Locações por temporada no condomínio residencial (Airbnb e outros): Medidas que a coletividade pode ou não adotar

Vivemos um momento no País em que a interpretação das leis tem ocorrido sob o calor do anseio popular. Esquecemos, por vezes, que o Brasil possui regras claras, assim como outros países, sobre locação, em especial aquela por temporada.

Qualquer adaptação restritiva à locação dos imóveis, como em apartamentos de condomínios edilícios, deve partir tão e somente da iniciativa legislativa do Congresso Nacional; nunca de uma deliberação de assembleia.

Senão vejamos:

1) A Constituição Federal, em seu Art. 5º, Caput, diz ser inviolável o direito à propriedade, o qual é garantido ainda pelo Inciso XXII, devendo a propriedade atender à sua função social. Já o Inciso II determina que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

A Constituição estabelece ainda, no Art. 170, Inciso II, que a ordem econômica será fundada na livre iniciativa, observado o princípio da propriedade privada.

Doutrinariamente, sabemos que a propriedade representa a união do domínio mais a posse. E esta, conforme determina o Código Civil brasileiro, é exercida por aquele que usa e goza do imóvel (Art. 1.196 c/c 565), com base em deveres do proprietário perante o condomínio (quando da locação, por exemplo, preservar a salubridade, segurança, sossego e bons costumes /Art. 1336, Inciso IV); assegurando ao proprietário o direito de usar, fruir e dispor livremente de suas unidades (Art. 1335, Inciso I).

2) Isto posto, observa-se, por sua vez, que a Lei de Locação permite ao locatário dispor temporariamente do imóvel a outro, tanto para o lazer quanto durante um curso rápido, tratamentos de saúde, hospedagem de pessoas impossibilidades de usar suas casas durante uma obra, entre tantos outros fatos que transcorrem tão e somente em um determinado período de tempo. Esse tipo de locação não pode ser contratado por prazo superior a noventa dias, esteja ou não mobiliado o imóvel (Art. 48 da Lei de Locação).

Com base nesse dispositivo, inexiste qualquer restrição prevista nesta legislação ao compartilhamento imobiliário feito através de aplicativos de internet, sequer nos limites em que o condomínio pode disciplinar em Convenção, previstos no Art. 1334 do Código Civil. Pois, ainda que as Assembleias sejam soberanas, é certo que as deliberações não podem ser ilegítimas ou ilegais.

De outro lado, discordo da interpretação corrente de que o uso deste tipo de aplicativo poderia afrontar a segurança condominial (uma adaptação que deve ser feita pela coletividade para proteção natural da propriedade); ou mesmo desvirtuar a destinação do imóvel (que não deixa de ser residencial; tal argumento não pode ser confundido com o uso econômico da propriedade, também permitido por lei por meio de locação/compartilhamento da posse imobiliária).  

Um condomínio é uma sociedade intramuros, seu gestor deve avaliar sempre os interesses de sua coletividade com transparência e ética, sem perder de perspectiva o dinamismo que vivemos, em termos de conceitos, posicionamentos e hábitos. Assim, o gestor deve observar os anseios de seu grupo e agir para que eles se adaptem às mudanças, que são inevitáveis.

Como então preservar o patrimônio de todos???

APPs (aplicativos), mídias sociais, softwares, entre outros, podem até causar um desconforto inicial à coletividade, porém, se não proibidos por lei, o condomínio deve integrá-los à realidade. Não há como restringir a utilização do imóvel (área privativa), sequer por deliberação de Assembleia, como nos casos de locação temporária realizadas através de aplicativos.

Mas essa coletividade pode adotar medidas que garantam a paz local, inicialmente, responsabilizando o proprietário por danos em áreas comuns que venham a ocorrer durante esse tipo de uso. Em seguida, pode-se exigir a comunicação prévia de um novo ocupante para acesso à portaria e, por fim, dispor de um cadastro atualizado de condôminos e moradores, especialmente de locatários que subloquem as unidades fora das regras definidas em lei.

Não podemos nos esquecer ainda que, assim como ocorre nas adaptações mediante o uso de outras tecnologias, diretas ou indiretas, o condomínio precisa se adequar, uma vez que a regra maior ao se viver em coletividade é que está havendo um investimento compartilhado. Ou seja, por princípio, todos rateiam despesas pela garantia do uso da propriedade.

Quanto aos impactos econômicos gerados à sociedade no tocante ao mercado de locação e hospedagem, também deve haver adaptações, tais como têm ocorrido com aplicativos como o Uber e o Cabify na área de transportes. Destaca-se ainda que para imóveis litorâneos ou situados em áreas turísticas nas montanhas, este assunto não é novo, e sempre houve locação por temporada, às vezes só por um final de semana ou feriado prolongado.

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Autor

  • Cristiano de Souza Oliveira

    Advogado e consultor jurídico condominial há mais de 28 anos. Mediador Judicial e Privado cadastrado perante o CNJ. Integra o quadro de Câmaras de Mediação e Arbitragem no campo de Direito Condominial. É Vice-Presidente da Associação dos Advogados do Grande ABC, Membro do Grupo de Excelência em Administração de Condomínios - GEAC do CRA/SP, palestrante e professor de Dir. Condominial, Mediação e Arbitragem, autor do livro "Sou Síndico, E agora? Reflexões sobre o Código Civil e a Vida Condominial em 11 lições" (Editado pelo Grupo Direcional em 2012). Sócio-diretor do Grupo DS&S. Diretor do Instituto Educacional Encontros da Cidade – IEEC. Já foi Presidente da Comissão de Direito Administrativo da 38ª Subseção da OAB/SP – Gestão 2016-2018 / Presidente da Comissão de Direito Condominial da 38ª Subseção da OAB/SP – Gestão 2019-2021 / Ex - Membro na Comissão de Direito Condominial do Conselho Federal da OAB e da Comissão da Advocacia Condominial da OABSP –2022.

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