O Brasil deixou de ser um país jovem e a população envelhece rapidamente, em meio ao etarismo e segregação. Condomínios precisam estar preparados para que a pessoa idosa não se limite apenas a ver o mundo da janela. Confira ações para inserir o público 60+ na vida condominial.
Quando o grupo vocal Quarteto em Cy entoou “Pela Luz dos Olhos Teus” ao vivo, em um fim de tarde de março de 2020, para os idosos das varandas de um condomínio da zona sul da cidade, Juliana Moreira sentiu seu coração incendiar. “Eles amaram! Foi o primeiro condomínio em que levei esse evento. O morador mais jovem devia ter 75 anos. Era o início da pandemia e eles estavam isolados e assustados, precisávamos fazer algo. Antes da apresentação, ouvi no meu escritório ‘mas será que eles querem isso?’. Claro que queriam! Não podemos subestimar nem nos esquecer dos idosos”, fala a síndica profissional. “Mas é preciso considerar o público. Eu não poderia levar um DJ ou promover algo à noite. Ali, até assembleias fazemos à tarde”, acrescenta.
Juliana estima que em 15% de sua carteira de condomínios prevaleçam habitantes com 60 anos ou mais, ou seja, uma população idosa segundo definição da Organização Mundial da Saúde (OMS) para países subdesenvolvidos. “Os idosos são fiéis, quando aprovam seu trabalho, recomendam para outros prédios da rua. Eu cuido de cinco prédios de perfil idoso na Vila Olímpia que chegaram a mim dessa forma”, conta. “Sou empática, autorizo que o zelador acompanhe o entregador do galão de água até a unidade. Porém, não aceito abusos, como no caso de uma idosa que queria receber o jornal na porta dela, às cinco da manhã, sendo que ela se locomovia bem”.
Com familiares longevos, Juliana atesta que os mais velhos gostam de diversão, por isso investe em encontros mensais no salão de festas, e organiza festa junina. Pondera, ainda, que é saudável envolver a turma sênior em atividades pró-condomínio. “Em um prédio de condôminos bem idosos, com infiltração na laje, criamos uma comissão de obras que contou com dois engenheiros octogenários, lúcidos e experientes. Eles ajudaram muito, da contratação da empresa à finalização do trabalho”, ilustra. “Nesse mesmo prédio, envolvemos os idosos na modernização do hall, em reuniões com arquiteto, escolha do piso e cor da tinta”.
Em todos os seus condomínios, a síndica agiliza obras de acessibilidade, “que é lei”, como enfatiza, e treina a portaria para lidar com quem tem alguma demência neurodegenerativa. “É muito comum idosos com doença de Alzheimer ligando várias vezes na portaria para dizer a mesma coisa, e o porteiro deve atender sempre como se fosse a primeira vez porque, no entendimento deles, é a primeira vez que ligam”, ensina Juliana.
EQUIPE TREINADA
Síndica orgânica do Maison Thyber, um residencial com muitos idosos, na Saúde, zona sul, Ana Maria Cristina Afonso endossa a necessidade de funcionários bem orientados sobre limitações físicas que podem surgir com a idade ou doenças como Alzheimer. “Muitos idosos moram sozinhos, portanto, somos nós, eu e a equipe, que identificamos mudanças no jeito de agirem e informamos à família”, explica. Em 2018, junto com a equipe, ela participou de um treinamento imersivo com enfoque no idoso em condomínios. “Foi uma virada de chave para todos nós”, reconhece.
Ana Maria relata que já andava preocupada com a situação dos mais velhinhos porque os escutava pedindo desculpas aos vizinhos pela demora de entrar ou sair do elevador. “Eles se sentiam incomodando os demais quando, na verdade, deveriam estar à vontade no espaço que ocupavam há anos”, lamenta a síndica, que logo após o treinamento investiu em ações para resgatar a sensação de pertencimento dos condôminos antigos, e aproximá-los de vizinhos. Uma série de eventos passou a acontecer no salão de festas, como sessões de musicoterapia ou palestras. “Certa vez, após uma palestra com nutricionista, uma senhorinha me enviou pelo WhatsApp a seguinte mensagem: ‘Obrigada, eu estava precisando sair, desabafar’”, emociona-se a síndica.
Na parte prática, a gestora fez obra de acessibilidade e criou protocolos de ação rápida para emergências. “Fiz um recadastramento completo, com dados sobre convênio médico e qual serviço de ambulância acionar. E, com autorização da família, obtivemos cópias da chaves de quem mora sozinho e guardamos em armário acessado por senha e vigiado por câmera. Também orientamos que adotassem a pulseira com botão de emergência para o caso de quedas, pois essa tecnologia faz com que a portaria seja avisada e possamos agir. Não somos os tutores, mas ajudamos porque numa eventualidade somos os primeiros a chegar no apartamento”, esclarece a síndica, que levou a empresa do serviço de pulseiras no condomínio.
Não houve queixas de perda de privacidade no condomínio. Todos perceberam que olhos e ouvidos atentos da equipe dão resultados, como na vez em que a auxiliar de limpeza, ao limpar o corredor, ouviu a cuidadora maltratando uma idosa com demência dentro da unidade e só assim a família pode tomar providências. “Ter esse olhar voltado aos mais velhos traz tranquilidade para todos, e não tem custo. É só treino”, resume Ana Maria.
O trabalho das síndicas Juliana e Ana Maria é exemplar, e crucial num país que já deixou de ser jovem. Nadir Francisco do Amaral, de 66 anos, presidente do Conselho municipal de Direitos da Pessoa Idosa do município de São Paulo (CMI-SP), defende que é urgente debater sobre a população 60+ em condomínios. “A cidade tem 12 milhões de habitantes e quase 20% da população é idosa, índice que dobrará em alguns anos. Boa parte reside em condomínios, mas, o que está sendo preparado para os idosos de hoje e do amanhã? Veremos a vida da janela? Essa questão precisa ser discutida pelas entidades do setor e pelos próprios condomínios”, conclama. “Nós estamos vivos, pagamos a taxa condominial em dia, mas somos vistos? Nem a mídia de elevador traz rostos mais vividos”.
No passado, durante anos Nadir foi síndico orgânico de um condomínio na Bela Vista, com 85% de idosos. “Como eram pessoas solitárias, passei a organizar encontros quinzenais para batermos papo e tomarmos chá com bolo, uma medida eficaz de combater o isolamento social”, conta. Aos síndicos de hoje, ele sugere promover aos idosos sessões de acupuntura, aulas de cerâmica, pintura e teatro, além de letramento digital com auxílio da juventude do condomínio, estimulando a intergeracionalidade. Nadir também sugere viabilizar a vacina contra herpes–zóster (com desconto ou parcelamento) e a aquisição de remédios separados por dose, data e horário, serviço oferecido por algumas farmácias. “Existem oportunidades de se fazer muito pelos idosos, desde que se enxergue esse público”, finaliza.
Matéria publicada na edição-305-out-24 da Revista Direcional Condomínios
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Jornalista apaixonada desde sempre por revistas, por gente, pelas boas histórias, e, nos últimos anos, seduzida pelo instigante universo condominial.