Exclusão do condômino antissocial, é possível?

Existe realmente a possibilidade de exclusão de condômino por reiterado comportamento antissocial no ordenamento jurídico brasileiro?

O tema é controverso e polêmico, havendo extenso pensamento sobre o tema, pois que a pretensão causa repercussão acentuada, em vista das interpretações da matéria e centra-se no embate entre o Direito de Propriedade e os direitos dos demais condôminos e moradores.

É fato que existem várias decisões judiciais permitindo a exclusão do condômino antissocial, observadas algumas particulares e procedimentos, mas sempre tendo em mente não se tratar de assunto corriqueiro ou de fácil solução. Penso que melhor seria o impedimento do condômino tido como antissocial pela assembleia, e não nomear a medida como a exclusão deste condômino. Em outro artigo de minha autoria, me posicionei aceitando a medida, excepcional, após obedecidos determinados regramentos e atos, todos eles extrajudiciais, que fatalmente seriam decididos pela Justiça.

A medida é extrema, uma vez que coloca em conflito o Direito de Propriedade (uso, gozo, fruição etc.) do condômino tido como antissocial, e as garantias constitucionais individuais de cada um daqueles demais condôminos que integram o mesmo condomínio.

Menciono que o ordenamento jurídico tem aceitado, em inúmeras decisões, o pedido judicial de exclusão do condômino antissocial, como juridicamente possível.

Certamente, a medida está penalizando, quer extra ou quer judicial, e deve centrar-se na restrição do direito de uso pelo condômino antissocial sobre o próprio bem imóvel em contraponto ao direito de propriedade, mesmo esta sendo classificada como direito real assegurado na Constituição Federal, que confere ao seu titular o direito de usar, gozar, dispor, fruir, reaver, nos termos do Art. 1.228, do Código Civil Brasileiro (Lei 10.402/2006):

“O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.”

No novo Código Civil Brasileiro, o direito de propriedade vigora não mais com o caráter absoluto, inatacável (como era no anterior sistema civilista), vindo a sofrer limitações em razão da sistemática civilista, da lei, de princípios e da própria vontade do proprietário, e, ainda mais importante, pela função social que também veio para limitar esse direito, o qual, segundo o entendimento atual, deve ser exercitado de acordo com a finalidade econômica e social do bem.

Outro instituto pátrio, o de Direito de Vizinhança (previsto no Art. 1.277, do Código Civil Brasileiro), também impõe limites ao exercício do direito de propriedade, em conjunção com o Enunciado 508 da V Jornada de Direito Civil (abaixo transcrita), e com o instituto do abuso de direito, porque a imposição de sanção pecuniária pelo condomínio ao condômino antissocial pode se revelar totalmente inócua:

“[…] Verificando-se que a sanção pecuniária mostrou-se ineficaz, a garantia fundamental da função social da propriedade (Art. 5º, XXIII, da CRFB, e 1.228, §1º, do CC) e a vedação ao abuso do direito (Art. 187 e 1.228, § 2º, do CC) justificam a exclusão do condômino antissocial, desde que a ulterior assembleia prevista na parte final do parágrafo único do Art. 1.337 do Código Civil delibere a propositura de ação judicial com esse fim, asseguradas todas as garantias inerentes ao devido processo legal.”

Igualmente vão no mesmo sentido a garantia fundamental da função social da propriedade (Art. 5º, Inciso XXIII, da Constituição Federal, e 1.228, §1º, do Código Civil) e a vedação ao abuso do direito (Art. 187 e 1.228, §2º, do Código Civil).

Verídica é a afirmação de que é possível o impedimento do condômino antissocial já por decisão extrajudicial, se forem corretamente tomadas as formalidades legais.

Daí que a exclusão do condômino antissocial não vem para ofender o direito de propriedade, mas para dar sustentação às garantias constitucionais individuais de cada um daqueles demais condôminos (princípio da função social da propriedade) que integram aquele mesmo condomínio, apenas restringindo a pessoa do condômino antissocial e não o imóvel de sua titularidade e, nunca, o seu direito de propriedade, não se alterando quem figura como proprietário deste bem imóvel na matrícula respectiva lavrada pelo Cartório de Registro de Imóveis competente, que pode dela dispor (vender, alugar, doar, ceder gratuitamente), exercitando plenamente o Art. 1.228, do Código Civil Brasileiro.

Pelo princípio da função social da propriedade devemos entender que a Constituição Federal atenderá à sua função social e que a vida em condomínio significa conviver em uma pequena sociedade, sendo imperioso que o interesse coletivo, o bem-estar, o sossego e a segurança dos condôminos se sobreponham ante a existência da conduta nociva específica daquele determinado condômino (antissocial), que abusa do seu direito e conturba vida condominial.

Não existe outra medida, quer extra, quer judicial, que solucione satisfatoriamente a questão, ainda mais no passo em que imposições pecuniárias não resolvem o problema, ante a reiteração contínua dos atos infracionais e, em tese, criminosos.

A conduta nociva e o mau uso com que opera o antissocial causam aos demais condôminos sofrimento, desgosto, devendo ser cultuado o respeito ao ser humano, inclusive sobre o direito de propriedade, desalojando de seu próprio bem aquele que dá razão a tal sanção.

Alguns doutrinadores brasileiros, como largo peso, acolhem a possibilidade, valendo citar João Batista Lopes:

“De lege ferenda [“pela lei a ser criada”], seria cogitável a inserção de disposições ainda mais rigorosas, a exemplo do que ocorre em outros países, pondo os condôminos a salvo da presença indesejável de indivíduos nocivos à tranquilidade geral. Enquanto isso não ocorrer, caberá à jurisprudência construir em cada caso, solução que melhor se ajuste aos princípios gerais de direito” (Condomínio, São Paulo, Rev. Dos Tribunais, 9ª ed., 2006, pág. 158).

Por sua vez, Moniz de Aragão registra que:

“Sendo a ação o direito público subjetivo de obter a prestação jurisdicional, o essencial é que o ordenamento jurídico não contenha uma proibição ao seu exercício; aí, sim, faltará a possibilidade jurídica”; “Não havendo veto há possibilidade jurídica; se houver proibição legal não há possibilidade jurídica” (Com. ao Cód. De Processo Civil, Ed. Forense, II Vol. 2ª. ed. pág. 508).

Silvio de Salvo Venosa conclui:

“Nossa conclusão propende para o sentido de que a permanência abusiva ou potencialmente perigosa de qualquer pessoa no condomínio deve possibilitar sua exclusão mediante decisão assemblear, com direito de defesa assegurado, submetendo-se a questão ao Judiciário. Entender-se diferentemente na atualidade é fechar os olhos à realidade e desatender ao sentido social dado à propriedade pela própria Constituição. A decisão de proibição não atinge todo o direito de propriedade do condômino em questão, como se poderia objetar: ela apenas o limita tolhendo o seu direito de habitar e usar da coisa em prol de toda uma coletividade (Direitos Reais, Vol. V, 12ª, 2012, pág. 366).

O ex-Ministro Cezar Peluso, na coordenação do Código Civil Comentado, aponta:

“Cabe, assim, a medida para retirar o condômino nocivo do edifício, para apreender objetos perigosos, que causem ruídos, ameacem a saúde ou o sossego dos demais condôminos ou a interdição de determinadas atividades ilícitas. Tais medidas certamente farão cessar o ilícito, na maioria dos casos, note-se que em tais casos perde o condômino o direito de usar a unidade, permanecendo, todavia, com a posse indireta e a prerrogativa de fruição, entregando-a à exploração lícita de terceiros” (ob. cit. 2007, Ed. Manole, 1204).

Existe na atual legislação civilista brasileira dispositivos em vigor, citando três artigos que tratam da chamada exclusão como medida última para garantir direitos e deveres, os quais são tratados a seguir com exatidão nos Art. 1.814, 1.815 e 1.816, citados adiante.

“Artigo 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:

I – que houverem sido autores, coautores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;

II – que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;

III – que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.”

O que muda neste artigo é a matéria em trato, que não versa sobre condomínio, mas sim sobre Direito das Sucessões, onde são excluídos da sucessão aqueles herdeiros e legatários que houverem praticado atos criminosos, ofensivos e desabonadores, mas de extrema gravidade, quer contra pessoas, quer contra a dignidade ou os interesses do autor da herança ou ainda de membros da família deste, tratando-se de pena civil, sendo esta letra da lei de interpretação restritiva não se permitindo ampliações.

Cabe explicitar que não há lacuna no Direito na questão em trato, o que impede ao menos em tese, a comparação por analogia. Aqui, a sanção de impedimento ocorre, como também ocorre em relação aos condomínios, como medida extrema, não sendo permitido a tomada deste ao condômino antissocial por mero antagonismo ou querer próprio, devendo o ato se encontrar suficientemente fundado em fatos realmente gravosos dos quais não exista a menor dúvida.

A jurisprudência não difere:

“HERANÇA – Ação buscando exclusão do companheiro da “de cujus” por indignidade – Homicídio – Art. 1814, I, CC – Sentença de procedência – A Lei Civil não exige prévio procedimento criminal – Alegação de que o disparo ocorreu quando o apelante limpava a arma – Perícia criminal Força aplicada no gatilho não é compatível com o ato de limpar arma de fogo – Apelo improvido”. (TJSP, 8ª Câmara de Direito Privado, Relator Luiz Ambra – Apelação nº 0118564-61.2007.8.26.0011 – j. 30/07/2014).

O Art. 1.815 do Código Civil vem para reforçar o dispositivo anterior:

“Artigo 1.815. A exclusão do herdeiro ou legatário, em qualquer desses casos de indignidade, será declarada por sentença.
Parágrafo Único. O direito de demandar a exclusão do herdeiro ou legatário extingue-se em quatro anos, contados da abertura da sucessão.”

Aqui, se trata da forma pela qual a exclusão ocorre, sendo permitida apenas se intentada a ação judicial objetivando a exclusão do prevaricador, acarretando o reconhecimento da indignidade somente por declaração em sentença judicial; a jurisprudência é firme ao confirmar o disposto da lei:

“Sucessão. Indignidade. Cônjuge sobrevivente beneficiário do usufruto previsto no §1°. Do Art. 1.611 do Código Civil. Declaração incidenter tantum. Inadmissibilidade. Necessidade de decisão Judicial. Recurso não provido. (JTJ 128/188).”

No Art. 1.816, o que nos interessa se encontra na primeira parte do caput, o caráter pessoal dos efeitos da exclusão:

“Artigo 1.816. São pessoais os efeitos da exclusão; os descendentes do herdeiro excluído sucedem, como se ele morto fosse antes da abertura da sucessão.”

Ocorre desta forma na exclusão do condômino tido como antissocial, não se permitindo que a pena alcance o bem imóvel, restringindo-se somente à pessoa do condômino infrator, dando incidência ao princípio da responsabilidade pessoal que se encontra consagrado no Art. 5°, inciso XLV da Constituição Federal.
Entendo presente ainda a antiga expressão latina “nullum patris delictum innocenti filio poena est” – “nenhum crime do pai pode prejudicar o filho inocente, ou mesmo o sentido contrário” -, ou seja, somente aquele apenado como antissocial é que será excluído do condomínio.

“24ª Vara Cível Da Comarca De Aracaju – Procedimento Comum – PROC.: 201612400167 – Requerentes: V.D.S.O. e V.L.O.S. – ADV. : Allan Rodrigo Oliveira Santos – OAB: 6648-SE. Decisão/Despacho….: Processo Nº 201612400167 1- Tendo em vista que os efeitos da exclusão são pessoais, com supedâneo no Art. 1816 DO CC, intime-se a inventariante para que, no prazo de 15 (quinze) dias, informe se o herdeiro deserdado Hugo Leonardo Oliveira Ribeiro possui descendentes (filhos, netos e etc..) e, em caso positivo, qualifique-os….”.

Colaborou o advogado João Paulo Paschoal Rossi.


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