Natureza Jurídica dos Condomínios

Personalidade “híbrida” ou “mista” gera dificuldades e pede soluções

Dotar ou não os condomínios de personalidade jurídica divide opiniões e o próprio Judiciário vem produzindo sentenças diferenciadas ao lidar com alguns dos seus pleitos. Especialistas discutem alternativas.

Existe uma lacuna na legislação em relação à personalidade dos condomínios – não se constituem como pessoas físicas tampouco estão legalmente estabelecidos como jurídicas. “Trata-se de um coletivo de cidadãos, pessoas físicas com interesses comuns que partem da aquisição da propriedade e sua conseqüente manutenção. Cada um dos condôminos detém a propriedade exclusiva de sua unidade e parte ideal das áreas comuns a todos, por isso o condomínio possui uma dinâmica própria regrada no novo Código Civil, como a obrigatoriedade das convenções, dos regimentos, dos procedimentos de aprovação de suas regras por meio das assembleias gerais com quóruns específicos, entre outros, além das obrigações tributárias e trabalhistas tão complexas como as empresas”, pontua o advogado Michel Rosenthal Wagner.

Isto lhes confere “um caráter híbrido”, diz, destacando três principais dificuldades enfrentadas com a situação: quando pretendem exercer o direito de pleitear indenização por danos morais; no registro em respectivo cartório de imóvel adjudicado (em ação de cobrança de inadimplente, por exemplo); e na busca de indenização por danos materiais em problemas construtivos incidentes na maioria das unidades privativas, como inadequações de caixilhos, instalações elétricas e hidráulicas, entre outros.

Jurisprudência

Quanto aos danos materiais, Michel Wagner observa que os juízes têm reconhecido como legítimo o direito a indenizações quando envolvem áreas comuns. “Entretanto, se a ação trata de um conjunto de unidades com direitos homogêneos, é comum os magistrados exigirem que cada condômino proponha sua ação judicial”, lembra. Em regra, o advogado vem orientando os clientes a insistirem nas ações como condomínio, enquanto coletivo de unidades imobiliárias. “Há uma dissonância jurisprudencial, embora todos os juízes reconheçam a personalidade jurisdicional que permite ao condomínio representar os condôminos para postular em juízo, a maioria não o vê como representante na defesa de alguns direitos comuns a todos. Alguns destes direitos são aceitos quando a pessoa jurídica os pleiteia no Judiciário, como por exemplo, danos morais.” Mas, prossegue, “é importante insistir e conquistar uma opinião favorável em torno deste direito”. Michel sugere semelhanças do condomínio à pessoa jurídica sem fins lucrativos, mas com direito a gerar renda por meio da locação de espaços comuns, por exemplo.

Quanto à indenização por danos morais, o advogado cita algumas decisões favoráveis que obteve, colocando o condomínio como representante dos condôminos. Em um deles foi proposta ação de indenização contra uma construtora por problemas observados na edificação, requerendo-se o ressarcimento dos prejuízos, inclusive moral. “O juiz considerou patente a legitimidade do autor condomínio em relação às partes comuns, por afetarem diretamente a situação de comunhão, ou seja, os vícios prejudicam indistintamente a todos.” Em outro caso, porém, o juiz de primeiro grau, no despacho inicial, extinguiu a ação com relação ao pedido de danos morais “por entender ilegítimo o condomínio para pleitear direitos de terceiros (os próprios condôminos) e determinou o prosseguimento no tocante aos danos materiais”, relata Michel. A decisão foi reformada em decisão do Tribunal de Justiça, em acórdão de junho de 2008 (Agravo de Instrumento no. 576.249-4/7-00, 6ª. Câmara de Direito Privado, TJSP). Este “resolveu que o condomínio pode representar pleitos de direitos individuais homogêneos ou coletivos de seus condôminos e ainda afirmou que é direito sumulado no ST J (Superior Tribunal de Justiça) a possibilidade da pessoa jurídica, ‘a tanto equivalentes ou equiparados os condomínios edilícios nessa parte’, buscar indenização por danos morais”.

Em um terceiro caso, continua o advogado, julgado em abril de 2009, um condomínio em Osasco ingressou com ação contra a prefeitura, por sofrer desde 2003 inundações nas piscinas, quadras e estacionamento, causadas por falha no projeto de canalização de águas pluviais em galeria que passa por dentro da sua área. “O pedido foi julgado procedente para que a prefeitura realize estudo, projeto e obras para readequação da microbacia e sistema de drenagem e escoamento do local, mas quanto aos danos morais o juiz entendeu que o condomínio é ilegítimo para, em nome dos moradores, pleitear as indenizações, que, segundo ele, têm caráter pessoal.” Desta decisão, seu escritório interpôs recurso e aguarda julgamento no Tribunal de Justiça.

Alternativas

“O que se vê na prática do Poder Judiciário é a necessidade de melhor discutir esta figura, de fato e de direito híbrida, para lhe dar natureza jurídica própria ao instituto, por vezes simplesmente assemelhado ao conceito de pessoa jurídica”, avalia o advogado. Já no âmbito do Poder Legislativo, ele destaca que há proposituras “procurando definir a personalidade do condomínio e resolver estes impasses, sem o aprofundamento necessário da discussão, resultando em uma colcha de retalhos que ora confunde, ora aclara (porém pouco) esta premente necessidade da sociedade”. O advogado refere-se, no caso, ao projeto de lei no. 4816/2009, do deputado federal José Santana de Vasconcellos, do Partido da República em Minas Gerais. O dispositivo propõe adotar os condomínios de personalidade jurídica.

Mas a alternativa defendida pela advogada Ana Luiza Pretel, especialista na área de conciliação pela Escola Paulista de Magistratura, é que, de fato, eles sejam “legalmente reconhecidos como pessoa jurídica de direito privado, por meio da inclusão do inciso VI ao artigo 44 do Código Civil (Lei n.º 10.406/2002), uma vez que a atual situação traz inúmeros prejuízos”. Os condomínios deixam, por exemplo, “de realizar a compra de um terreno para aumentar seu estacionamento ou impedir a sua desvalorização pela construção de outro prédio, por não haver aceitação, na hora de lavrar a escritura pública, do síndico como o representante do condomínio”, observa. Segundo Ana Luiza, o novo Código Civil perdeu a oportunidade de resolver a questão, mantendo o conceito clássico do antigo texto, em que os condomínios não são considerados pessoas jurídicas nem físicas.

Já a AABIC (Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo) e o Secovi (Sindicato das Empresas de Compra e Venda Locação e Administração de Imóveis em São Paulo) defendem alterações pontuais ao Código Civil, sem mexer no artigo 44 (que caracteriza a pessoa jurídica). João Paulo Rossi Paschoal, assessor jurídico do Secovi, diz que “a natureza jurídica não se identifica no condomínio, pois este nada tem a ver com a affectio societatis, ou seja, com o exercício consciente de uma atividade econômica, buscando partilha de resultados ou lucros, em outras palavras, de interesses comuns e igualitários em torno dos resultados”. O condomínio representa, conforme ressalva, “uma junção de pessoas com propósitos diferentes”. “A única coisa que as vincula é a administração da propriedade comum.” João Paulo considera que a mudança pouco alteraria a rotina dos condomínios e iria, por outro lado, gerar mais demandas e dificuldades em suas atribuições.

Para o presidente da AABIC, Rubens Carmo Elias Filho, mestre e doutorando em Direito Civil, professor na Universidade Mackenzie e autor do livro “As Despesas do Condomínio Edilício” (Editora RT ), a alteração traria “mais obrigações além de todas aquelas que já possuem”. Segundo ele, a alternativa para resolver algumas dificuldades, como a aquisição de bens, está proposta no projeto de lei no. 874/2007, apresentado pelo deputado Ricardo Izar, falecido em 2008. Aguardando parecer da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados, o PL acrescenta dois artigos ao novo Código Civil, permitindo a arrematação ou adjudicação de imóvel para a recuperação de cotas condominiais vencidas e não pagas, além da aquisição “de unidades imobiliárias autônomas do condomínio ou imóvel contíguo”. “São mudanças pontuais que atendem às necessidades, não precisa ser pessoa jurídica para solucioná-las”, defende o presidente da AABIC.


Matéria publicada na edição 144 mar/10 da Revista Direcional Condomínios

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