Lives na internet ajudam síndicos a tirar dúvidas durante a quarentena

Com a quarentena e o isolamento social motivados pela necessidade de controlar a pandemia do novo Coronavírus (Covid-19), a rotina dos síndicos e condôminos mudou rapidamente, trazendo novos desafios mediante um problema ainda desconhecido por todos nós.

Síndicos tiverem que tomar medidas para tentar garantir a saúde de todos e ainda respeitar os direitos individuais, às vezes contrariando a vontade de alguns condôminos, que, infelizmente, não aceitam as medidas ou não entendem a gravidade da situação. Isso tem gerado um estresse a mais para todos.

Os síndicos, na tentativa de acertarem suas decisões, buscaram informações com especialistas e na internet, já que em nossa literatura não temos nada parecido.

Recebi inúmeras perguntas, comentários e posicionamento de síndicos e, para responder a todos esses questionamentos e poder sanar algumas dúvidas, resolvi fazer uma série de lives através das redes sociais com participação de especialistas, para que todos interessados possam participar e tirar dúvidas.

Em um primeiro encontro virtual, com o advogado Leandro Leal, os temas giraram em torno dos esforços dos síndicos no sentido de dar as melhores respostas em seus condomínios, se reinventando e se ajustando às necessidades do momento. Os condomínios têm perfis e realidades diferentes, o que demanda uma boa comunicação e o bom senso por parte de todos para as adequações necessárias. Entretanto, alguns assuntos são mais difíceis, pois não há um consenso entre síndicos e os especialistas do segmento.

A seguir, apresentamos os principais temas desenvolvidos nessa primeira live, promovida na última semana do mês de abril.

– As interdições de áreas comuns e o limite da autoridade dos síndicos

Foi a primeira medida que os síndicos tiveram que tomar devido à possível contaminação pelo novo Coronavírus, porém, no início, alguns condôminos não aceitaram e questionaram a autoridade do síndico para tal medida, incluindo o direito de propriedade e até de ir e vir.

Já imaginaram se as áreas não tivessem sido interditadas? No mínimo, muitos condôminos estariam nas piscinas, academias, quadras etc., colocando todos em risco.

O Código Civil já possui uma previsão legal, no seu Art. 1.348, que possibilita aos síndicos adotarem medidas a exemplo do que estão fazendo agora na interdição das áreas comuns. Pois, conforme o:

“Art. 1.348. Compete ao síndico:

I – Convocar a assembleia dos condôminos;

II – Representar, ativa e passivamente, o condomínio, praticando, em juízo ou fora dele, os atos necessários à defesa dos interesses comuns;

III – Dar imediato conhecimento à assembleia da existência de procedimento judicial ou administrativo, de interesse do condomínio;

IV – Cumprir e fazer cumprir a convenção, o regimento interno e as determinações da assembleia;

V – Diligenciar a conservação e a guarda das partes comuns e zelar pela prestação dos serviços que interessem aos possuidores;

VI – Elaborar o orçamento da receita e da despesa relativa a cada ano;

VII – cobrar dos condôminos as suas contribuições, bem como impor e cobrar as multas devidas;

VIII – prestar contas à assembleia, anualmente e quando exigidas;

IX – Realizar o seguro da edificação.”

Além disso, estamos tratando de um momento excepcional e que envolve uma doença contagiosa e muito perigosa.

O Brasil dispõe ainda de decretos que reconhecem o Estado de Calamidade Pública atual, a quarentena e medidas de controle para não haver aglomerações definidas pelos Estados e Municípios. Possui ainda recomendações do Ministério da Saúde, das Secretárias Estaduais e Municipais. Nesse sentido, há um consenso de síndicos e especialistas para a interdição das áreas comuns.

O que não pode haver é o abuso, como aconteceu em alguns condomínios, onde o síndico tentou proibir o uso do elevador ou colocando informes discriminatórios nos quadros e display de avisos.

– Prorrogação do mandato do síndico

A quarentena foi decretada no período onde se realizam muitas assembleias ordinárias, que envolvem, entre outros assuntos, a prestação de contas e a eleição do síndico.

Como algumas já estavam convocadas, não teve outro jeito a não ser cancelá-las, deixando em aberto como ficaria a regularização da ata necessária para os síndicos realizarem movimentações bancárias. Assembleias que não tinham sido convocadas, foram adiadas sem maiores problemas. No início, os bancos tiveram alguma resistência a aceitar essa nova situação, porém, depois concordaram em prorrogar as atas anteriores, sem, no entanto, renunciar a que haja um prazo para se realizar essas assembleias.

Houve um consenso entre síndicos, administradoras e especialistas em não realizarem as assembleias nesse momento, em respeito à quarentena, isolamento e distanciamento. Vale lembrar que em muitos condomínios ainda não foram realizadas as assembleias e o síndico tem seu mandato válido.

– Assembleias virtuais

Com a impossibilidade de realização das assembleias presenciais, renasceu o antigo debate sobres se as assembleias virtuais seriam o caminho?

Durante a live, discutimos as questões práticas, como as plataformas que já são utilizadas há alguns anos por algumas administradoras no Brasil e algumas adaptações que estão sendo feitas nesse momento, gerando uma certa insegurança. Também se discutiu a questão de perfil de pessoas que possam ter dificuldades para usar esse sistema, como é o caso de alguns idosos, além da estabilidade na internet e energia elétrica.

O fato é que as administradoras e síndicos vêm realizando essas assembleias virtuais sem problemas até o momento.

O que mais gera discussão em relação ao assunto é a questão jurídica, pois alguns especialistas veem a possível impugnação futura dessas assembleias, enquanto outros não entendem assim. Na verdade, sentimos, durante os debates da live, que os síndicos têm vontade de usar essa ferramenta e até avançar nas tecnologias, no sentido de modernizar seus condomínios e trazer uma alternativa mais confortável aos seus condôminos.

Há especialistas que afirmam que teremos vantagens com o formato virtual, pois ele aumentaria a participação dos condôminos e não teríamos as intermináveis desavenças e baixarias das assembleias presenciais.

Mas é preciso um período de adaptação, adotando-se assembleias mistas (presencias e virtuais). Seria um período de transição para os condôminos interagirem com as plataformas, dando tempo, ainda, para algum ajuste na legislação, proporcionado as garantias jurídicas necessárias à assembleia virtual. Essa foi uma das principais sugestões coletadas durante a transmissão da live.

De forma unânime, todos concordaram que esse será o formato predominante no futuro em relação às assembleias dos condomínios, pois hoje é cada vez mais comum o uso das tecnologias e internet em nosso dia a dia. A quarentena está nos mostrando isso – com reuniões on-line, lives, pessoas trabalhando home office, vídeos conferências e até o poder publico fazendo votações à distância, além das transações bancárias e uso de aplicativos para pedir carro e alimentos, entre outros.

Os condomínios precisam avançar nesse sentido, pois estamos atrasados, quando nos comparamos a outros países. Com o uso das tecnologias, a gestão ficará mais rápida, transparente e teremos custos mais baixos nos condomínios.

É questão de boa vontade e união de todos para que isso aconteça em curto espaço de tempo.

– O projeto de Lei 1179/2020

Durante a live, falou-se sobre o Projeto de Lei, que está aprovado no Senado Federal e já foi enviado para Câmara dos Deputados, lembrando que é emergencial e transitório.

Entre outros pontos, com base no PL, o síndico terá mais poderes para resolver as questões ligadas às áreas comuns. O dispositivo trata ainda da assembleia virtual, entre outros. Na live pudemos explanar os artigos pertinentes e discutir os prós e contras.

Houve consenso que este é um bom PL, que, se aprovado, irá facilitar a vida dos síndicos nesse período. Porém, o que se questiona é a demora na sua votação, já que é urgente.

– Inadimplência e o desconto na taxa condominial

Sabemos que, com a quarentena, muitos condôminos não estão conseguindo trabalhar e gerar renda, o que já está gerando inadimplência nos condomínios; muitos calculam que a situação poderá piorar. Diante desse cenário, os condôminos começam a pressionar os síndicos para dar descontos nas taxas condominiais. O que fazer?

Em primeiro lugar, vale ressaltar que as despesas do condômino nada mais são que o rateio das despesas do local onde ele vive, ou seja, mesmo nessa pandemia, as despesas não diminuíram para os condomínios. Pelo contrário, há relatos que algumas despesas estão aumentando, como a conta de água, já que as pessoas estão fechadas dentro de casa, cumprindo a quarentena e, automaticamente, consumindo mais.

Não há que se falar em desconto nesse momento, pois o caixa do condomínio terá problemas. A melhor saída é a negociação com parcelamento. Mesmo nesse momento, muitos condôminos, mesmo com dificuldades, estão pagando suas taxas em dia.

Não sabemos quanto tempo irá durar essa crise, no entanto, o síndico deverá acompanhar a inadimplência e administrar bem esses casos, com a ajuda da administradora e da área jurídica. Durante a live, também se falou em desconto por pontualidade, mas a recomendação é a de que não seja feito, pois, assim como o caso do desconto, seria uma irregularidade. Entraram em debate ainda questões ligadas às garantidoras de créditos (tema de uma próxima live).

– Paralisação de arrecadação do Fundo de Reserva e de taxas extras

Outra demanda dos condôminos é a de que os síndicos tomem medidas relacionadas ao cancelamento de taxas extras, com as de obras, e do Fundo de Reserva. O que se destaca é que elas terão que ser bem calculadas e compartilhadas com os conselheiros.

Algumas possibilidades foram apresentadas durante a live:

A) No caso do Fundo de Reserva, utilizá-lo somente se o condomínio tiver um bom valor neste fundo, suspendendo-o, assim, por um período de três meses, para posterior reavaliação;

B) Em relação às taxas extras, é preciso verificar a destinação dessa arrecadação, pois o condomínio talvez já tenha compromisso com um prestador de serviços. Desta forma, o que se pode é tentar uma negociação junto ao fornecedor para prorrogar os pagamentos e, assim, suspender a arrecadação, mesmo porque muitas obras não poderão ser realizadas nesse momento. É um caso para o síndico analisar em conjunto com os seus pares, com muito critério, antes de tomar as decisões e, se dentro do possível, ratificá-las em uma próxima assembleia.

Para nossa surpresa, durante a live, alguns síndicos informaram que já tomaram essas providências e está tudo correndo bem em seus condomínios.

– O fim do isolamento ou flexibilização das áreas comuns

Infelizmente, parte de nossa população já não está cumprindo a quarentena e vem saindo para as ruas. Em São Paulo, a adesão está muito abaixo do necessário, isso já está se refletindo em condomínios, pois os moradores estão pressionando os síndicos para liberarem as áreas comuns. Estão confundindo quarentena com férias.

Os riscos são enormes, pois os síndicos devem manter as áreas interditadas e seguir as recomendações das autoridades competentes. Nos condomínios onde se confirmaram um ou mais casos, as pessoas entraram em pânico. É importante lembrar que temos os grupos de riscos, além de crianças, que possuem o hábito de pôr a mão em todos os lugares e levar à boca.

Os síndicos devem manter a postura firme e cuidar para que não haja contaminação no condomínio e, quando houver, gerencie essa situação com tranquilidade e reponsabilidade. Sabemos que as pessoas já estão cansadas de ficar presas dentro de suas casas, estão irritadas e tudo isso causa estresse. Mas cada um tem que colaborar fazendo a sua parte para sairmos bem dessa pandemia. Acredito que, devido a essa fase de difícil aprendizado para todos, os bons síndicos sairão fortalecidos, pois estão tendo que aprender a lidar com situações nunca vistas antes. Condomínio em geral já possui seus problemas mais comuns; agora, com esses novos desafios, tenho certeza de que todos iremos vencê-los.


Matéria complementar da edição – 256 – maio/2020 da Revista Direcional Condomínios

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Autor

  • Mauricio Jovino

    Instrutor titular dos cursos de formação de Síndico Profissional e Administração de Condomínios pela Tecnoponta, de São Paulo e Santos, entre outras entidades. É instrutor também de cursos de gestão de edifícios e de formação de gerentes prediais. Atua como palestrante, articulista e apresenta quadros regulares em programas de TV na web. Criou e dirige o portal Condomínio em Foco.

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