“Sou uma síndica leoa, luto pelo meu condomínio”
Eliane Rasquel, 53 anos, um AVC e muitas vitórias.
“Em outubro, a Nala, minha filha de quatro patas, fez cinco anos, o que é muito significativo porque ela quase nos deixou. Nala ingeriu petiscos contaminados, daqueles que levaram vários cães a óbito em setembro de 2022. O tratamento que a salvou custou R$ 60 mil; meu esposo e eu iríamos pagar tudo, claro, mas com muito esforço, porém recebemos ajuda para compor o valor. Sem que soubéssemos, os condôminos do Collina Parque dos Príncipes, zona oeste, onde sou moradora e síndica, organizaram uma vaquinha. Essa iniciativa me emocionou tanto, até porque uma das minhas ações, desde que assumi a gestão, foi estimular a todos em prol de um Collina mais humano e acolhedor.
Além do Collina, nos últimos tempos faço a gestão de dois edifícios pequenos, e aos finais de semana, a de um condomínio popular – deste, sem cobrar nada. Mas as grandes demandas advêm do Collina, condomínio-clube, com seis torres, 448 unidades, e gigantesca área de convívio e lazer. Ali aprendi a negociar os melhores contratos, a cobrar qualidade nos serviços executados, e a batalhar pela aprovação de obras para evitar desvalorização. Sou uma síndica leoa, luto pelo meu condomínio.
Sempre fui intensa e obstinada, venho de uma família simples e sei o valor do dinheiro. A minha mãe revendia produtos por catálogos (Avon e De Millus) e dedicava seus momentos livres às ações sociais em Pirituba, onde morávamos. O meu pai não cursou o ensino médio, mas era inteligente e trabalhava na contabilidade do Carnê do Baú. Ele permaneceu 38 anos no Grupo Silvio Santos e ajudou a criar a Tele Sena.
Quando eu tinha 12 anos, o meu pai reuniu a família e disse: ‘Hoje eu recebi uma proposta para ganhar um milhão e recusei porque teria de fazer algo ilícito em troca. Mas estou em paz! Nunca peguem o que não for de vocês. E o que for de vocês, se possível repartam com outros’. Meus três irmãos e eu construímos nossos caminhos guiados pela honradez. Todos estudamos em escola pública, cursamos faculdade e seguimos em frente. Sou Pedagoga e Psicopedagoga de formação, mas fiz tantas coisas.
Comecei a trabalhar aos 19 anos, após ser aprovada em concurso público para um cargo administrativo no Pinel. Sofri demais vendo a situação dos internos no manicômio, sem que eu pudesse fazer nada para amenizar aquela realidade. Para não adoecer, pedi para sair. Em paralelo à faculdade, eu fazia um curso de secretária e ingressei nessa função em uma fabricante de móveis plásticos. A chefia notou minha habilidade com os computadores e me transferiu para a área de tecnologia. Trabalhei neste setor na FEPASA, meu emprego seguinte.
Em meados de 1990, me tornei professora na escola de computação Data Center. A escola fechou e consegui trabalho no Grupo Imarés, atuando com suporte tecnológico. Ali conheci o Luiz Fernando, um nerd, e estamos casados há 26 anos. Durante a gestão de nosso filho, Henrique, parei de trabalhar, pois tive gravidez de risco.
Em 2002, abri uma escola de educação infantil. A escola deu dinheiro por um tempo, mas precisei fechá-la 14 anos depois. Levei incontáveis calotes, me afeiçoava aos alunos e não cobrava os pais. Fora que ‘assumi’ a educação de algumas crianças carentes, dando estudo, alimentação, uniforme e material. Mas disso eu não me arrependo porque elas me agradecem até hoje e eu agradeço a Deus pela oportunidade que tive de ajudá-las.
Assim que encerrei as atividades educacionais, meu marido perdeu o emprego. Nessa ocasião, abriu uma vaga na administração do Collina, me candidatei e fui aceita. Comecei a ter prazer em me envolver com a dinâmica do condomínio em que eu morava há cinco anos e também me tornei conselheira. Já enquanto assistente administrativa, passei a ouvir os moradores. Por sua vez, eles insistiram para que eu me candidatasse à síndica ‘porque as coisas tinham começado a fluir’.
Na assembleia de eleição, em 2017, venci com ampla vantagem, fato que se repetiria nas eleições seguintes. Em meu primeiro ano como síndica, resgatei 1 milhão e 52 mil reais de inadimplência; havia moradores devendo a cota desde 2013, porém eu não era mais ingênua como na época da escola infantil. Usei de muito didatismo para explicar que o não pagamento impacta na coletividade e dei plantões à noite para atender inadimplentes que não pudessem me procurar durante o dia e, em casos pontuais, acionei o jurídico. Valeu a pena.
Eu gosto de conviver com gente, de conversar, de ensinar, de apresentar tudo o que vem sendo feito e o que ainda podemos fazer pelo condomínio. Sinto orgulho em ter contribuído para conscientizar os condôminos de que eles também são responsáveis pelas áreas comuns, pois representam o quintal deles. Também lutei contra a cultura da arrogância de novos ricos no trato com os colaboradores.
Hoje, o condomínio está organizado, harmônico e florido; o paisagismo original não previa quase flores, porém induzem ao bem-estar. Tanto que criei um projeto de ‘plantio’ de orquídeas em árvores, voltado à terceira idade. E, na pandemia, ajudei a formar uma equipe de voluntariado com profissionais da saúde, moradores do condomínio, para que os idosos tivessem terapia em grupo. A fase dois desse processo consistiu em envolvê-los em arteterapia, no ateliê do condomínio.
O síndico que enfrentou a pandemia está apto a gerir qualquer condomínio. No meu caso, manter 1.350 pessoas confinadas em suas unidades foi bem desafiador, assim como cumprir protocolos sanitários com o máximo rigor, gerenciar horários em que vizinhos podiam ou não fazer obras, ou lidar com o aumento exponencial de deliveries. Trabalhei três vezes mais, inclusive porque aproveitei o esvaziamento das áreas comuns para reformar a piscina, campo de futebol e quadra poliesportiva. Ainda fazia sopas para levar ‘um conforto’ aos moradores doentes.
Engordei 40 quilos e tive um AVC em junho de 2021. Graças a Deus, não houve sequelas. Precisei repousar, não por vontade própria, mas atendendo a um apelo do meu filho para que eu seguisse ordens médicas. Ele me fez ver que era preciso pensar em mim. E, assim como cuidei de tanta gente, fui recompensada, pois conselheiros, entre outros, cuidaram bem do condomínio até que me restabelecesse. Atualmente procuro tirar algumas horas do dia para mim, faço academia e ainda preciso eliminar 22 quilos. Mas eu continuo tão envolvida com o Collina quanto antes. Apenas descobri que não sou a Mulher-Maravilha.”
Eliane Rasquel, em depoimento a Isabel Ribeiro
Matéria publicada na edição 295 nov/dez-23 da Revista Direcional Condomínios
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