Até que ponto um proprietário em condomínio tem o direito de explorar a propriedade de forma lucrativa, utilizando de uma estrutura que não é somente mantida por ele e pelo resultado da sua locação?
A revolução está acontecendo. Quem esperou ou espera acontecer, ela está aí modificando comportamentos, oferecendo opções, facilitando a vida, encurtando processos e aproximando os interesses das necessidades. Essa revolução é, de fato, comandada pela tecnologia.
O nascimento das ferramentas a se criar e aplicar meios virtuais em aplicativos de acesso, a produtos e serviços, está transformando as relações entre coisas e pessoas e oferece uma maior possibilidade de usar e fruir do que temos disponível. Aqui nos interessa para o momento cuidar da locação imobiliária e suas variantes.
A locação imobiliária já foi, no Brasil, um negócio em dias de cinzentos tempos em que a legislação não colaborava para incentivar a disponibilidade de imóveis e, por outra via, dificultava a livre fruição da propriedade quando, por circunstâncias pontuais, o proprietário ou o locatário ficavam “presos” a uma relação jurídica abusiva e tormentosa. Os tempos corrigiram essas distorções. Uma Lei mais arrojada e completa foi aprovada em 1991, a nossa atual Lei do Inquilinato ou de Locação (Lei Federal 8.245/91), e as relações entre locatários e locadores foram se ajustando um pouco mais na linha do equilíbrio e do justo.
A criatividade, mais uma vez, vem de encontro a momentos onde paira a carência generalizada de negócios e oportunidades. Um lado, com imóveis disponíveis, o outro, com necessidades mais específicas e pessoais, nascem então os sistemas virtuais de aproximação desses interesses por aplicativos de Internet, como o conhecido Airbnb e outros que permitem o que estamos vendo, o fracionamento das relações locatícias.
Uma parcela entende que é uma locação por temporada típica e um direito inscrito na lista dos direitos que um proprietário tem no uso e fruição do modelo de negócios. Outra parcela entende que é abusiva a locação por temporada nesse modelo, quando esta acontece em condomínios, especialmente os residenciais, pois esse tipo de propriedade possui desdobramentos no uso e fruição quanto a vagas de garagem, áreas, partes e equipamentos de uso comum, segurança ativa e passiva, conforto e privacidade dos demais condôminos, quando estes são submetidos ao convívio em caráter rotativo e sazonal no ambiente do condomínio. Existem interpretações que levam ao entendimento de que esse tipo de locação não é locação, e sim serviços de hotelaria. Inclusive, nessa ótica, nem é regulada pela Lei 8.245/91 (Lei de Locação), mas sim pelo capítulo do Código Civil que trata da prestação de serviços em hotelaria.
Analisando a questão, de fato, nem toda locação por meio de aplicativo é locação para temporada, pois essa modalidade de locação está definida textualmente nos Artigos 48 a 50 da Lei nº 8.245/91, em que se define, com meridiana clareza, que locação para temporada somente é definida como aquela destinada ao lazer, destinada a tratamento médico ou destinada a estudos para formação intelectual, feitura de obras em seu imóvel e outros fatos que advenham de um tempo não superior a noventa dias.
Outra questão que não tem como passar sem importância é o uso para cessão onerosa da propriedade, que tem todas as características do serviço de hospedaria, inclusive com ares de serviços, pois inúmeras das locações de dormitórios e espaços afins incluem o uso da cozinha, lavanderia e outras benfeitorias.
A questão maior não é defender teses a respeito ou ser a favor do modelo oferecido pelo aplicativo, do direito purista ou do direito individual de cada um, seja de quem quer oferecer seu imóvel ou parte dele à locação ou de quem não quer pessoas estranhas circulando e usufruindo de partes, coisas e áreas comuns do seu condomínio. Permanece o questionamento: Até que ponto um proprietário em condomínio tem o direito de explorar a propriedade de forma lucrativa, utilizando de uma estrutura que não é somente mantida por ele e pelo resultado da sua locação?
Nesta discussão ainda não merecidamente maturada, ficamos com o entendimento de que a melhor saída é os proprietários usufruírem da propriedade na universalidade do que ela lhe permite, guardando uma contrapartida para que o possível uso desta em condomínio não seja abusivo, não patrocine o enriquecimento ilícito.
Não temos dificuldade de entender que a propriedade em condomínio vislumbrou a justa divisão dos direitos e deveres entre condôminos, mas passou distante da ideia de que as inovações tecnológicas, a mudança do comportamento, da necessidade de cada um, fariam as relações entre condomínios e proprietários um binômio de interesses que devem convergir para o justo sem que nenhum dos lados se favoreça ou iniba o outro pagando uma conta injusta.
Os condôminos têm procurado alternativas legais alterando seus regulamentos para coibir o uso da propriedade, diferentemente do previsto na especificação do condomínio na forma originária, o que, a nosso ver, não responderá na medida necessária a tal questão. A proibição sumária ou a permissividade omissa são dois extremos que não permitirão o uso racional, útil e inteligente da propriedade. O horizonte da questão indica que novas regras serão criadas e, mais a mais, se viabilizará a assunção do direito e do justo nesta relação. A mesma inteligência que criou essas inovações tecnológicas também é e será capaz de pensar soluções justas para a divisão de direitos e obrigações nestas relações.
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