Nudez, festas e drogas nas unidades

Síndicos têm de lidar com reclamações sobre moradores nus na sacada, cheiro de maconha invadindo sala alheia e festas de endoidecer gente sã. Mas como agir se tudo ocorre em unidades privativas? Pois saiba que existe base legal para lidar com a situação.

Emojis felizes

Naquele fim de semana, seria apenas mais um dia agradável de piscina, mas a temperatura do grupo de WhatsApp dos moradores esquentou, e os conselheiros avisaram ao síndico profissional Sylvio Levy que os condôminos reclamavam sobre um homem nu. “Para descontrair, chamo o episódio de ‘o peladão da sacada’, mas o desassossego foi grande porque as varandas são voltadas para a piscina, e havia muitos banhistas, inclusive crianças, naquele dia”, relara o gestor do condomínio com 280 unidades, na zona oeste.

Sylvio não sabe se o homem, na casa dos 30 anos, era naturista, ou se estava bêbado ou drogado. “Interfonaram, gritaram, e ele não se intimidou”, conta o síndico, que não titubeou. “Como a infração foi grave, avisei ao conselho e fui direto na multa. Esse nunca mais deu trabalho. Ele poderia ter pedido a palavra em assembleia para recorrer da multa, mas cadê a coragem?”

Tania Goldkorn viveu uma experiência parecida anos atrás, logo que assumiu a gestão de um condomínio na zona sul. “Eu fui abordada por um senhor que morava em um prédio vizinho. Ele me mostrou foto e filmagem de um condômino exibicionista, na sacada, e queria que eu tomasse pro­vidências naquele momento. Então o morador decide ficar nu, e o síndico é intimado a resolver na hora? Nada disso”, diz a síndica profissional.

Tania observa que o síndico tem o poder da caneta, baseado em leis e no Código Civil, mas que, na dúvida, é importante recorrer ao departa­mento jurídico do condomínio. Após constatar que, de fato, se tratava de um caso de atentado violento ao pudor, Tania notificou o condômino. “Ele ficou muito bravo, antes disso já era um ‘morador enxaqueca’. Pouco depois se mudou”.

Só lembrando, vizinhos incomodados não devem registrar atos obscenos e nudez e di­vulgá-los nas redes sociais, como adverte o advogado Luís Rodolfo Cruz e Creuz. “O Código Civil, no artigo 187, tipifica que comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Essa regra vale para ofendido e ofensor”. Significa que o morador que filmar ou fotografar e divulgar tal conteúdo, mesmo que para defender sua causa, poderá ser punido aos olhos da lei. “Ao agir desse modo, ele excede os seus direitos e viola dados pessoais e personalíssimos por uso não autorizado de ima­gem”, explica o advogado.

De volta aos pelados versus indignados, Demilson Bellezi Guilhem, síndico profissional, menciona que isso é mais comum do que se imagina. “Há quem faça questão de circular nu em casa e não temos nada a ver com isso, mas existem crianças nos condomínios, e mesmo adultos que não estão dispostos a conviver com a situação, a qual se agrava não só por andarem nus, mas também por praticarem sexo de uma forma visível, na sacada ou em ambientes com janelas mais amplas”.

Demilson conversa com os denunciados de maneira franca, porém educada, o que tem resolvido ou minimizado o problema. Porém, admite tratar-se de uma questão delicada, que envolve direito de propriedade. “Eu não posso interferir no que a pessoa faz dentro do apartamento dela, mas a partir do momento que incomoda outras unidades, preciso agir”.

Luís Rodolfo lembra que o Código Civil em seu artigo 1.336 diz que é obrigação dos condôminos utilizar sua propriedade de maneira que não seja prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes. “Exageros ou exibicionismo como andar nu ou mo­mentos de intimidade do casal podem violar os bons costumes”, constata o advogado. “No parágrafo 2 desse artigo está prevista aplicação de multa ao infrator que não cumprir qualquer dos deveres estabelecidos”.

O assunto pode ter desdobramento na esfera criminal, pois praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público, é passível de detenção de três meses a um ano, ou multa. “Mas a aplicação prática e eventual julgamento desses casos possui muitas nuances, que devem ser avaliadas caso a caso e com suporte de um advogado criminalista. A melhor recomendação é o síndico atuar como mediador, podendo até aplicar advertências e multas”, aconselha Luís Rodolfo.

Fernando Salles

O síndico Sylvio Levy multou o ‘peladão da sacada’

Cortina de fumaça

Condômino pirado é outra categoria que tira o sossego dos síndicos. Tania, no momento, tenta uma tratativa amigável com uma república de cinco moradores, em condomínio de alto luxo na zona sul. “São todos rapazes distintos, educados, trabalham, mas às vezes dão festas, usam maconha e é um fumacê daqueles. A vizinhança reclama”, relata. Já o síndico Demilson orienta que o assunto seja tratado com muita sutileza. “Se a pessoa se sentir confrontada, pode intensificar o consumo por pirraça”.

Demilson salienta, porém, que o síndico não pode ser omisso porque é responsável por zelar pela saúde e bem-estar dos condôminos. Recorda-se de um caso, em Guarulhos, em que os pais de um recém-nascido estavam aflitos com a fumaça expelida pelo vizinho. “Fiz uma circular pedindo que as pessoas tivessem cuidado ao fumar, sinalizando que havia excesso de fumaça de cigarros, charutos etc. e que estava incomodando pessoas, especialmente as mais vulneráveis, como crianças, idosos e portadores de doenças respiratórias. Pedi que evitassem fumar perto de janelas. Em nenhum momento aludi à maconha”, comenta.

O comunicado circulou via e-mail, celular, mídia do elevador e foi posto embaixo das portas. “O morador assi­milou a mensagem e a família do bebê ficou mais tranquila. É um método com bons resultados, mas tem de ser repetido sistematicamente porque as pessoas relaxam ao longo do tempo”, alerta o gestor.

Se o pirado der de ombros às re­clamações da fumaça produzida, resta ao síndico recursos como notificação e multa, segundo o advogado condomi­nial Cristiano De Souza Oliveira. “Não importa que o consumo da maconha se dê em espaço privado. No condo­mínio o direito de propriedade esbarra no da coletividade”, esclarece. Assim como na reclamação formal sobre o vizinho pelado, no caso do pirado (e do festeiro), as sanções estão respalda­das pelo artigo 1.336 do Código Civil.

Tania Goldkorn

Tania Goldkorn se surpreendeu com balada no apartamento da vizinha

Festa no apê

Alguns festeiros marcam mais que outros, como uma jovem que morou no mesmo condomínio que Tania. “Na época, eu era síndica, e por volta da meia-noite o porteiro me ligou. Disse que os vizinhos estavam reclamando de uma festa, que não parava de chegar adoles­centes, que havia interfonado, mas o barulho continuava”, conta. Como conhecia a moça, foi à unidade e levou um susto: “Tinha uma balada, com globos espelhados, e mais de 50 pessoas. Aquilo era ‘festa paga’. A menina dava festa e cobrava in­gresso”, acrescenta. Ela chamou a polícia; o público dispersou. Vieram outras festas e novas reclamações. A unidade foi notificada e multada por perturbação da ordem.

Tania revela que ‘festa paga’ é prática comum, o que, em sua opi­nião, deixa o condomínio vulnerável pelo volume e perfil dos convidados, e revela outra situação inconveniente. “Tem caso de morador de empreendimento de alta classe que aluga a cobertura para festas, o que incomoda os vizinhos pelo barulho e exposição do condomínio”.

Demilson está traquejado em multar festeiros. Síndico de um resi­dencial de alto padrão na Barra Funda, entre os centros de treinamen­to de dois grandes clubes de futebol, ele lidou com a recorrência de eventos em uma das unidades. “Esse imóvel sempre era alugado para jogadores, tinha alta rotatividade. O rosto dos ocupantes mudava, mas o nível de desrespeito com as normas do condomínio era o mesmo”, afirma. “Davam festas até tarde nas folgas deles, no meio da semana, reuniam cerca de 30 pessoas, faziam barulho e recebiam garotas pra­ticamente nuas”.

O síndico conta que o tempo todo procurou resolver o incômodo dentro das normas do condomínio, e que os condôminos perceberam isso, portanto não houve desgaste na sua relação com eles. “Eu os orientava para que comunicassem a portaria, que por sua vez enviaria um segurança ao apartamento e, confirmada a irregularidade, seria feito o registro para a tomada de providência. As multas eram aplicadas e pagas sem questionamento, porque eram pessoas que ganhavam de R$ 200.000 a R$ 500.000 por mês, então preferiam pagar e continuar com as festas”.

Demilson levou a situação na esfera administrativa, mas confessa que, caso a permanência dos jogadores fosse mais longa, teria levado à esfera jurídica. “A sorte é que eles ficavam em torno de três, quatro meses. E que esse condomínio é particularmente mais tolerante que outros”. Depois de um período, o imóvel mudou de dono, não foi mais locado para boleiros e a paz voltou a reinar.

Festeiros, pelados e pirados rendem muito assunto no uni­verso condominial. Tanto que o advogado Luís Rodolfo sugere: “Se a convenção ou regimento interno não contiver nenhuma disposição expressa para tais excessos, e não prever repreen­sões e multas, o síndico ou conselho devem avaliar detalhada­mente as opções e possibilidades de aplicação de penalidades. Nesse sentido, entendo ser imperativo que se convoque uma assembleia para inserir estes pontos nas regras condominiais (convenção e/ou regulamento) e para deliberar sobre definição de multa para essas infrações”.

Demilson Bellezi Guilhem

Demilson Bellezi Guilhem: comunicado sobre impacto da fumaça em idosos e crianças tende a dar resultado


Matéria publicada na edição 286 fevereiro/2023 da Revista Direcional Condomínios

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Autor

  • Diego

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