Especialmente para conflflitos entre vizinhos, onde todos querem ter razão e muitas vezes o diálogo inexiste, a mediação é solução viável, no lugar dos longos e onerosos processos judiciais.
Caso 1: Por causa de uma infiltração no apartamento inferior, originada na área do jardim da cobertura, o condômino de baixo acionou judicialmente a unidade de cima, apesar do vizinho querer resolver a situação amigavelmente. Uma perícia judicial constatou que o problema era causado por um defeito estrutural na laje, de responsabilidade da construtora, repassada para o condomínio.
O condomínio assumiu a responsabilidade e procurou resolver a questão através de uma sessão de mediação entre as partes. O vizinho de baixo nem respondeu a convocação e o de cima alegou que não tinha tempo. Após duas tentativas infrutíferas de marcar uma mediação, o morador de baixo continua com a ação e o problema não foi resolvido, já que o condomínio não pode realizar a obra sem autorização do morador.
Caso 2: Moradores recentes do condomínio, o casal de cima vivia recebendo amigos para comemorar a casa nova, em reuniões animadas e que se estendiam até altas horas. O casal de baixo enfrentava situação totalmente diversa: com um bebê recém-nascido, o barulho e as festas se tornavam ainda mais irritantes. Discussões e xingamentos dos vizinhos pelas janelas, com direito a vassouradas no forro para os barulhentos silenciarem, só agravaram o conflito. A situação chegou ao ponto dos moradores de outras torres reclamarem dos gritos e impropérios proferidos.
Mediação agendada, compareceram as duas mulheres e o bebê. A moradora de cima rapidamente reconheceu que estava incomodando e que não imaginava o quanto o ruído no apartamento de baixo reverberava muito mais do que na sua própria unidade. No fim das contas, as duas vizinhas identificaram um laço de proximidade, já que a de cima trabalhava justamente com preparação de grávidas para o nascimento do bebê e para a fase do puerpério. Solícita, pediu que a vizinha a avisasse por WhatsApp assim que o barulho incomodasse. A mediação cumpriu seu objetivo e a situação foi apaziguada.
Nos dois casos apresentados no início desta reportagem, fez-se uso da mediação visando solucionar um conflito. Casos como estes, relatados pelo advogado Michel Rosenthal Wagner, ilustram como a mediação pode ou não ser bem-sucedida. “A mediação do caso 2 levou duas horas e meia de trabalho. As duas moradoras participaram não porque foram intimadas, mas porque queriam resolver a questão. Sem dúvida esse é um caso de sucesso”, aponta Michel, consultor no Direito Socioambiental e Vizinhança Urbana, mediador e facilitador de Diálogos de Construção de Paz, e autor do livro “Diálogos Urbanos – Soluções para os conflitos e práticas de paz”. Para Michel, a pauta do diálogo urbano é urgente e extremamente relevante: “A judicialização é cada vez mais utilizada como uma forma não de obter justiça, mas de promover vingança.”
Além da judicialização, há disponíveis outros processos para resolução de problemas, caso da mediação, da conciliação e da arbitragem. A mediação envolve questões de relacionamento continuado, como as relações entre vizinhos e condomínio/condômino. Já a conciliação cabe em contratos de consumo e na arbitragem, escolhe-se um árbitro para a questão, pela sua técnica e habilidade para o assunto.
Para Cristiano de Souza Oliveira síndico não pode ser mediador
Esses meios de tratamentos de conflitos ganharam maior popularidade a partir de 2010, com a resolução nº 125 no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Mas foi com a Lei de Mediação – Lei 13.140, de 2015 – que se estabeleceram diretrizes para o uso dessas ferramentas. O advogado e consultor jurídico condominial Cristiano De Souza Oliveira sustenta que há limitações para o uso da mediação na solução de crises nos condomínios. “Por exemplo, não é indicada para questões documentais ou de metragem. Se o condômino estaciona um veículo cabine dupla na vaga onde cabe apenas um Smart, não há como promover uma negociação assistida, que é a mediação.” Cristiano define mediação como uma negociação entre as partes, assistida e auxiliada por um terceiro imparcial. “Ele irá utilizar técnicas para facilitar o diálogo”, diz. Surge então uma dúvida importante: o mediador pode ser o síndico? Para Cristiano, não. “O síndico é o representante de todos, e como tal não pode mediar os representados. Ele é o gestor dos conflitos, os administra e deve chamar um mediador externo e imparcial.”
Para Michel Rosenthal, o síndico pode ser um mediador técnico, desde que não esteja envolvido na questão. Michel acredita que conhecimento sobre o assunto é fundamental para os síndicos. “Pleiteio que nos cursos de sindicância seja incluída a mediação. Quem pretende ser síndico deve ter esses conceitos claros e detectar o conflito quando ele está surgindo, diferente da postura antiga de que problema entre vizinhos não diz respeito ao condomínio.”
Cristiano faz questão de distinguir mediação de conceitos como cultura de paz e comunicação não violenta. “Conduzir ou administrar o condomínio pelo princípio da não violência não significa que o síndico está promovendo mediação. Uma coisa é ter um espírito de mediador, ter mobilidade e condições de achar um meio termo ao se enfrentar um problema. Em uma assembleia, por exemplo, o que ocorre é uma grande negociação para instituir combinados. Já a mediação é um trabalho técnico. Apesar do processo da mediação ser informal e fazer uso da oralidade, isso não tira a segurança jurídica desse instituto”, orienta Cristiano.
Michel Rosenthal: urgência na pauta do diálogo urbano
Constantemente o mediador Michel vê situações em que condôminos vivem um inferno. “Não escolhemos nossos vizinhos. Mas temos a ilusão que serão parecidos conosco só porque os extratos bancários podem ser semelhantes. Mas isso é uma mentira completa. A briga vai escalando, não há diálogo, muitos chegam às vias de fato, com lesão corporal até assassinato e morte de animais domésticos”, comenta. São comuns situações de revanche: “Não pode? Então vou aumentar o som! Não pode? Então vou jogar bola!” Michel pondera que é preciso empatia: “Devemos pensar que o outro pode também ter razão e tem o direito de existir.” Não se deve esperar que a mediação seja uma solução milagrosa e rápida. “Há uma máxima técnica que diz que a pressa é inimiga da mediação. É como assar um bolo: prepara-se a massa, coloca-se para crescer e depois para assar na temperatura correta”, pontua Michel.
Matéria publicada na edição 291 jul/2023 da Revista Direcional Condomínios
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