Má gestão do síndico comprovada por auditoria (e sua importância)

Confesso para vocês que, para mim, como advogada da área condominial, ter que notificar extrajudicialmente um profissional da área de condomínios, principalmente da sindicatura profissional pela sua má gestão, é muito triste, ainda mais porque também tenho como segunda profissão a de síndica, e sei das nossas responsabilidades e obrigações, sei de toda a expectativa da massa condominial sobre a nossa atuação; infelizmente isso compromete a imagem de não um só profissional, mas de toda a classe de síndicos.

Fomos procurados por um dos nossos condomínios assessorados mensalmente para uma notificação, que foi a medida inicial que sugerimos em relação ao caso de um ex-síndico e em relação à atuação deste profissional, que esteve na gestão do prédio por quase dois anos, quando em assembleia geral designada, o mesmo manifestou desinteresse na continuidade do cargo.  

Naquela assembleia em que manifestou o desinteresse pelo cargo, o síndico apresentou a prestação de contas referente ao período que exerceu, tendo sido tais contas reprovadas pela assembleia de condôminos.

Lembro a vocês que, dentre as competências do síndico previstas no Art. 1.348 do Código Civil de 2002, encontra-se a prestação de contas relativa à gestão condominial.  

O síndico, logo após o encerramento da prestação de serviços, contratou uma empresa de auditoria, para que, de forma acurada, analisasse as pastas contábeis, os recebíveis, os contratos firmados, dentre outros atos formalizados durante a sua gestão condominial.      

Infelizmente, a empresa contratada apresentou o resultado do trabalho, identificando incorreções no período de gestão, os quais careciam de esclarecimentos a serem prestados pelo ex-síndico, sob pena da negativa na prestação de contas por parte da assembleia a ser convocada para somente este fim, além da responsabilidade incidente que poderia resultar, incluindo o dever de reparar danos, se houvesse, ou restituir erário ao condomínio, se fosse o caso.

Acho interessante demonstrar para vocês quais foram as incorreções que foram apresentadas e identificadas no laudo, pois, infelizmente, todo condomínio está à mercê de passar por estas situações quando tem um mau gestor.

Assim, tendo como suporte técnico/fático, o relatório de auditoria, nós do jurídico arrolamos alguns pontos a serem esclarecidos e/ou justificados pelo ex-síndico naquela época. Será que algum de vocês leitores já vivenciaram estas circunstâncias? E como deveríamos agir diante delas?

Ponto I

Do levantamento das inconsistências existentes no condomínio, foi apontado que em alguns períodos estavam ausentes as assinaturas dos conselheiros nos balancetes de prestação de contas, e que ainda, em alguns períodos, as prestações de contas foram assinadas somente por um dos conselheiros ou apenas pelo ex-síndico.

Isso é correto amigos leitores?  

Claro que não! É notório que os conselheiros possuem papel de grande importância no condomínio, incumbindo-lhes a conferência periódica das contas, comparando-as com os comprovantes originais, de analisar as contas apresentadas pelo síndico, sobretudo, competindo-lhes a autorização do síndico a efetuar despesas extraordinárias não previstas no orçamento.

Assim, a evidência de que a autuação do Conselho é efetiva e de que cumpre com suas prerrogativas é justamente a oposição da assinatura dos conselheiros junto aos relatórios apresentados pela administração e pelo síndico. Assim, devem todos os livros de prestação de contas do condomínio ser encaminhados para análise e assinatura dos conselheiros.

Ponto II

Apontou a auditoria que, em que pese referida contratação da empresa de instalação elétrica tenha se submetido à aprovação em assembleia, os pagamentos não consideraram a necessidade de retenção de impostos relativos à CSLL, PIS, COFINS e ISS.

Foi apontado ainda que, no caso, a retenção do ISS foi realizada tão somente por ocasião do último pagamento, e restou ainda identificado que, muito embora tenha ocorrido a retenção do valor do ISS junto á última parcela do contrato, o pagamento de referido imposto não restou identificado junto à Prefeitura daquela cidade, órgão responsável pela recepção de referido numerário.

Mas isso não está correto? Não!

Explico: o imposto, uma vez retido do pagamento, e não recolhido, poder vir a caracterizar apropriação indébita, além de caracterizar pendência junto à Receita Federal.

Assim, na notificação, requisitamos ao ex-síndico que fosse apresentado o comprovante de recolhimento de referido imposto para que se pudesse diligenciar junto à prefeitura daquela cidade para a respectiva baixa, evitando, inclusive, a propositura de Ação de Execução Fiscal.

E ainda notificamos que, caso não tivesse sido efetuado os respectivos recolhimentos de referido numerário, que ele realizasse o imediato pagamento sob pena de arcar com todo o ônus que pudesse vir a incorrer sobre o condomínio. Justo não?

Ponto III

Também foi identificado pagamento de pessoas físicas através de recibos sem emissão de nota fiscal e/ou RPA, e essa é uma das omissões que mais encontro quando somos procurados pela má gestão de um síndico profissional ou orgânico.

Lembro que, somado a isso, restou identificada uma contratação no montante de R$ 20 mil reais para manutenção e ativação de 24 postos de iluminação, instalação de 24 luminárias com lâmpada de LED, além de outros serviços, incluindo o acompanhamento da redução dos gastos com energia durante 180 dias, e que o contrato foi firmado em nome da empresa X, no entanto, o pagamento restou realizado em favor de pessoa física de nome Y.

Mas isso não pode doutora? Não!!!!

A falta de emissão de nota fiscal caracteriza ocultação de receita (sonegação), expondo o condomínio a risco contingencial, por se solidarizar com a prática, ainda que indiretamente.

Já no tocante aos trabalhadores autônomos, em especial aqueles casos em que os serviços se dão de forma habituais, a emissão dos RPA (Recibos de Pagamento a Autônomos) visa a evitar o reconhecimento de vínculo de emprego, já que o condomínio poderá vir a ser exigido ao pagamento de encargos sociais e fiscais, além de verbas trabalhistas.

Portanto, se fez necessário notificar o ex-síndico para que prestasse os devidos esclarecimentos, sobre a ausência de exigência de Notas Fiscais ou RPA dos serviços acima apontados, bem como que prestasse esclarecimentos quanto aos pagamentos efetuados em favor de pessoa diversa da contratada.

Ponto IV

No relatório técnico apresentado à título de auditoria foram identificadas, ainda, inúmeras contratações de pessoas jurídicas, principalmente relacionadas à prestação de serviços e compra, sem a devida emissão de nota fiscal.

Tratando-se de prestação de serviços, a emissão de Nota Fiscal contra a razão social do condomínio e a respectiva retenção fiscal é imprescindível.

Assim, notificado, o ex-síndico ficou também para prestar esclarecimentos quanto ao tópico em questão, bem como sobre a recorrência da contratação de tais serviços, especialmente quanto à ausência de emissão de nota fiscal pelo prestador de serviços.

Ponto V

A auditoria também identificou que o condomínio, quando da gestão pelo ex-síndico, não estava adotando a prática da retenção do Fundo de Reserva.

Sabemos que a finalidade da constituição do Fundo de Reserva é garantir que, em meio a uma circunstância eventual e emergencial, o condomínio honrará com o pagamento de despesas imprevistas, ordinárias ou extraordinárias.

Somado a isto, por expressa previsão em Regulamento Interno daquele condomínio, sua utilização será “única e exclusivamente às despesas extraordinárias de conservação e melhoria, e as outras, de emergências, não previstas no orçamento anual”.

Considerando a expressa previsão regimental quanto à obrigatoriedade de retenção do Fundo de Reserva, requisitamos na notificação ao ex-síndico, que prestasse os devidos esclarecimentos, sobre o descumprimento da norma referida.

Ponto VI

Considerando que o erário deste condomínio era/é de uso coletivo, que tem por escopo pagar despesas ordinárias e extraordinárias, devendo a arrecadação ser aplicada em conformidade às deliberações assembleares, limitadas pelos mandamentos da Convenção e da legislação vigente, e não obstante, considerando que as despesas não são pessoais do síndico ou da administradora, e em nome da boa governança, correto seria ter a apresentação de orçamentos, que justificariam as contratações realizadas pelo ex-síndico e o pagamento de determinadas despesas.

Porém, aquela auditoria apurou a ausência de tomada de preços para as inúmeras contratações da parte do condomínio no exercício da gestão daquele síndico como gestor, e, portanto, necessário que ele também justificasse as contratações.

Assim, não sobrou alternativa ao condomínio em nos procurar para notificar o ex-síndico para consolidar a situação de necessária apresentação de esclarecimentos e posteriormente recomposição de valores apurados pela auditoria em favor do condomínio, em se apurando prejuízos em decorrência de falhas na gestão na qualidade de síndico, e deixamos este ciente que, em havendo prejuízos decorrentes da referida ausência, o então notificado responderia na forma dos artigos 186 e 927 do Código Civil.

Nós, mesmo em casos em que há provas irrefutáveis do dano etc., sempre observamos as garantias constitucionais da ampla defesa e contraditório, e damos oportunidade ao notificante para se manifestar.

Vejo hoje milhares, literalmente, de pessoas querendo avançar na profissão de síndico profissional, mas se esta pessoa não tiver preparo e não for uma profissional de boa índole e trabalhar com retidão, será uma missão quase impossível fazer uma boa gestão. Uma boa gestão de condomínios é fundamental para o equilíbrio do condomínio e para garantir uma boa convivência com os moradores e a saúde financeira.

Sempre aconselho aos meus assessorados que, além do acompanhamento mensal da assessoria do jurídico, que tenham uma auditoria contratada para um trabalho mensal: sai muito barato para cada unidade e vale muito a contratação, pois as auditorias de condomínios são responsáveis por identificar possíveis fraudes por parte da administração e para propor melhorias na vida dos moradores.

Além dos casos de fraudes, a auditoria de condomínio pode analisar se a gestão condominial é ou não eficiente. Se as contas não batem e você desconfia de cobranças desnecessárias, é o momento de entender de onde vem o problema. E para isso, a auditoria é essencial.

A auditoria de condomínio também auxilia o próprio síndico, que por meio dos resultados apontados pode identificar se o caminho que está tomando é o mais correto e viável para todos. Uma auditoria eficiente é completamente capaz de diminuir os riscos tanto para os condôminos, que terão maior transparência em relação às contas, mas também para a segurança de síndicos e administradores.

Eu, quando atuo como síndica, realizo meu trabalho somente se eu puder contar com uma auditoria mensal, e agora vocês entendem um pouco mais o porquê, não é?


Não reproduza o conteúdo sem autorização do Grupo Direcional. Este site está protegido pela Lei de Direitos Autorais. (Lei 9610 de 19/02/1998), sua reprodução total ou parcial é proibida nos termos da Lei.


Autor

  • Amanda Accioli

    Síndica Profissional e Advogada Condominialista; Diretora Regional São Paulo da ANACON (Associação Nacional da Advocacia Condominial), Membro Efetivo da Comissão de Direito Condominial de SP, síndica associada à AABIC e ao SECOVI. Palestrante e articulista.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

dez − nove =