Normas como a ABNT NBR 16.280 ou novos usos introduzidos pela tecnologia, como o Airbnb, o coworking e estações de recarga de veículos elétricos, sequer eram imaginados há cerca de 20 anos, quando os legisladores formularam o Novo Código Civil. O problema é que esta legislação deixa uma lacuna quanto à atualização das normas internas no condomínio.
Síndica Irina Uzzun: Decisões tomadas em assembleia e que não contrariem a legislação possuem “força vinculante”
Quando o Novo Código Civil (Lei Federal 10.406/2002) entrou em vigor, em janeiro de 2003, ele previa, em seu Art. 1.341, que a alteração da Convenção e do Regimento Interno do condomínio demandaria a aprovação de dois terços dos seus coproprietários. Mas, em 2004, a Lei 10.931 promoveu uma alteração no dispositivo, que o modificou para a seguinte redação:
“Depende da aprovação de 2/3 (dois terços) dos votos dos condôminos a alteração da convenção; a mudança da destinação do edifício, ou da unidade imobiliária, depende da aprovação pela unanimidade dos condôminos.”
O Regimento Interno (R.I.) simplesmente foi tirado do texto e, desde então, permanece em uma espécie de limbo, pois há controvérsias quanto ao quórum necessário para a sua atualização. O R.I. é a parte da “lei interna” do condomínio que detalha condições de uso dos espaços coletivos, enquanto a Convenção “determina normas mais amplas”, compara a síndica e advogada Irina Uzzun.
Sem a obrigatoriedade expressa dos 2/3, basta um quórum simples para modificar as regras previstas pelo documento, defende a advogada. Mas há quem considere que, mesmo que não prevista textualmente, permanece a exigência dos 2/3.
É o que pensa o advogado Cristiano De Souza Oliveira. Em seu livro “Sou Síndico, E Agora?”, lançado em 2012 pelo Grupo Direcional (Exclusiva Publicações), Cristiano De Souza registra que “no Regimento Interno deverão constar todas as regras mais específicas de uso das áreas comuns e restrições necessárias às áreas exclusivas para o bem da coletividade”.
“Porém, é inapropriado que o documento traga detalhes que possam engessar o condomínio, tal como horário de funcionamento da piscina, pois não se deve esquecer que sua alteração depende do mesmo quórum que a alteração da Convenção, ou seja, 2/3. Isso ocorre porque o R.I. tem o status de ser um conteúdo da Convenção, salvo se a própria Convenção estipular quórum diferenciado.”
Desta forma, para evitar o “engessamento” do condomínio pela dificuldade de se obter a anuência de 2/3 dos coproprietários, o advogado sugere se proceder a uma separação entre as normas que expressam a conduta geral e a sua forma de administração (Convenção e R.I.), das regras “emergenciais” como as de segurança, “as quais não envolvam interesses outros que não o bem-estar de todos”. Estas podem ser decididas por maioria simples de assembleia. “Aqui entram procedimentos sobre o recebimento de delivery de comida e mercado, entre outros”, ilustra Cristiano.
“Norma em branco”
Este é o procedimento que muitos síndicos e administradoras vêm adotando, quando as modificações não contrariam a legislação, observa Irina Uzzun. Nesse contexto, as decisões da assembleia, registradas em ata, apresentam “força vinculante”, completa.
Melhor administrar com esta postura do que se omitir diante de eventuais lacunas nas regras do condomínio, pondera. “Existem casos em que a Convenção ou o R.I. possuem o que chamamos de ‘norma em branco’. Por exemplo, é quando o R.I. estabelece que bicicletas, triciclos e outros tipos de veículos serão permitidos no condomínio em áreas a serem delimitadas.” A regra fica, assim, em aberto, ao longo do tempo, podendo gerar conflitos e até demandas judiciais contra o condomínio.
“É necessário deliberar quais serão estas áreas, porque se o síndico proibir de forma arbitrária, esta atitude será ilegal.” A deliberação terá que vir de assembleia convocada pelo síndico, caso contrário, o condômino poderá fazê-lo, afirma a advogada. Irina cita como exemplo um processo ajuizado por um morador contra o condomínio por causa de uma “norma em branco”. “Ele perdeu a ação somente porque os desembargadores entenderam que o condômino deveria ter convocado a assembleia para deliberar sobre o assunto”, explica. Por isso, conclui, é fundamental que todas as regras estejam expressamente definidas, seja por meio de R.I. (quando for o caso) ou de deliberações adotadas pela assembleia.
MUDANÇAS NO R.I. PELA MAIORIA SIMPLES – A advogada e síndica profissional Vanessa Munis (foto) considera o quórum de maioria simples apropriado para atualizar o Regimento Interno nas assembleias. Segundo ela, novos hábitos e mudanças nas leis e normas impõem a necessidade de dinamismo ao condomínio. É o caso da grande presença hoje de crianças e adolescentes nas áreas comuns sem qualquer controle por parte dos familiares. “Atualmente os pais querem terceirizar o cuidado dos filhos para o condomínio, assim, é importante termos as regras bem claras no Regimento Interno, estabelecendo idades mínimas em que eles possam estar desacompanhados nas áreas comuns”, argumenta. Para essas situações, Vanessa propõe que seja adotado o limite do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Federal 8.069/1990), que é de 12 anos. Também indica a adoção expressa no R.I. da idade mínima de dez anos prevista pela Lei 12.751/1998, da cidade de São Paulo, para que os menores possam estar sozinhos nos elevadores. Entre os demais temas que exigem adaptação do R.I estão os critérios de recarga dos veículos elétricos, de coleta e destinação do lixo, de acesso de corretores de imóveis e clientes etc. “Além disso, todo o R.I. dos condomínios que administro é alterado conforme muda a legislação, sempre temos um item de atualização em nossas assembleias.”
Matéria publicada na edição – 254 – março/2020 da Revista Direcional Condomínios
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