O que mudou com a perda da validade da MP 927/2020

O presente artigo visa esclarecer alguns questionamentos relevantes de empregadores, que por meio da MP 927/2020 adotaram medidas trabalhistas para preservação do emprego e da renda, e para enfrentamento do estado de calamidade pública e da emergência de saúde pública, de importância internacional, decorrente da pandemia do novo Coronavírus.

Editada pelo Executivo Federal em março de 2020, a MP 927 teve prazo expirado no dia 20/07, uma vez que dentro do seu período de vigência não fora alcançada a aprovação para ser convertida em Lei pelo Congresso Nacional, de modo que deverão os parlamentares editar Decreto Legislativo para disciplinar os efeitos jurídicos gerados durante sua vigência.

Em que pese a referida MP ter perdido a sua validade há mais de um mês, muitos empregadores ainda têm dúvidas sobre a validade dos atos praticados durante a sua vigência.

Neste sentido cumpre esclarecer que os atos praticados entre empregador e empregado continuarão válidos para todos os efeitos legais, ainda que o Congresso não edite o referido Decreto Legislativo, de modo que a segurança jurídica quanto aos atos praticados encontra-se preservada pelo inciso XXXVI, do Art. 5º da Constituição Federal, por serem atos jurídicos perfeitos e acabados.

Com o objetivo de nortear administradoras e condomínios, destacar-se-á a seguir os principais pontos que merecem atenção, a fim de dirimir o risco de futuras demandas trabalhistas e indenizatórias.

Acordo individual

Durante a vigência da MP 927, o empregador e empregado poderiam firmar acordo individual escrito, e este tinha preponderância sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais, desde que respeitados os limites constitucionais.

Agora, os instrumentos normativos têm prevalência sobre os acordos, como outrora.

Antecipação de férias individuais

Pela MP 927, o empregador poderia conceder as férias, inclusive aquelas às quais o período aquisitivo não tivesse se completado, desde que fosse feita a comunicação com 48 horas de antecedência, por escrito ou meio eletrônico, e que o período de férias não fosse inferior a 5 dias.

O adicional de um terço constitucional das férias concedidas neste período poderia ser pago junto com o décimo terceiro salário e a remuneração das férias, concedidas nesse período, até o 5º dia útil do mês seguinte ao gozo de férias.

Com a perda de validade da MP, voltam a valer as regras previstas na CLT, ou seja, o empregador só poderá conceder as férias “vencidas”, no prazo de 12 meses subsequentes à data em que o empregado tiver adquirido o direito. O empregado terá que ser avisado por escrito, com antecedência mínima de 30 dias.

As férias podem ser divididas, desde que haja concordância do empregado, em no máximo três períodos, sendo que um deles não pode ser inferior a 14 dias corridos, e os demais inferiores a cinco dias corridos, cada.

O pagamento das férias acrescidas do adicional de 1/3 precisa ser feito até dois dias antes do início do gozo.

Banco de Horas

Na vigência da MP 927, o empregador poderia, mediante acordo individual ou coletivo, dispensar os colaboradores durante a interrupção de suas atividades em razão da decretação do estado de calamidade pública, e instituir o banco de horas para compensação em até 18 meses após o término da decretação do estado de calamidade pública.

Considerando a validade dos atos praticados durante a vigência da Medida Provisória, o prazo para compensação das horas de inatividade, ou seja, 120 dias (de 22/03/2020 a 20/07/2020), continua sendo válido conforme previsto na MP 927.

As horas não laboradas após o dia 20/07/2020, sujeitas à compensação decorrente do regime de banco de horas, terão que ser compensadas em até seis meses, em caso de acordo individual, e em até 12 meses, em caso de acordo coletivo, conforme previsão da CLT.

Férias coletivas

A MP 927/20 permitia a concessão de férias coletivas, por ato unilateral do empregador, sem limite máximo de períodos anuais ou limite mínimo de dias corridos, mediante notificação aos empregados afetados com antecedência mínima de 48 horas, sem a necessidade de comunicação prévia ao órgão local do Ministério da Economia e sindicatos.

Com a perda da validade da MP, a comunicação das férias coletivas volta a ter que ser feita com 15 dias de antecedência, devendo ser gozadas em 2 períodos anuais desde que nenhum deles seja inferior a 10 dias corridos, e o empregador volta a ser obrigado a comunicar a concessão das férias coletivas ao sindicato dos empregados e ao Ministério da Economia.

Feriados

Durante a vigência da MP 927 era permitido antecipar o gozo de feriados não religiosos federais, estaduais, distritais e municipais, noticiando, por escrito ou por meio eletrônico, o conjunto de empregados beneficiados com a antecedência de, no mínimo, 48 horas. Os feriados religiosos só poderiam ser antecipados, mediante acordo individual.

A partir de 20 de julho de 2020, quando a MP perdeu a sua validade, as empresas não poderão mais antecipar feriados, salvo mediante negociação coletiva.

Teletrabalho

Com o advento da MP 927, o empregador poderia unilateralmente adotar o teletrabalho a qualquer momento, independentemente da confirmação do trabalhador, desde que a notificação da equipe fosse efetuada no prazo de 48 horas. Tal regra era também aplicável tanto para o estagiário como para o menor aprendiz.

O tempo em que o empregado estivesse logado em aplicativos e programas de comunicação fora da jornada normal de trabalho não seria considerado tempo à disposição do empregador, nem regime de sobreaviso, exceto se previsto em acordo individual ou coletivo.

Com a perda da validade da MP 927, o empregador fica proibido de alterar o regime de trabalho do presencial para o remoto aos estagiários e aprendizes. Para os demais trabalhadores, é permitida a continuidade da prestação de serviços nesse formato, entretanto, é necessário o aceite do empregado para sair do presencial e ir para o teletrabalho, podendo o retorno ao presencial ser realizado por ato único do empregador, mediante notificação prévia com antecedência de 15 dias.

O tempo de uso de aplicativos e programas de comunicação fora da jornada de trabalho normal poderão novamente caracterizar tempo à disposição do empregador, com direito à percepção de horas extras.

Segurança e saúde do trabalho

As obrigações relacionadas à saúde e à segurança do trabalho ficaram suspensas no período de calamidade pública, desobrigando a empresa de realizar exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares.

Com a perda da eficácia da MP 927, os exames médicos ocupacionais, bem como os treinamentos previstos em Normas Regulamentadoras voltam a ser exigidos, tendo que ser realizados de forma presencial e nos prazos regulamentares.

Fiscalização

Durante a vigência da MP, os Auditores Fiscais do Trabalho do Ministério da Economia atuaram de maneira orientadora, durante o período de 180 (cento e oitenta) dias, salvo para infrações muito graves tais como: falta de registro de empregado, situações de grave e iminente risco, ocorrência de acidente de trabalho fatal e/ou trabalho escravo ou trabalho infantil.

A partir de 20 de julho de 2020, os auditores do Trabalho deixam de atuar exclusivamente de maneira orientativa, voltando a fiscalizar diretamente as empresas, podendo lavrar multas sem a orientação prévia.

Diferimento do recolhimento de FGTS

A MP possibilitou ao empregador a suspensão do recolhimento do FGTS das competências referentes a março, abril e maio de 2020, podendo fazê-lo de forma parcelada entre julho e dezembro de 2020, sem impacto na regularidade dos empregadores junto ao FGTS e sem incidência de encargos e multa por atraso, desde que a prestação de informações declaratórias fosse feita no prazo definido.

Após 20 de julho de 2020, voltam a ser obrigatórios os recolhimentos do Fundo de Garantia, independentemente do número de empregados, regime de tributação, natureza jurídica, ramo de atividade ou de adesão prévia, devendo estes serem realizados nos prazos normais e nos termos previstos na Lei nº 8.036, de 1990.

Conclusão

Por todo o cenário exposto, e considerando que a pandemia ocasionada pela Covid-19 continua a gerar efeitos na sociedade e nas relações de trabalho, tem-se que a perda de validade da MP 927 desencadeará ainda uma série de discussões e de entendimentos judiciais heterogêneos, que poderiam ser atenuados com a análise de cada caso concreto a fim de ser consolidado o posicionamento dos tribunais frente aos litígios emergentes das relações trabalhistas mantidas durante a pandemia. Esse é o entendimento que temos até que seja editado o Decreto Legislativo, para disciplinar os efeitos jurídicos gerados durante a vigência da referida MP.


Matéria complementar da edição – 260 – setembro/2020 da Revista Direcional Condomínios

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Autor

  • Margareth Pereira Dos Santos

    Advogada sócia do escritório Pinheiro Oliveira, Santos e Rocha Advogados Associados. É graduada em Direito pela Universidade Nove de Julho, atuante na área Trabalhista e Cível, membro das Comissões de Direito do Trabalho e Direito Civil e Processo Civil OAB-SP.

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