“Fui hostilizada e sofri sabotagem, Mas não abandonei o propósito de recuperar o condomínio”

Fernanda Casco Silva, de 53 anos, enfrentou resistência ao promover mudanças substanciais.

Síndica Fernanda Casco Silva

Fernanda Casco Silva: síndica e advogada, ela faz valer as regras da Convenção

Já se foram oito anos desde que comprei um apartamento no Villagio Felicitá, condomínio na região da Mooca, zona leste de São Paulo. Essa decisão iria me levar à sindicatura, mas naquela época tudo o que eu pensava era em morar mais perto do meu escritório de advocacia, no Tatuapé, pois eu atravessava a cidade para trabalhar. Mas tive de adiar a mudança e o imóvel ficou fechado por três anos.

Sou da zona oeste, fui criada em uma casa espaçosa às margens da Raposo Tavares, que não era duplicada na minha infância. A minha diversão e a do meu irmão mais velho era sentarmos no gramado e procurar adivinhar quais carros iriam passar por ali. Um Fusca verde? Uma Brasília azul? Era tudo tão pacato, nunca tivemos conflitos de vizinhança.

O sustento da família, com quatro crianças, vinha da gráfica do meu pai, no mesmo terreno. A minha mãe, sul-mato-grossense, tinha sido freira beneditina, missionária, e bolsista na Sorbonne.

Na volta da França, conheceu meu pai e abdicou dos votos. Ela era doce e compassiva, me levava nas ações sociais que praticava, e costumava dizer: ‘Se você cumprir ao menos os dois primeiros mandamentos da Lei de Deus, já é o suficiente, os demais serão consequência’. Com ela, aprendi a cuidar dos outros e a ser empática.

Aos 13 anos de idade, quis praticar esporte e como não tínhamos muito dinheiro, me inscrevi no São Paulo como militante, que é quando você preenche vagas ociosas em times dos clubes, mesmo sem ser associado. Entrei para o basquete, me destaquei e depois fui jogar no Clube Hebraica. Só que os treinos e viagens interferiram no meu rendimento escolar e meu pai me tirou do basquete. Mas eu já havia aprendido outra lição para a vida toda: assim como no esporte coletivo, as chances de vencer são maiores quando agimos em equipe.

Eu me formei em Direito, trabalhei em algumas empresas, e fui mãe aos 34 anos, mas a união com o pai do meu filho foi breve e retornei à casa dos meus pais com o bebê. Minha mãe tinha a doença de Alzheimer, o quadro progrediu e adiei minha mudança para o imóvel da zona leste para cuidar dela. Somente em 2018 me apropriei do apartamento e levei um choque. O condomínio, uma construção de cerca de 20 anos, com duas torres, 180 unidades e área de lazer, estava numa condição lastimável. Havia problemas estruturais na fachada e estacionamento, portão da clausura da garagem que não funcionava e falta de reserva técnica de incêndio na caixa d’água, entre outros. O ambiente era polarizado, o síndico profissional vivia situações conflitantes com alguns moradores, e um antigo síndico orgânico enfrentava processo de prestação de contas em razão de má gestão.

Talvez o mais sensato fosse correr dali, mas eu precisava recuperar o meu investimento, tinha de lutar por isso. Comecei frequentando reuniões e no final de 2018 me tornei subsíndica. Pelo meu perfil determinado, aos poucos o síndico contratado foi me deixando participar mais e mais da gestão. O que para mim era um intento de cunho pessoal, virou uma missão a favor do coletivo: eu queria cuidar daquele lugar, devolver o bem-estar às pessoas e melhorar a relação de vizinhança. Fiquei obstinada em entender o universo condominial e quando dei por mim, estava apaixonada. Fiz cursos do setor e até já me especializei em Direito Condominial.

Ao estudar o histórico do Villagio, identifiquei alguns entraves para seu progresso, como hábitos arraigados de moradores e funcionários, que teimavam em manter um padrão que não condizia com a Convenção e o Regulamento Interno. O caso do zelador, por exemplo, reflete bem a situação. No posto há 16 anos, ele havia se acostumado à rotina predominante das gestões anteriores, a qual flexibilizava o cumprimento das regras. Benquisto, para não desagradar aos condôminos, que não se atentavam às normas que proibiam que fizesse serviços nas unidades, ele ficava sobrecarregado de tarefas para executar as demandas do próprio condomínio, o que gerou acúmulo de manutenções por fazer .

Tentei quebrar esse ciclo vicioso, mas não obtive resultado. Seria preciso zerar o cronômetro e cuidar do presente e futuro do condomínio. Em conversa com o síndico e com o conselho, optamos por trocar zelador, terceirizada e administradora. Foi como mexer em um vespeiro. Eu não esperava tamanho alvoroço, afinal era um passo em benefício do condomínio. Sofri uma campanha agressiva para deixar tudo como estava, só que teve efeito rebote, reforçou minha coragem. Na assembleia em que houve a aprovação para a troca das empresas, me surpreendi com parte dos condôminos interessada em novos ares no Villagio, o que me deu ainda mais forças para enfrentar o que viria.

Eu fui muito hostilizada e sofri sabotagens de vários tipos, mas não abandonei o propósito de recuperar o condomínio. Depois que as prestadoras foram substituídas, canos apareciam furados à noite, havia inundações, identificações de registros foram arrancadas. Só que os moradores percebiam minha busca por soluções de melhorias e confiaram no meu trabalho. Tanto que em 2020 fui eleita síndica com votação expressiva, o que se repetiu dois anos depois. Mas o êxito da boa gestão não é obra de uma só pessoa. Subsíndico, conselho e moradores passaram a participar mais das questões do condomínio. Formamos uma equipe. E para ‘jogar’ nesse time, contratei um consultor de Análise e Mitigação de Riscos em condomínios, que apontou irregularidades em 83 itens, dos quais 42 já foram revistos e/ou refeitos, como o AVCB, e os outros estão em execução. Corrigimos também um desalinho no abastecimento parcial da caixa d’água pelo poço artesiano e reduzimos em 50% a conta de consumo da concessionária.

Hoje temos um condomínio com fachada bonita, moderna e sem infiltrações, halls e salão de festas reformados, portões mais seguros e sistema de acesso tecnológico. Temos um cronograma de manutenções seguido à risca, e vamos iniciar uma grande obra no térreo por causa das infiltrações na garagem. Nas assembleias, não há mais brigas, e muitos descobriram o lado bom da convivência por meio das festas e happy hour. Ah, sim, a questão financeira: um apartamento custa R$ 480 mil ante R$ 330 mil de quando eu cheguei ao condomínio – esse registro não é para me gabar, é para ilustrar que onde existe trabalho sério, coisas boas acontecem”.

Fernanda Casco Silva, em depoimento concedido a Isabel Ribeiro


Matéria publicada na edição 289 mai/2023 da Revista Direcional Condomínios

Não reproduza o conteúdo sem autorização do Grupo Direcional. Este site está protegido pela Lei de Direitos Autorais. (Lei 9610 de 19/02/1998), sua reprodução total ou parcial é proibida nos termos da Lei.

Autor