Fachada: restauração e valorização

Persistência, paciência e resiliência compõem o combo das síndicas ouvidas nesta reportagem, para aprovarem obras de fachadas que revitalizam e valorizam o patrimônio.

Condomínio Cardeal após a reforma; antes (ver detalhe), todas as faces da fachada estavam em condição precária

Condomínio Cardeal

No melhor estilo odisseia, a história da recuperação de fachada do Condomínio Cardeal levou anos a acontecer, foi marcada por uma sucessão de situações, algumas bem desagradáveis e outras até de perigo, como a queda de parte de uma veneziana, que por sorte não feriu ninguém. Apenas por muita persistência da gestão o projeto, enfim, saiu do papel. Hoje, quem passa em frente à edificação, em uma rua arborizada do Itaim Bibi, zona sul, avista um edifício bonito, com textura moderna na fachada, em uma tonalidade acinzentada, feita sob demanda, e janelas dos dormitórios uniformes no formato, material e cor. “Antes, o prédio era o patinho feio da vizinhança, com fachada degradada, janelas deterioradas ou desiguais”, compara a síndica profissional e moradora Luciana Campos.

A gestora conta que assumiu o Cardeal em 2012 e na ocasião encomendou um laudo técnico das anomalias e patologias do condomínio de uma torre de 10 andares e 50 unidades, erguido no final da década de 1960. A fachada já sinalizava problemas, mas as demandas da construção antiga eram tantas que Luciana precisou agir conforme prioridades, como a obra de elétrica, o piso deteriorado da garagem, em que pessoas tropeçavam e caiam, e as adequações necessárias para o AVCB. Com o passar do tempo, alguns condôminos começaram a reformar suas unidades e ao chegarem na parte das janelas, encontravam dificuldades em substituir as venezianas pelo mesmo modelo, o qual não existe mais. Na ocasião, o condomínio indicou três fornecedores de modelo similar, em alumínio, mas ainda assim, havia diferença entre um e outro produto.

A obra da fachada do edifício do Itaim Bibi começou pela troca das janelas dos quartos; as da sala, um tanto maiores e mais caras, não entraram no rol de substituições, exceto por condôminos que assim o quiseram. O fato é que boa parte dos moradores não queria sequer trocar as venezianas dos dois dormitórios, mesmo estando em estado crítico, e a discussão sobre o assunto levou mais de três anos.

Para argumentar com mais propriedade sobre a necessidade de aprovação dessa etapa da obra de fachada, Luciana contratou uma empresa de engenharia, que forneceu um parecer técnico das condições e conservações das janelas de madeira do condomínio. “Demonstramos que havia degradação das venezianas por causa da ação do tempo, que o mecanismo estava desgastado e o sistema de fixação oxidado”, relata.

Mesmo com o laudo, a síndica conta que a resistência continuava porque não queriam gastar com o condomínio. E quem aceitava, brigava para que fosse aprovado um modelo inferior de janela, só que a custo menor. Apesar dos ânimos exaltados, foi possível aprovar em 2018 a substituição das venezianas por outras parecidas, e com um único fornecedor. “Como a empresa só parcelava em até seis vezes, o condomínio pagou para ela nessa condição, mas cobrou o valor dos condôminos em um parcelamento mais longo, o que facilitou para eles efetuarem o pagamento mês a mês, no mesmo boleto da cota condominial”, explica Luciana.

Restauração e pintura

Luciana Campos: orgulho da fachada restaurada e com novas janelas nos quartos

Síndica profissional Luciana Campos

A troca das janelas se iniciou em 2019, depois veio a segunda fase da recuperação da fachada, a cargo de outra prestadora. A síndica destaca que ter contato com a expertise de uma consultoria jurídica contratada do condomínio foi essencial na hora de selecionar uma empresa de serviços de fachadas e fechar contrato de uma obra de valor mais elevado. “Em geral, você precisa pagar de início 30% desse valor para a contratada, o que não é pouco dinheiro. Então acho viável, sim, que o condomínio recorra a uma assessoria especializada quando for executar obras. Eu sempre ajo assim”, comenta Luciana.

Na reforma da fachada, a necessidade era corrigir pontos de revestimento degradados e restaurar trincas, pois havia infiltrações em algumas unidades. Na parte estética, os condôminos queriam uma textura moderna no lugar da velha tinta desbotada. “Eles me pediram em assembleia para cotar esse acabamento e foi um processo longo, pois custa mais que a pintura convencional. Queriam também uma moldura em volta das janelas, e fui atrás, mas quando apresentei o valor, viram que esse detalhe ficaria inviável para o nosso orçamento”, relata. Quanto à tonalidade da textura de rolo, a eleita lembra um tom de areia. “Para o síndico que for reformar com esse acabamento, recomendo manter uma sobra para eventualidades. Na garagem do prédio, um carro bateu na pilastra, e pudemos fazer o reparo de maneira uniforme porque tínhamos sobras do material”.

Apesar de a conclusão da obra da fachada ter demorado mais que o previsto por conta das chuvas e das intermináveis discussões envolvendo as janelas, Luciana arremata que o resultado da reforma agradou aos moradores na aparência renovada e na valorização do patrimônio.

Legislação prevê zelo

Na capital paulista, a Lei 10.518, de 16/05/1988, diz que as fachadas dos prédios deverão ser pintadas ou lavadas, em conformidade com os respectivos revestimentos, no mínimo a cada 5 anos, de modo a ostentarem adequadas condições estéticas. Quando o condomínio é novo o manual das áreas comuns ainda informa que a manutenção é necessária a cada dois anos. Apesar da legislação a favor da manutenção das fachadas, o que se nota é um grande número de edificações com paredes externas comprometidas.

Aprovar uma grande obra da fachada requer empenho, persistência e paciência. A síndica profissional Karina Nappi acredita que o condômino não olha para o ambiente externo da mesma forma que o faz com o interior de sua unidade. “Os condôminos não têm o mesmo zelo e cuidado com as partes externas da fachada como possuem com suas residências ou áreas comuns internas. Muitos condomínios ficam décadas sem manutenção externa, mas jamais sem a manutenção interna pelo fato de não enxergarem a necessidade de cuidar das paredes externas da construção, que muitas vezes afetam as internas”, observa Karina, e vai ainda mais longe: “As pessoas não querem gastar dinheiro com a fachada, acham que não precisa, até a limpeza já é difícil de acontecer. Preferem reformar o salão de festas ou o hall, que são mais visíveis aos mesmos e seus visitantes”.

Para ela, quando os condôminos decidem por reformar a fachada é porque estão sofrendo com infiltrações, vazamentos ou com desplacamentos que podem gerar acidentes. Foi o que ocorreu em um condomínio dos Jardins, erguido em meados dos anos 1970, cuja fachada será reformada pela primeira vez. “Caiu um pedaço de concreto do último andar e atingiu à área comum, mas se não fosse isso, talvez nem houvesse predisposição de fazer a obra”, comenta Karina.

A fachada da edificação de 12 andares e 24 unidades, é predominantemente de concreto aparente, tendo uma extensão menor pintada. Para recuperá-la, serão necessários serviços de correção de fissuras, trincas, recuperação de ferragens, de repintura, além de ser preciso refazer parte do concreto. “Por ser concreto aparente, o valor da restauração não fica tão alto, sairá em torno de R$ 315 mil”.

Outro fator que ela menciona é que moradores não têm conhecimento técnico e que imprevistos podem acontecer em obras e onerar seu custo, tal e qual ocorre em uma reforma doméstica. “Quando isso acontece e se faz necessário um rateio complementar, já surgem especulações sobre a lisura e competência do síndico”, diz.

Serviços dissociados

Síndica Karina Nappi

Karina Nappi: acompanhamento de obras in loco e paciência com os condôminos

Para evitar surpresa pelo caminho, Karina segue alguns passos, sendo o primeiro deles contratar uma empresa para o mapeamento de fachada, que irá traçar um panorama, apontando anomalias, áreas a serem tratadas e estado dos revestimentos, valendo-se de recursos como teste de percussão (que detecta problemas de aderência por meio do som ‘oco’) e das janelas de inspeção (abertura de cavidades na parede para coleta de substratos a serem analisados em laboratório).

A síndica jamais faz reforma de fachadas com a empresa de mapeamento. Prefere dissociar as contratações para prevenir que esta venha a apontar um comprometimento fora da realidade, apenas na intenção de pegar serviço de maior volume.

De posse do mapeamento, que é um laudo de engenharia e precisa de ART emitido em conjunto, Karina consegue dar prosseguimento a outras etapas da aprovação da obra com maior margem de segurança, inclusive no que se refere aos custos. Entretanto, surpresas podem acontecer, como na obra de outro condomínio sob seus cuidados. Trata-se de uma construção com uma torre de nove andares e 36 apartamentos, na Chácara Santo Antônio, com fachada originalmente concebida com pastilhas, exceto nas sacadas revestidas com tijolinhos à vista.

Com mais de 40 anos, esse condomínio da zona sul nunca mexera nas pastilhas, tendo apenas pintado as sacadas várias vezes. O start da reforma veio quando as pastilhas começaram a cair em larga escala. A reforma foi aprovada e iniciada. No escopo constava a remoção total das pastilhas, aplicação de texturização com tonalidades modernas, e a recuperação das sacadas. “A proposta era lixar os tijolinhos para sair a tinta e voltar ao estado original, finalizando com hidrofugante para conservá-los. Ficariam perfeitos! Isso em teoria, na prática estavam porosos e se desfizeram na hora do lixamento”, relata. Acontece que os tijolinhos, selados pelas camadas de tinta a que foram submetidos anteriormente, tinham ‘enganado’ o teste de percussão.

Para falar sobre a situação da obra, até então estava orçada em R$ 1 milhão, Karina convocou nova assembleia, lidou com os moradores mais desconfiados com muita paciência, explicando tudo sobre o porquê de o mapeamento não ter detectado a real condição dos tijolinhos, e propôs alternativas: alterar o layout das sacadas, substituindo tijolos por textura, ou manter o padrão, com tijolinhos novos. “A primeira opção seria uma solução mais em conta e de execução mais rápida, mas os condôminos optaram por novos tijolinhos”. Com isso, o custo da reforma sofreu uma alteração de R$ 100 mil e o prazo de entrega foi esticado em seis meses.

Contratação de obra

Escolher bem a parceira que entrará no condomínio é um passo que pede cautela, segundo Karina, que fornece algumas dicas do que observar nas empresas do mercado. “Antes de contratar, tem de pesquisar bem, e ‘puxar’ dados que estão na internet, de graça, como as CNDs (Certidão Negativa de Débitos), todas elas estão disponíveis, as CNDs de Falência, Tributária, Civil e Criminal. Hoje, fica fácil descobrir quem tem dívidas ou processo por conta de algo questionável”, analisa.

Outra dica de Karina é verificar o capital da empresa. “Não adianta ter uma empresa de capital de R$ 100 mil reais pra uma obra de R$ 1 milhão”, observa. A síndica alerta que é preciso checar se a empresa tem seguro de obra, e se os funcionários têm seguro de vida. “É preciso que esses funcionários sejam CLT para não ter vínculos com o condomínio, então é necessário verificar a documentação da empresa, se recolhe INSS e FGTS desses trabalhadores, e se pela característica do trabalho, eles têm cursos de NR 35 e NR 10, além de NR 18, referente a ancoragem para fachada. No contrato, tem que ficar claro a inexistência de vínculo trabalhista com o condomínio”.

Sobre formas de pagamento, Karina é direta: “Eu não gosto quando a empresa trabalha com escala de produção, isto é, fazendo uma parte e recebendo por ela, depois outra parte e assim sucessivamente porque o serviço tende a ser acelerado para que se receba mais rápido, e isso pode prejudicar a qualidade do trabalho. Eu já tive uma obra assim, em prédio de alto padrão, com dinheiro em caixa. Os condôminos aprovaram pagar por fase da obra. Entregaram o prédio maravilhoso, pagamos. Seis meses depois, começaram a surgir as imperfeições. Por mais que se tenha um contrato de cinco anos de garantia, o pós-obra pode ser desgastante”. Para a síndica, a melhor negociação de pagamento é aquela que prevê um parcelamento para muito além da data de entrega da obra.


Matéria publicada na edição 289 mai/2023 da Revista Direcional Condomínios

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