No dia 29 de abril de 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria de votos, suspendeu a eficácia do Art. 29 da MP 927/2020, que não considerava a Covid-19 como doença ocupacional. A Covid-19 é decorrência da contaminação do novo Coronavírus. Mediante a decisão do STF, surge a indagação sobre a responsabilidade do empregador caso algum funcionário seja contaminado pelo novo Coronavírus. (Nota: A MP 927 acabou perdendo a validade no último dia 19/07, pois não foi votada pelo Senado a pedido do próprio governo.)
A doença ocupacional é uma espécie de acidente de trabalho, conforme disposto nos Art. 20 e Art. 21 da Lei Federal 8.213/91. Neste sentido, é importante esclarecer a diferença entre auxílio-doença comum (previdenciário) e auxílio-doença acidentário (vinculado à doença ocupacional).
O primeiro é devido ao segurado que tiver contraído doença sem nexo causal com o trabalho, ou seja, não existe relação entre a doença e a atividade exercida pelo trabalhador. Para fazer jus ao benefício, é necessário que o empregado tenha trabalhado por um período mínimo de 12 meses, o qual é o chamado período de carência. Além disso, não há estabilidade garantida ao trabalhador após o retorno ao trabalho e o empregador não é obrigado a depositar o FGTS durante o afastamento.
Doença ocupacional
No que diz respeito ao segundo, portanto, auxílio-doença acidentário, este tem relação direta e intrínseca ao contrato de trabalho, o qual é percebido após o décimo sexto dia de afastamento da atividade pelo trabalhador que sofreu acidente do trabalho ou foi acometido por doença ocupacional, bem como dá direito à estabilidade pelo prazo mínimo de doze meses, após a cessação do auxílio-doença, conforme preceitua o Art. 118 da Lei 8.213/91.
Quanto à responsabilização do empregador, o Art. 7º, Inciso XXVIII, da Constituição Federal, assegura que o trabalhador fará jus ao recebimento do Seguro de Acidente de Trabalho (SAT), sem prejuízo de indenização devida pelo empregador, nas hipóteses de culpa e dolo. Já o parágrafo único do Art. 927 do Código Civil estabelece que “haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.
Com a suspensão do Art. 29 da MP 927/2020, e pela leitura dos dispositivos supramencionados, surge a dúvida sobre qual responsabilidade seria aplicada ao empregador nos casos de acidente de trabalho: Responsabilidade subjetiva ou objetiva?
Nos casos em que for constatada a culpa ou o dolo do empregador, bem como a relação de causalidade entre a atividade e o acidente, prevalecerá a responsabilidade subjetiva prevista no Inciso XXVIII do Art. 7º da CF, que impõe ao empregador o dever de indenizar o trabalhador acidentado por sua ingerência, omissão, negligência ou imperícia, como nos casos em que a atividade empresarial não oferece tanto risco ao trabalhador, sendo necessário provar o nexo de causalidade entre a infecção pelo novo Coronavírus e o ambiente laboral.
Já a responsabilidade objetiva será aplicada, independentemente de culpa ou dolo, nos casos especificados em lei, ou aliada à teoria do risco, quando a atividade normalmente desenvolvida pelo empregador, por sua natureza, apresentar risco para o empregado ou expor terceiros a perigo. Em suma, isso impõe ao empregador o dever de indenizar independe de demonstração de dolo ou culpa. Com base na tese adotada pelo STF no Recurso Extraordinário 828040, pode-se citar a contaminação dos trabalhadores da área da saúde pelo novo Coronavírus, pois o empregado está sujeito a acentuado risco de ser infectado e desenvolver a Covid-19.
Em que pese ser consabido como a doença é transmitida, não há como saber em qual momento se dará a contaminação, pelo que se orienta ao empregador a adoção de medidas necessárias para preservação da saúde dos seus empregados, tais como, identificação de riscos, histórico ocupacional, trabalho em home office, escalas de trabalho, rodízio de profissionais, orientação e fiscalização sobre a aplicação dessas ações relacionadas à saúde e à segurança e, sobretudo, higienização e entrega de equipamentos de proteção individual (EPI). Tudo isso ajuda a proteger o funcionário e a afastar a responsabilização do empregador em eventual demanda trabalhista, pois se for comprovado que este não adotou condutas para preservar a saúde dos trabalhadores, é possível a responsabilização objetiva, haja vista que ele assumiu o risco de contaminação de seus empregados.
Óbitos
Mediante a triste ocorrência de óbitos de trabalhadores em condomínios, o entendimento é de que se o empregador tomou todas as precauções necessárias à preservação da saúde de sua equipe, a responsabilidade poderá ser afastada. Assim, o empregador deve apenas efetuar o pagamento das verbas rescisórias, pela extinção do contrato de trabalho, sem a percepção do aviso prévio, em quotas iguais aos dependentes habilitados perante a Previdência Social ou, na sua falta, aos sucessores previstos na lei civil, indicados em alvará judicial, independentemente de inventário ou arrolamento.
Quanto à possível indenização, não há nenhuma legislação que trate do assunto. Tramita no Senado Federal uma proposta já aprovada pelos deputados (o PL 1.826/2020), que cria uma indenização de R$ 50 mil por morte ou invalidez permanente de profissionais de saúde em função do novo Coronavírus, devido à exposição acentuada dos profissionais. Embora o referido PL aborde apenas profissionais da saúde, pela interpretação etimológica da legislação, se entende que caso seja demonstrada a exposição imposta ou negligenciada pelo empregador, o trabalhador poderá se utilizar da referida lei, e até mesmo do PL como parâmetro para se pleitear eventual indenização por danos morais.
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