No 13º aniversário da Lei Maria da Penha, advogada analisa como agir mediante brigas entre vizinhos.
Os números sobre a violência contra a mulher são alarmantes. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil ocupa a vergonhosa posição de quarto pior país no ranking da violência contra a mulher. Paradoxalmente, desde a sua publicação, a Lei Maria da Penha, que completou 13 anos neste mês de agosto, é considerada pela Organização das Nações Unidas como uma das três melhores legislações do mundo no enfrentamento à violência contra as mulheres. Essa é a grande diferença entre entre prática e realidade!
Sobre a legislação
O nome dado à Lei nº 11.340/2006, que combate a violência doméstica e familiar, foi em homenagem à professora universitária Maria da Penha Meia, que por 23 anos de casamento sofreu violência doméstica causada por seu marido. Em 1983, o marido, por duas vezes, tentou assassiná-la. Na primeira vez, com arma de fogo, deixando-a paraplégica, e, na segunda, por eletrocussão e afogamento (para ter acesso ao conteúdo integral da lei, acesse: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm).
Mesmo 13 anos depois e com toda a tecnologia que detemos hoje, surpreendem casos como o da morte da advogada Tatiane Spitzner, agredida em março deste ano em Guarapuava (PR), na garagem do prédio, no elevador e em casa por 20 minutos, chegando já tarde a ajuda da polícia.
A Lei Maria da Penha cria mecanismospara coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, dispõe de medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar e estabelece: (i) as formas de violência doméstica contra a mulher como física, psicológica, sexual, patrimonial e moral; (ii) tipifica e define a violência doméstica e familiar contra a mulher; (iii) proíbe as penas pecuniárias (pagamento de multas ou cestas básicas); (iv) determina que a mulher somente poderá renunciar à denúncia perante o juiz; (v) possibilita ao juiz a decretação da prisão preventiva quando houver riscos à integridade física ou psicológica da mulher; (vi) permite ao juiz que determine o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação; e, (vii) estabelece um aumento de pena em um terço caso a violência doméstica seja cometida contra mulher com deficiência.
A Lei não se aplica à mulher de forma indiscriminada. São necessários 3 requisitos para incidência da Lei Maria da Penha (Art. 5º):
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- A vítima precisa ser mulher (há uma grande discussão sobre qual é a amplitude da expressão mulher, há quem entenda ser o transexual – uma vez que fez a cirurgia, que mudou o seu nome social. Porém, nem o STF nem o STJ apreciaram ainda tal questão, há apenas decisões de Tribunais de Justiça Estaduais adminitindo a aplicação da Lei Maria da Penha a pessoas trans);
- Essa mulher deve sofrer qualquer ação ou omissão baseada no gênero (dolo de gênero ou violência de gênero);
- Esse dolo precisa ser aplicado em um desses âmbitos: Doméstico, âmbito familiar, ou seja, em qualquer relação íntima ou de afeto.
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Qual o papel e postura dos vizinhos diante de ocorrências ou suspeitas de violência doméstica ou familiar?
O que torna a questão difícil é o fato de que a ajuda pode trazer problemas a quem pretendeu auxiliar. Principalmente, por denunciar sem provas (especialmente quando a denúncia não for anônima) e sem o reconhecimento da vítima da agressão. Vejamos:
– 1º problema: Denunciar sem provas pode levar a uma denunciação caluniosa ou à comunicação falsa de crime, ambas infrações penais. Por isso, a primeira sugestão é de sempre gravar a situação, ainda que dentro das dependências de sua própria unidade ou das áreas comuns. E se possível, pedir ao síndico as imagens das câmeras de segurança, incluindo elevador, e que os funcionários se mantenham alertas para que possam auxiliar na confecção das provas. Lembrando que se houver medida protetiva decretada, pode ser possível inclusive a restrição de entrada;
– 2º problema: Violência e Crime versus Discussão – é preciso ter em mente a possibilidade de não estar havendo agressão nem violência, o que precisa ser sempre verificado antes de qualquer conclusão e comunicação precipitada. Por isso, recomenda-se comunicar a percepção dos vizinhos sobre a situação e eventuais reclamações;
– 3º problema: Mesmo um terceiro prestando todo o auxílio, há ainda a possibilidade de a pessoa agredida não se reconhecer como vítima. Porém, em que pese haver uma controvérsia, é primordial que se saiba que hoje em dia a Lei Maria da Penha pode ser conduzida por meio de uma ação que independe da vontade ou representação da vítima, por se considerar haver interesse público na condução do processo.
Dito isto, listamos as possibilidades de ação:
– A primeira porta é, no momento da agressão – verbal ou moral, fazer provas, pelo celular ou da forma possivel, do barulho ou de qualquer indício que leve a demonstrar os fatos;
– Fazer denúncia anônima pelo Disque Denúncia de crimes contra a mulher, através do número 180;
– É possível ainda fazer denúncia anônima pelo número 181 do Disque denúncia;
– Fazer denúncia anônima no site da Polícia Civil: Na normativa, evite usar expressões que permitam a identificação como “minha vizinha de porta ao lado”. O correto é citar o endereço do prédio; número do apartamento envolvido etc.;
– Nos casos de emergência, relativos a fatos que estão ocorrendo naquele momento, ligue para o 190.
Por fim, há de se evitar casos como o de Bruna Oliveira dos Santos em Campo Grande (MS), agredida com muita violência pelo marido com pé de cabra e capacete, e que relata ter batido nas portas de vizinho sem ninguém responder. Recentemente, o ex-marido foi condenado por feminicídio a dez anos e oito meses de prisão.
Postura do síndico diante de ocorrências e projeto de lei nº 1316/2019
O síndico, representando o condomínio, deve auxiliar, da forma possível, na apuração das infrações ocorridas nas dependências do condomínio, não apenas pelo âmbito moral, como também pelo âmbito jurídico em atenção aos deveres insculpidos no Código Civil ao síndico no sentido de fazer cumprir as normas internas, especificamente aquelas atinentes ao sossego e à ordem.
Ademais, houve uma prática adotada em um condomínio em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, que instalou placas informativas e orientou os funcionários a acionarem a Polícia Militar em casos de agressão doméstica contra mulheres e crianças, orientando minimamente funcionários e moradores do condomínio a interfiram, sim! Em São Paulo, o procedimento foi adotado também em condomínio no Jabaquara (leia sobre o assunto em https://www.direcionalcondominios.com.br/noticias/item/3740-sindico-orienta-condominos-sobre-casos-de-violencia-contra-a-mulher-e-criancas.html). Aliás, a polícia militar pode ser acionada em qualquer tipo de agressão, não apenas em casos contra mulheres e crianças. Briga de irmãos e de jovens não moradores no salão de festas, por exemplo, também.
Com base nesta ocorrência, surgiu o Projeto de Lei nº 1316/2019, na Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro, que obriga os condomínios residenciais e comerciais a orientarem seus funcionários a como procederem e afixarem placas e/ou cartazes informando os números das centrais de atendimento em casos de violência doméstica.
Matéria complementar da edição – 248 – agosto/2019 da Revista Direcional Condomínios
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