins), além da Casa de Passagem (Programas do governo do Estado de São Paulo). Autor da obra “Situações de Vizinhança no Condomínio Edilício, desenvolvimento sustentável das cidades, mediação e paz social” (Editora Millennium, 2015). Consultor sócio-ambiental em Vizinhança urbana, professor, palestrante e escritor. Mediador de diálogos em conflitos coletivos urbanos.

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