Ter unidade em condomínio edilício envolve o uso racional da coisa comum (Código Civil Art. 1.335, II), bem como participação na divisão das despesas cobradas das unidades (Código Civil Art. 1.334, I), de forma justa.
A justeza na divisão das despesas entre os coproprietários de unidades em condomínio edilício trata-se de tema que daria uma excelente tese jurídica e, mesmo assim, ao final, seria improvável que chegasse a um termo justo, ante toda complexidade envolvida.
Nosso legislador entendeu que o justo seria a divisão das despesas pela fração ideal de cada unidade, mas ciente sobre sua complexidade e da injustiça que poderia provocar deixou a cargo das convenções dos condomínios a decisão sobre o melhor a cada um, especificamente (Código Civil Art. 1.336, I).
Embora exista esta possibilidade a esmagadora maioria das convenções condominiais aderiram ao sugerido pelo legislador e introduziram como forma de rateio a fração ideal contida em cada unidade, ou seja, o seu tamanho.
É cediço o conhecimento acerca das suas dificuldades, bem como dos questionamentos que envolvem rateios de despesas condominiais, ante sua dificuldade em trazer justeza. Entretanto existe algumas despesas que sua cobrança incide sobre o que foi consumido, efetivamente, pela unidade, sem levar em consideração o seu tamanho ou quantidade de pessoas que nela reside, o que gera a sensação de justeza.
Entre tais despesas destaca-se as de consumo da água e do gás, que apesar de estarem relacionadas diretamente com as necessidades básicas dos condôminos, sua ausência, inevitavelmente, trará problemas para manter e conservar o condomínio.
Contudo para que este formato de rateio, baseado no consumo real de cada unidade, possa ser praticado é necessário que haja a individualização, ou seja, em cada unidade tenha instalado os medidores de consumo.
Nos condomínios onde não há individualização interna de consumo – do relógio principal até o interior da unidade – seja pela indisponibilidade física, falta de recursos, ou outro motivo qualquer, sua divisão com base no consumo real fica prejudicada e ela enquadrar-se-á nos mesmos moldes dos rateios para as demais despesas – previsão convenção do condomínio ou fração ideal.
O rateio que leva em conta a fração ideal ou o número de unidades do condomínio gera inúmeros questionamentos, pois tanto a divisão do valor pago a fornecedora do serviço pelo número de unidades, como sua divisão pela fração ideal não refletem, verdadeiramente, o consumo de cada unidade.
Por outro lado, nos condomínios que já possuam, ou tenham condições de implementá-la, a individualização interna de consumo o rateio será efetuado tomando como base o que está marcado no relógio medidor de cada unidade, sendo o processo de leitura e cobrança responsabilidade do condomínio, que, geralmente, o terceiriza.
Está leitura individual interna realizada pelo condomínio em nada se correlaciona com a leitura realizada pela fornecedora do serviço que a faz considerando o total entregue ao condomínio, incluído o consumo das áreas comuns.
Como a leitura e a cobrança ficam a cargo do condomínio é comum identificar duas metodologias para realizar os rateios deste tipo de consumo:
– Metodologia 1: divide-se a metragem total consumida pelo condomínio, podendo incluir a área comum, pelo valor pago a fornecedora do serviço (valor da conta) para se chegar ao valor do metro cúbico (ex. R$ 7.061,13 (Valor da Conta) / 1.128.000m³ (Consumo) = R$ 6,26m³), depois de identificado ele é multiplicado pelo valor auferido no medidor da unidade;
– Metodologia 2: Aplicar a metragem do consumo auferida no medidor da unidade de acordo com a metodologia aplicada pela empresa prestadora do serviço (não leva em consideração o valor da conta).
Na metodologia 1, o rateio far-se-á de acordo com o consumido pela unidade sobre o que foi, efetivamente, pago pelo condomínio a fornecedora do serviço levando-se em conta o denominador identificado entre o consumo geral e o valor do metro cúbico cobrado pela fornecedora no mês. Ocorre que este tipo de rateio encontra resistência em algumas administrações, além de questionamentos de condôminos, pois as unidades que não tiverem consumo, as unidades vazias, nada pagariam e seriam subsidiadas por quem consumiu, fazendo com que determinadas faixas de consumo paguem mais do que o valor cobrado pela fornecedora, o que, certamente, não traria justeza nos rateios.
Já na metodologia 2, independentemente do valor pago pelo condomínio a fornecedora do serviço, todas as unidades pagam ao condomínio como se estivessem pagando diretamente a ela (fornecedora do serviço), de acordo com o auferido no medidor. Isto gera a sensação de justeza, pois todos pagam conforme as regras da fornecedora, o que independe de haver ou não consumo.
Todavia, nesta metodologia o valor arrecadado pelo condomínio será maior do que o valor pago a fornecedora do serviço e o excedente, neste caso, não cobrirá as unidades vazias, mas ficará nos cofres do condomínio, o que, também, poderia ser considerado injusto.
Para exemplificar a cobrança nas duas metodologias levaremos em consideração o formato de cobrança da conta de água utilizado pela SABESP (Cia. de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), empresa responsável pelo abastecimento de água em algumas regiões do Estado de São Paulo e que cobra uma tarifa por faixa de consumo em sua prestação de serviço, mesmo para quem nada consumiu.
Sem adentrarmos ao mérito e seu formato a SABESP cobra taxas com valores mínimos de acordo com o consumo. São 05 (cinco) faixas com instituição de valores a cada uma: 0 a 10m³; 11m³ a 20m³; 21m³ a 30m³; 31m³ a 50m³ e acima de 50m³.
(https://www9.sabesp.com.br/agenciavirtual/pages/template/siteexterno.iface?idFuncao=13)
Tomaremos por base apenas os valores atribuídos para as duas primeiras faixas que são definidos pela fornecedora como R$ 54,14 para a primeira e R$ 8,48 para a segunda – Tabela Janeiro/2021.
Ressalta-se que a SABESP cobra o mesmo valor auferido no consumo da água para tratamento de esgoto. Portanto no valor para as faixas supra informadas contempla o valor para água (R$ 27,07/R$ 4,24) e para esgoto (R$ 27,07/R$ 4,24).
Diante disto, pelo fornecimento de água para um condomínio com 10 unidades, a fornecedora do serviço receberá, no mínimo, R$ 541,40, mesmo que, supostamente, 04 (quatro) unidades – 40% do total – nada tenham consumido (ex. desabitadas) e desde que o consumo total não ultrapasse a 100m³ (cem metros cúbicos), o máximo da primeira faixa para cada unidade somados.
Assim, 04 (quatro) unidades nada consomem; 02 (duas) consumiram 10m³ (dez metros cúbicos) cada e outras 04 (quatro) consumiram 20m³ (vinte metros cúbicos) cada, perfazendo 100m³ e o montante devido para fornecedora do serviço será de R$ 541,40.
Ao ratear esta conta entre as unidades do condomínio exemplificado e tomando por base a metodologia de rateio 1, o valor a pagar para cada unidade ficaria da seguinte forma: Valor do metro cúbico R$ 5,414 – 04 unidades não pagariam nada; 02 unidades pagariam R$ 54,14 cada e 04 unidades pagariam R$ 108,28 cada, totalizando R$ 541,40. Portanto algumas unidades pagam pelas que nada pagam. Nesta metodologia o valor pago pelo condômino ao condomínio será variável, de acordo com o valor do metro cúbico identificado no mês – menor consumo, menor o valor do metro cúbico, mas não será maior do que o valor pago para a fornecedora.
Ao trazermos o mesmo exemplo para a metodologia de rateio 2, as unidades que nada consumiram passam a pagar R$ 54,14 cada; as unidades que consumiram 10m³ continuariam a pagar R$ 54,14 cada e as unidades que consumiram 20m³ pagariam a importância de R$ 62,62 cada, perfazendo o montante total de R$ 575,32, ou seja, um excedente, neste exemplo, na ordem de 6% (seis por cento) do valor pago diretamente a fornecedora do serviço, que recebeu R$ 541,40 do condomínio.
Portanto, todos pagam e o excedente sobre o valor pago para a fornecedora do serviço ficará nos cofres do condomínio. Nesta metodologia o valor pago pelo condômino ao condomínio é fixo, de acordo com o valor estipulado pela prestadora de serviço para as respectivas faixas de consumo.
Ao levarmos o exemplo da metodologia 2 a um condomínio que tenha 100 unidades e aplicarmos o percentual apurado poder-se-ia aduzir que ele tem previsão de arrecadar anualmente cerca de R$ 4.000,00 acima do que paga diretamente a fornecedora do serviço de água.
Por óbvio que este percentual será variável, de acordo com o consumo geral do condomínio e interno de cada unidade, todavia não há resquícios de dúvida que o condomínio arrecadará mais do que paga, o que poder-se-ia caracterizar como rateio embutido, descaracterizando a sua justeza.
Salienta-se que tanto a metodologia 1 como a metodologia 2 são utilizadas no rateio do consumo do gás encanado, elevando o valor subsidiado as unidades vazias ou aumentando o valor recebido pelo condomínio.
Apesar de nada impedir que os condomínios adotem metodologia diferente que leve em consideração os mesmos fatores com métodos diferentes ou outros fatores, as duas metodologias apresentadas são as mais comuns quando o assunto é rateio de água e gás nos condomínios.
Embora ambas levem em consideração o real consumido pela unidade, gerando a sensação de justeza na sua cobrança, o valor a ser pago pelo condômino residente nesta unidade poderá não corresponder ao que seu medidor apontou ou o que o condomínio, efetivamente, pagou ao fornecedor do serviço, gerando a sensação de ausência de justeza sobre o valor pago.
Independentemente do modelo a ser adotado é de suma importância que os condomínios que optarem pelo formato em que haja excedente entre o valor arrecadado pelo rateio do consumo e o valor pago a fornecedora do serviço aprovem, em assembleia geral, a destinação correta do montante excedido.
Portanto ao ratear despesas de consumo em condomínios edilícios não há certeza da tão sonhada justeza, mesmo quando seja possível sua individualização e medição nas unidades. Contudo ela poderá ser encontrada por cada condomínio individualmente de acordo com sua interpretação e adaptação.
Por fim, importa ressaltar que o tema se refere a justeza da metodologia aplicada ao rateio do consumo de água e gás e não a sua legalidade, pois não há ilegalidade em qualquer das metodologias, desde que devidamente demonstrado aos condôminos e licitamente aprovada pela assembleia geral.
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