O tema é mais do que polêmico. Falar de fraudes em condomínios é tabu. São comuns situações nebulosas, onde não há provas claras de desvio de dinheiro. Resultado: os moradores se acomodam e até aceitam administrações capengas, comandadas por síndicos de atuação suspeita ou administradoras que prestam péssimos serviços, sem a transparência necessária. O pior é que em alguns casos a dúvida se transforma em realidade e o prejuízo já está grande quando os condôminos percebem os erros cometidos.
Nelson Latorre passou por essa situação. Em 2001 ele era um morador comum, porém já fora síndico do condomínio localizado na Vila Clementino. “A Eletropaulo veio para cortar a luz do prédio. O zelador procurou o então síndico, o subsíndico e dois conselheiros, mas ninguém estava no momento. Como eu havia sido síndico, ele me ligou para saber o que fazer. Fiquei surpreso, eu sempre acompanhava os balancetes e sabia que o prédio tinha R$ 27 mil de saldo credor na época.”
Imediatamente, Nelson telefonou para a administradora e solicitou o comprovante de pagamento da conta, evitando que a energia fosse cortada. Prometeram transmitir por fax em minutos. O fax demorou, mas chegou. Nelson apresentou a conta ao funcionário da companhia de energia, que percebeu o motivo da demora: a autenticação bancária era do mesmo dia. Ou seja, a conta havia acabado de ser paga. “Por isso, demoraram para enviar o fax. Percebi que havia algo errado, telefonei para a administradora mas fui mal-tratado. Disseram que eu procurasse o síndico”, recorda. Só então Nelson soube que havia quatro meses o condomínio não recebia as pastas de prestação de contas. Ele acabou tornando-se síndico novamente e imediatamente solicitou as Certidões Negativas de Débitos do FGTS e do INSS, além do saldo credor para abrir uma conta poupança em nome do prédio. “Passaram-se semanas e o dinheiro não chegava. Disseram que não tinham numerário para nos pagar. Eu afirmei a eles que isso era roubo. Fiquei com um dilema: tinha contas para pagar mas não podia deixar o dinheiro do mês entrar na conta da administradora. Pedi então que ninguém pagasse o boleto. Em uma semana contratei outra administradora.”
Depois de muito trabalho e preocupação, Nelson entrou com uma queixa-crime na delegacia contra os responsáveis pela administradora. Há um ano e meio o síndico foi procurado por um representante da empresa, propondo um acordo. Caso contrário, o delegado encaminharia os autos do inquérito policial ao Ministério Público. O condomínio conseguiu reaver pouco menos da metade do prejuízo. Nelson acredita que ter o dinheiro do prédio em conta pool é um risco. “Porém, ele também existe quando o numerário está em conta própria mas a administradora tem poderes para assinar cheques”, considera.
A síndica Rosa Maria Sanches Teles concorda. Há mais de 10 anos ela é síndica de um condomínio no Butantã com cem apartamentos. Rosa era conselheira quando o então síndico percebeu, por acaso, que havia problemas com a administradora. “Havíamos adiantado um dinheiro para o porteiro. Ao tentar descontar o cheque no banco, não havia fundos. O síndico e um conselheiro foram ao banco e conferiram a realidade: a administradora estava quebrando e sumindo com o dinheiro de vários prédios.” Rosa acredita que, por agirem rápido e energicamente, o síndico e o conselheiro conseguiram reaver o dinheiro da conta ordinária e do fundo de reserva. “Eles foram à administradora e disseram que chamariam a polícia. Nosso dinheiro reapareceu, mas tivemos reuniões com outros condomínios lesados pela mesma empresa. Houve casos de prédios que tiveram que começar do zero. Não tinham dinheiro nem para pagar água e luz.”
Mas Rosa não se livrou tão cedo dos problemas. Já síndica, ela recebeu a visita de um oficial de Justiça, alegando que o condomínio tinha dívidas com o INSS. Ela se espantou, pois as guias estavam autenticadas pelo banco. “Há nove anos, a dívida era de cerca de R$ 40 mil. Pagamos tudo novamente, parcelado em 24 meses.” Rosa correu atrás do prejuízo: pediu cópias de 12 cheques utilizados nos pagamentos de um ano do INSS dos funcionários. Seis deles haviam sido nominais ao Banco Itaú, e seis nominais a então administradora. “Fui até a ouvidoria do Banco Central. Onde estava o dinheiro, se o tributo não havia sido pago?” O Banco Central concluiu que o condomínio havia sido lesado pelo Banco Itaú. Rosa reuniu toda a documentação e o advogado do condomínio, Michel Rosenthal Wagner, entrou com ação na Justiça. Depois de dez anos, o condomínio foi ressarcido em seis parcelas, mas apenas daquelas pagas ao Itaú. O valor pago à administradora não teve volta, já que a empresa faliu. “Hoje, a administradora não tem mais plenos poderes para mexer na nossa conta. Não sai um centavo sem que eu assine. Por isso, peço aos fornecedores sempre dez dias de prazo para fazer os pagamentos, já que a administradora manda os documentos pelo malote, assinamos e devolvemos”, conta a síndica. Liberdade vigiada – para Rosa, esse é o modelo ideal de parceria entre síndico e administradora. “O síndico deve estar presente para não colocar em risco seu bem e o de todos os condôminos”, afirma.
Dever de vigiar
Para Omar Anauate, diretor de condomínios da AABIC (Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo), a recomendação da entidade é que os condomínios trabalhem com uma conta mista: uma delas movimentada pela administradora e a outra para as aplicações em nome do cliente (movimentada pelo síndico e conselho ou em conjunto com um representante da empresa). Senão, eles podem optar por uma conta exclusiva. “Algumas administradoras oferecem a conta exclusiva como uma forma mais segura de administrar. Mas, uma empresa mal intencionada pode causar danos ao condomínio nas duas modalidades: a conta chamada de pool ou a conta própria”, sustenta Anauate.
Acompanhar detalhadamente as prestações de contas é a melhor maneira de se prevenir de fraudes, acredita o diretor da AABIC: “Invariavelmente, prédios fraudados não têm suas contas bem acompanhadas pelo síndico e conselho. A administradora é uma empresa contratada pelo síndico, ele é o responsável pelas contas e deve verificá-las. Já o conselho tem o dever de fiscalizá-las, é eleito para isso.” O diretor completa que é possível para o síndico acompanhar on-line os recolhimentos do INSS, por exemplo. Outro cuidado é, periodicamente, quando houver volume na conta ordinária, fazer uma transferência do dinheiro para uma aplicação em nome do condomínio.
Para o advogado Michel Rosenthal Wagner, se o síndico é responsável pelas contas, também é dele o dever de escolha da administradora e de vigiar o trabalho da empresa. “Há até casos que parecem fraudes, mas são situações de má gestão. Um exemplo é fazer compras apenas com recibo, sem nota fiscal. Devemos assumir que os condomínios são semelhantes a uma empresa. Se o síndico quer fazer diferente, deve levar o procedimento para ser aprovado em assembleia”, acredita. Deixar a conta do condomínio no negativo é outra situação. Em um condomínio atendido por Michel, os juros viraram uma bola de neve que representou prejuízo de R$ 18 mil para o bolso dos condôminos. Para o síndico, sobrou a destituição do cargo.
Por ação ou omissão o sindico poderá ser alvo de acusação de fraude, salienta o advogado Cristiano de Souza Oliveira: “Por mais que a lei tenha a boa fé como regra geral, a fraude só se evita com honestidade, o que não é detectável por ser uma questão de caráter.” Cristiano aponta que o síndico pode evitar alegações ou acusações, avaliando bem alguns pontos: “Por exemplo, se sua isenção é adequada na situação pela qual o condomínio passa, e não aceitando agrados ou bônus pessoais, os quais poderão ser convertidos em descontos para o condomínio. Poderá ainda avaliar bem a empresa que contratará para prestar um serviço e, se transferir poderes, deverá, ainda que não tenha responsabilidade solidária ou subsidiária, por ser uma aprovação da assembleia, fiscalizar os procedimentos para que o condomínio como um todo não seja prejudicado.”
Matéria publicada na edição 149 ago/10 da Revista Direcional Condomínios
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