Há 30 anos atrás, quando eu me sentava pela primeira vez nos bancos acadêmicos da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, aprendia que na elaboração de uma lei o legislador deveria abranger e regulamentar todos os ângulos de uma condição que a norma disciplinaria, evitando abusos ou interpretações diversas.
Da mesma forma, as razões de um veto deveriam esclarecer o porquê de não ser necessária a norma, de acordo com o ordenamento jurídico existente, não provocando na sociedade mais instabilidade que a própria norma vetada poderia causar se entrasse em vigor.
Pois bem, já escrevi sobre o PL 1.179/2020 (Democracia pela caneta: Iniciativas do Congresso desconhecem realidade condominial) e, na minha visão, o mesmo regulamenta para condomínios, ainda em caráter provisório, situações que o ordenamento jurídico atual já prevê e, portanto, não necessitariam de uma nova lei. É o caso do Art. 12 do PL, bem como de seu parágrafo único, que dizem:
– Art. 12: “A assembleia condominial, inclusive para os fins dos arts. 1.349 e 1.350 do Código Civil, e a respectiva votação, poderão ocorrer, em caráter emergencial, até 30 de outubro de 2020, por meios virtuais, caso em que a manifestação de vontade de cada condômino será equiparada, para todos os efeitos jurídicos, à sua assinatura presencial”;
Parágrafo único: “Não sendo possível a realização de assembleia condominial na forma prevista no caput, os mandatos de síndico vencidos a partir de 20 de março de 2020 ficam prorrogados até 30 de outubro de 2020.”
Pois bem: A extensão de mandato do síndico está prevista no Art. 1.324 do Código Civil. De outro lado, realizar a assembleia no ambiente virtual em nada altera a rotina do condomínio e/ou confronta com o que está estabelecido no Código Civil. Trata-se, neste caso, meramente de um local escolhido para a realização da assembleia (virtual), mantendo-se todas as demais obrigações contidas na Convenção para a realização da solenidade, sendo a lista de presença, como todos sabem, um anexo e não uma obrigação principal, a qual, em ambiente virtual passa a ser substituída por uma chamada registrada em ata, tal como tem sido realizado no Congresso Nacional.
Já o Art. 13 do PL1.179, que define como obrigatória, sob pena de destituição do síndico, a prestação de contas regular de seus atos de administração, legisla sobre uma competência/obrigação já trazida no Art. 1.348 e Art. 1.349 do Código Civil, assim como a sua consequência, ainda mais em época de pandemia.
Ambos os artigos foram mantidos, mas isso não causa grandes transtornos.
Já o Art. 11 do PL 1.179 estendia a competência do síndico para patamares subjetivos. O texto dizia:
– “Art. 11. Em caráter emergencial, até 30 de outubro de 2020, além dos poderes conferidos ao síndico pelo art.1.348 do Código Civil, compete-lhe:
I – restringir a utilização das áreas comuns para evitar a contaminação pelo coronavírus (Covid-19), respeitado o acesso à propriedade exclusiva dos condôminos;
II – restringir ou proibir a realização de reuniões e festividades e o uso dos abrigos de veículos por terceiros, inclusive nas áreas de propriedade exclusiva dos condôminos, como medida provisoriamente necessária para evitar a propagação do coronavírus (Covid-19), vedada qualquer restrição ao uso exclusivo pelos condôminos e pelo possuidor direto de cada unidade.”
Parágrafo único: Não se aplicam as restrições e proibições contidas neste artigo para casos de atendimento médico, obras de natureza estrutural ou realização de benfeitorias necessárias.”
Entendíamos que a questão já estaria prevista no Art. 1.348, inciso II do próprio Código Civil, quando trata das ações administrativas do síndico, senão vejamos:
– “Art. 1.348. Compete ao síndico:
(…)
II – representar, ativa e passivamente, o condomínio, praticando, em juízo ou fora dele, os atos necessários à defesa dos interesses comuns.”
Porém, não foi este o caminho adotado pelo veto presidencial, conforme as razões explicitadas:
– “A propositura legislativa, ao conceder poderes excepcionais para os síndicos suspenderem o uso de áreas comuns e particulares, retira a autonomia e a necessidade das deliberações por assembleia, em conformidade com seus estatutos, limitando a vontade coletiva dos condôminos.”
O remédio não pode ser pior que a doença, assim como as razões do veto não podem desestabilizar uma sociedade.
Ao contrário do que se esperava, as razões do já esperado veto presidencial acabaram abalando a confiança da sociedade condominial em seus próprios representantes, síndicos.
Sim, é verdade que toda restrição de área, por fazer parte de uma propriedade imobiliária nos termos do Art. 1.331 do Código Civil, deve ser levada à coletividade, assim como toda a coletividade deve respeitar as orientações governamentais sobre pandemia para não cometerem um crime previsto no Código Penal (Art. 268). Desta forma, conforme solicitado pelos governantes que haja distanciamento social, isolamento social, quarentena e lockdown, não há como se configurar uma realização de assembleia, salvo em ambiente virtual. Ou seja, o mesmo que fala “faça”, me orienta “a não fazer”, salvo se em “ambiente virtual”.
A ilógica das razões do veto faz qualquer um ainda pensar: Se para restringir precisa respeitar a coletividade, para gerenciar não??! Ou seja, o “ditador” de áreas comuns deve buscar a democracia, mas o “ditador” do controle financeiro, administrativo e gerencial da vida coletiva não precisa e pode se manter automaticamente. Para aquele pode haver um ambiente virtual, mas para este não, e pode ser estendido o mandato automaticamente sem assembleia?!
As razões do veto desrespeitam o poder condominial de se auto regulamentar, inclusive defendido pelo próprio Governo Federal, quando em 2019 editou a Lei 13.874, que altera o Código Civil, determinando que os particulares têm autonomia em se comporem sob a égide do princípio da intervenção mínima. Isso, para os condomínios, uma vez escolhido um representante (síndico), possibilita a este assumir sua responsabilidade de agir pelo bem coletivo e, no caso excepcional atual, preservando aquilo que a Constituição Federal coloca à frente da propriedade (no Caput do Art. 5º), ou seja, a vida.
Acertou o presidente no veto, porém, data máxima vênia, errou muito em suas razões de veto, por falta de lógica com que acabava de aprovar nos Art. 12 e 13, e sem o básico do conhecimento da vida condominial e seus nuances de gestão.
Aos síndicos, orientem que, mesmo havendo flexibilização estadual e municipal, o condomínio é um lar compartilhado e não uma atividade econômica. Se assim o fosse, a flexibilização estaria prevista somente em sua última fase, quando todos poderão juntos se unirem presencialmente para deliberarem a vida coletiva. Por ora, não é uma razão de veto que tira a autonomia do síndico, pois há meios de consulta e poderes já previstos em lei para manter áreas de risco de contágio abertas ou não, sem invadir a vida privada de cada família em suas casas, a qual desde o início não poderia haver interferência.
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