Fraude em condomínios: mecanismos coíbem ou minimizam riscos

Não há como se precaver 100% contra a ação de fraudadores, mas existem recursos que auxiliam na transparência da movimentação das contas; medidas para não cair em golpes; e auditoria para evitar que irregularidades trabalhista, financeira, fiscal e de gestão sigam adiante.

Paulo Melo orienta ficar atento aos sinais de irregularidades

Um episódio recente de fraude em condomínio, com prejuízo em torno de R$ 1 milhão, deixou o síndico profissional Paulo Melo de queixo caído. “É inacreditável como os condomínios ainda caem no conto do vigário”, diz. Praticamente criado na empresa dos pais, administradores de imóveis e condomínios, Paulo está no ramo há 26 anos. Nesse tempo, não foram poucas as vezes em que foi procurado para assumir condomínios vítimas de fraude. “Não existe como estar 100% imune às fraudes, mas há mecanismos para identificá-las mais cedo. Hoje, com tecnologia mais acessível, é muito fácil controlar pagamentos e extratos bancários pelo próprio computador e tirar, sem custo, a certidão negativa da administradora ou do síndico”, exemplifica.

Quando Paulo assumiu a sindicância do condomínio lesado, a antiga administradora já havia se desligado. A conta bancária do edifício, que deveria conter R$ 300 mil rendendo juros, estava negativa em R$ 20 mil. Paulo cita que, entre as irregularidades, o síndico não tinha controle da conta, o conselho não conferia a pasta, havia pendências de tributos federais e quatro parcelamentos abertos na Sabesp. “As contas de consumo eram entregues na administradora, então os moradores não sabiam da bagunça nos pagamentos”, diz Paulo. O condomínio tomou as medidas judiciais cabíveis contra a administradora e também entrou com ação de prestação de contas contra o síndico da ocasião, além de iniciar, com urgência, novos rateios para recompor o caixa. “Havia um boleto de R$ 100 mil prestes a vencer, de uma grande empresa de elevadores, e o caixa estava negativo. Infelizmente os moradores pagam por esses erros”, constata.

Para minimizar ocorrências do tipo, o síndico dá as seguintes dicas: 1) ficar atento aos sinais que os funcionários dão, como reclamações sobre pagamentos atrasados, ou que viram no aplicativo do celular que o FGTS não foi depositado; 2) contas de consumo, mesmo em débito automático, têm de ser entregues no condomínio e rubricadas pelo síndico, que deverá observar se constam avisos de valores em aberto, e só depois enviadas à administradora para processar a informação; 3) vale acessar a cada seis meses o site da Receita Federal para ver se existem pendências no CNPJ do condomínio; 4) síndico e conselho precisam fazer conciliação do extrato bancário e pastas de prestação de contas; 5) na AGO (Assembleia Geral Ordinária), a gestão deve apresentar todas as certidões negativas de tributos federais e municipais, e de ausência de protesto, para todos saberem se prazos e recolhimentos foram respeitados.

Luís Lopes indica o Google Lens para checar preço de peças

Clássicos do setor

O consultor condominial e síndico profissional Luís Lopes aponta que existem fraudes clássicas no universo dos condomínios, oriundas das mais diversas fontes. Devido ao fato de o síndico não ser especialista, mas generalista, casos de superfaturamento de peças de equipamentos são comuns. “Há pouco tempo, um prestador de serviços cobrou R$ 8.600,00 por uma peça de elevador que custava R$ 800,00. A dica que dou é não fechar o negócio no escuro. Hoje temos o aplicativo Google Lens que facilita essa tarefa. O síndico tira a foto da peça e no ato a inteligência artificial identifica esse objeto, traz comparações de preços e onde encontrá-la”.

Na compra de material de limpeza, segundo Luís, é comum ocorrer fraude. “O condomínio compra três caixas de determinado produto, inclusive mencionando a quantidade em nota fiscal, mas recebe uma ou duas, o que não deixa de ser uma fraude. A dica é ficar atento ao checklist da compra e recebimento e, sobretudo, escolher bem os fornecedores”.

Outra fraude contundente envolve licitações, menciona Luís, e o síndico precisa ter cuidado para não sucumbir ao ‘canto da sereia’ de empresas não idôneas – novamente vale a dica de selecionar muito bem as candidatas. “Há empresa que, na hora de dar o orçamento, coloca seu preço, e se oferece para conseguir mais dois orçamentos para o síndico, com valores superiores, claro, para que o seu seja o aprovado, e oferece uma comissão para fechar o negócio. Na hora, o gestor pode até achar que não seria algo tão grave, mas é fraude e caso aceite, ele estará lesando os demais condôminos, que certamente pagarão um custo maior por uma obra”.

Mais uma situação típica, segundo Luís Lopes, é a desatenção com valores recebidos pelo aluguel de salão de festas e afins. “Ainda há muitos condomínios em que o condômino faz o acerto desses aluguéis na própria administração, seja com o zelador, assistente administrativo ou o próprio síndico, e o valor dos aluguéis não é revertido para os condomínios; talvez por imperícia, nem o próprio conselho fiscal se dá conta”, alerta o consultor. “Às vezes, os conselheiros têm muita força de vontade de ver seu condomínio bem, mas não têm habilidade. É preciso que o síndico se cerque de pessoas hábeis para conferir pastas”.

Além das fraudes clássicas, existem situações de estelionato profissional, e uma delas Luís só se deu conta devido aos 33 anos de experiência acumulados em seu trabalho anterior, como executivo do setor bancário. “Eu assumi um condomínio e, como sempre faço, fui tirar as certidões negativas, mas a da Receita Federal não saiu, o que é um sinal de alerta. Fui verificar as pastas de prestação de contas e notei que os tributos de funcionários estavam quitados, porém na nomenclatura de autenticação, aparecia apenas boleto pago, sem mencionar a palavra DARF ou GPS ou algo assim, como teria de ser. Em resumo, a administradora falsificava esse boleto, retirava o valor correspondente da conta, e para todos os efeitos estava tudo em ordem”, comenta o consultor. A prática acontecia há cinco anos e o condomínio devia R$ 2.050.000,00 para a Receita.

O consultor alerta que o condomínio tem de estar atento não só aos pagamentos, mas à entrada de dinheiro e cita um caso em uma grande edificação da zona norte. O síndico sabia quais eram os condôminos mais pontuais no pagamento, e fazia um rodízio entre esses recebimentos, desviando mês a mês o dinheiro de dez cotas para sua conta pessoal. Dava baixa na lista para não acusar inadimplência, e o conselho fiscal nem percebia que o valor arrecadado era menor do que o esperado. “Isso acontece muito”, atesta Luís.

Auditoria mensal traz tranquilidade

Vieira fez auditoria em mais de 100 condomínios

Contratar uma auditoria especializada em contas condominiais pode ser uma forma de trazer tranquilidade ao condomínio. O auditor João Vieira Filho explica que existem três tipos de auditoria e uma delas é a preventiva, mensal, que visa detectar erros que poderiam passar despercebidos pelo conselho. “A diferença entre erro e fraude, é que no segundo há má-fé, mas ambos trazem prejuízo, então quanto antes forem detectados, melhor”, orienta. Existe também a auditoria de gestão, para verificar, entre outros, se o síndico realizou um bom trabalho, e a auditoria investigativa, que visa buscar desvios ocorridos e os responsáveis por eles. Vieira já auditou mais de 100 condomínios em oito anos de atuação, sendo que em 3% a 5% das consultorias encontrou fraudes, e no restante erros. “Há muito problema de entendimento das normas tributárias, e hoje os condomínios e grandes administradoras ainda pecam nessa questão”, destaca Vieira.

O barato pode sair caro

Graiche: tecnologia e transparência

Administradoras são aliadas do gestor no bom funcionamento do condomínio. Daí que a escolha dessa parceira tem de ser criteriosa. “Muitas vezes no afã de economizar algum dinheiro, que se fosse dividido pelos condôminos não daria quase nada, o condomínio faz uma escolha equivocada e só verá a consequência disso lá na frente, quando estourar uma infração fiscal. Não vale a pena correr o risco. É preciso verificar o histórico da administradora, tempo de vida, como são suas instalações, qual é a forma de cobrança dos honorários e lembrar que tudo o que é muito barato pode sair caro”, diz José Roberto Graiche Júnior, advogado e presidente da AABIC (Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo). Ele sugere avaliar se a empresa possui recursos tecnológicos que possibilitam que seu trabalho seja acompanhado com transparência por síndicos, corpo diretivo e condôminos, bem como verificar se a mesma é afiliada no estado de São Paulo a órgãos como AABIC e Secovi. “Normalmente quem não é afiliada é porque não quer ficar muito exposta”, enfatiza.

Algumas administradoras de condomínio também possuem o selo de excelência do Proad (Programa de Autorregulamentação da Administração de Condomínios), iniciativa apoiada pelas entidades AABIC e Secovi e pela OAB-SP, no qual suas detentoras passam por auditoria pelo Bureau Veritas, empresa líder mundial em certificações. Vale reforçar que esse selo é um plus, mas não se trata, segundo Graiche, de um requisito obrigatório para as empresas do setor.


Matéria publicada na edição 288 abr/2023 da Revista Direcional Condomínios

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