Consternada pela tragédia que atingiu duas famílias na noite de quinta-feira (23 de maio de 2013), em um condomínio de Santana do Parnaíba, região do Tamboré, na Grande São Paulo, a equipe da Direcional Condomínios perguntou a alguns especialistas e colaboradores da revista, até que ponto o síndico deve mediar conflitos entre moradores?
Em dezesseis anos de publicações subsequentes e mensais (são onze números por ano, distribuídos direta e gratuitamente a condomínios de São Paulo, Capital, e alguns municípios da Grande São Paulo), a Direcional Condomínios já acompanhou muitos dos desafios que os síndicos encontram para instituir um ambiente respeitoso no convívio coletivo.
A queixa de grande parte deles é que ainda falta uma cultura de vida em condomínio, já que parte dos moradores transportam comportamentos e hábitos que mantinham em casas isoladas para apartamentos ou vilas residenciais, produzindo conflitos, motivados, principalmente, por causa do barulho.
Sem querer, de forma alguma, colocar em questionamento a administração do condomínio em que houve a tragédia, cujo estopim teria sido barulho, a Direcional Condomínios publica orientações de alguns de seus especialistas sobre os recursos que os síndicos e condôminos dispõem para evitar que os conflitos fujam ao controle. Leia a seguir a entrevistas com os advogados Cristiano De Souza Oliveira e Ana Luiza Pretel; a administradora e professora Rosely Benevides Schwartz; e a síndica profissional Roseane M. Barros Fernandes.
ADVOGADO CRISTIANO DE SOUZA OLIVEIRA
Direcional Condomínios: Até que ponto o síndico deve mediar conflitos entre moradores?
Cristiano De Souza: Um dos pontos mais polêmicos na aplicação do Código Civil, quando tratamos de condomínios, é o limite que cada um tem em sua participação social no grupo condominial. No caso de conflitos que envolvam o desrespeito dos deveres dos condôminos, temos a seguinte condição:
O Art. 1336, ao descrever os deveres dos condôminos, em seu inciso IV, diz que é dever não utilizar as partes do condomínio (privada e comum) de maneira que possa prejudicar o sossego, a salubridade e segurança dos demais.
Nota-se que a determinação é individual, onde cada um deve preservar o bem-estar, com atitudes próprias que devem atingir os demais. Não tratamos de uma regra genérica, mas sim especifica.
Quando chegamos no Art. 1348, temos no rol de competência do síndico, no Inciso IV, que a ele compete fazer cumprir a Convenção, Regimento e deliberações de assembleias, sem mencionar a legislação.
Porém, no próprio Art. 1348, é competência do síndico representar o condomínio ativa e passivamente, logo, permite que a ordem interna seja também observada pelo administrador do condomínio, por meio dos próprios instrumentos que a lei garante, ou seja, após notificações, convocar uma assembleia específica, para que esta aplique uma multa. Isso se não houver já na Convenção previsão para o síndico aplicar tal penalidade, pois é certo que também é a função do síndico cobrar os condôminos os rateios não pagos e multas.
Como conclusão, vemos que o síndico deve receber as reclamações, ouvir e apurar o que ocorrer, comunicar o suposto infrator, permitindo-lhe a ampla defesa, e antes de multar, procurar apaziguar, podendo inclusive fazer mediações de conflitos, porém, por meio de terceiros contratados, que possuam as técnicas corretas, para que não haja um envolvimento direto e possíveis, mas não prováveis, favorecimentos.
Direcional Condomínios: Há uma clara expansão dos condomínios nas regiões urbanas e migração de moradores de um padrão de residências isoladas, individualizadas, para condomínio. O que deve mudar na cultura dos residentes quando se mudam para apartamentos?
Cristiano De Souza: Quando se compra um imóvel em condomínio, temos que ter em mente que estamos em uma habitação coletiva. Por mais que seja nosso imóvel distante do vizinho (casa) ou em edificações um por andar (apartamentos), um ato qualquer nosso que costumeiramente fazíamos em casas isoladas na rua, pode provocar consequências graves ao sossego, salubridade ou mesmo segurança dos demais. Para se viver em condomínios, há que se ter a noção primeira de que a habitação é coletiva.
Direcional Condomínios: De que maneira a administração do condomínio, incluindo Corpo Diretivo e também administradora, deve trabalhar para facilitar ou auxiliar a adaptação dos moradores ao convívio em condomínio?
Cristiano De Souza: Todo o cidadão é livre, e não está obrigado a participar de integração, ainda que viva coletivamente em condomínios, se souber o que é viver em condomínios e respeitar os limites estabelecidos pelo bom senso, regras internas e leis promulgadas pelo Estado.
Pode, no entanto, a administração, por meio de informes internos, conscientizar os moradores em campanhas institucionais do condomínio para que se esclareça: o que é o condomínio, o que é morar em condomínio, quais sãos os direitos e deveres de quem mora em condomínio, as importâncias em cumprir, cada um, seus deveres, entre várias outras questões.
Cristiano De Souza Oliveira é advogado, consultor jurídico condominial, sócio consultor da DS&S Consultoria Condominial e autor do livro “Sou Síndico, E A AGORA?” (Grupo Direcional, 2012). Contatos: cdesouza@aasp.org.br / cdesouza@adv.oabsp.org.br; cdesouza@aasp.org.br / cdesouza@adv.oabsp.org.br
ADVOGADA ANA LUIZA PRETEL
Direcional Condomínios: Até que ponto o síndico deve mediar conflitos entre moradores?
Ana Luiza Pretel: O Sindico deve mediar conflitos entre moradores até quando perceber que precisa da ajuda de um profissional especializado na área da Mediação.
Direcional Condomínios: Há uma clara expansão dos condomínios nas regiões urbanas e migração de moradores de um padrão de residências isoladas, individualizadas, para condomínio. O que deve mudar na cultura dos residentes quando se mudam para apartamentos?
Ana Luiza Pretel: As pessoas que residem em condomínios devem entender que ainda que juridicamente a sua unidade seja autônoma, ela integra o todo. As unidades estão interligadas, não existindo nenhuma totalmente individualizada ou isolada. Consequentemente, o comportamento individual deve considerar o respeito à convivência coletiva.
Direcional Condomínios: De que maneira a administração do condomínio, incluindo Corpo Diretivo e também administradora, deve trabalhar para facilitar ou auxiliar a adaptação dos moradores ao convívio em condomínio?
Ana Luiza Pretel: Todos podem auxiliar na adaptação dos moradores ao convívio em condomínio, através de encontros informais e palestras, orientando e estimulando as pessoas a se adaptarem a uma nova experiência de convívio coletivo e a lerem e respeitarem o Regulamento Interno.
Ana Luiza Pretel é advogada, administradora de empresas, palestrante, professora universitária, pós-graduada em Marketing, Processo Civil e Métodos Alternativos de Soluções de Conflitos, Conciliadora Voluntária do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Mais informações: anapretel@uol.com.br
ADMINISTRADORA E PROFESSORA ROSELY BENEVIDES SCHWARTZ
Direcional Condomínios: Até que ponto o síndico deve mediar conflitos entre moradores?
Rosely B. Schwartz: Acredito que nos primeiros momentos ou quando surgem as divergências é importante que o síndico saiba ouvir as partes, tentando amenizar os ânimos, com muito respeito, equilíbrio, e imparcialidade. É fundamental que as ações apaziguadoras do síndico sejam rápidas, para minimizar ao máximo o desgaste emocional que poderá afetar os envolvidos e criar um ambiente totalmente hostil. Porém, em alguns casos essa iniciativa poderá não ter o resultado esperado, sendo necessário que o síndico recomende a utilização de um mediador externo, o qual poderá com maior isenção auxiliar na solução do conflito.
Direcional Condomínios: Há uma clara expansão dos condomínios nas regiões urbanas e migração de moradores de um padrão de residências isoladas, individualizadas, para condomínio. O que deve mudar na cultura dos residentes quando se mudam para apartamentos?
Rosely B. Schwartz: Para viver bem em condomínio, o morador precisa conscientizar-se que ele está dividindo, compartilhando a sua moradia com várias pessoas, que possuem formações diferentes, com opiniões e valores morais distintos, sendo que muitos poderão ter passado ou estarem passando por situações tristes e complicadas.
Não está fácil viver nos dias de hoje, com a crise de valores que encontramos em nossa sociedade. Há uma intolerância generalizada. O condomínio é e um microcosmo dessa sociedade, e, portanto, sofre diretamente os seus efeitos. Poderá auxiliar nesse convívio se os moradores reconhecerem a importância da Convenção e do Regulamento Interno para disciplinar, colocar limites nas relações e contribuir para um ambiente de paz. Acredito que essa cultura de respeito deverá nascer dentro de casa, ou melhor, dentro da área privativa dos apartamentos, em que os pais ensinem seus filhos sobre a importância dos limites, o respeito ao vizinho e aos funcionários.
Além dos moradores, as construtoras também precisam urgentemente se conscientizar que estão construindo o lar das pessoas e que muitos problemas que o síndico e os moradores terão que enfrentar são quase insolúveis, pois nascem na estrutura do edifício, como lajes e paredes que não permitem o isolamento acústico, garagens que não possuem o número suficiente de vagas ou vagas muito pequenas. Há locais que o morador não pode ligar um secador de cabelos a noite. Isso é um verdadeiro absurdo. Quando o condomínio tiver esse problema, será que construtores não deverão ser também responsabilizados por esse tipo de tragédia????????
FALTA AINDA UM LOCAL ADEQUADO, ONDE TODOS OS PROBLEMAS QUE ENVOLVEM O CONDOMÍNIO POSSAM SER LEVADOS E RESOLVIDOS COM AGILIDADE E RESPEITO !!!! É uma pena que haja tanta política, e interesses pessoais em detrimento do sofrimento de tantas pessoas. (Por favor, me desculpem pelo desabafo. Estou muito triste com o ocorrido.)
Direcional Condomínios: De que maneira a administração do condomínio, incluindo Corpo Diretivo e também administradora, deve trabalhar para facilitar ou auxiliar a adaptação dos moradores ao convívio em condomínio?
Rosely B. Schwartz: Recomendo as seguintes ações por parte da administração interna do condomínio:
1 – Convidar os novos moradores, inclusive os filhos, para uma breve reunião de boas-vindas, em que o síndico e o zelador se apresentariam, entregariam na oportunidade uma cópia da Convenção e do Regulamento Interno, além de esclarecerem como funciona a administração e que estarão à disposição caso tenham alguma dúvida;
2 – O síndico poderá disponibilizar um horário para atendimento pessoal do morador, diminuindo muito os questionamentos em horário inadequados;
3 – Para facilitar a comunicação, o síndico poderá disponibilizar um e-mail pessoal para atendimento dos moradores, evitando que as situações conflituosas tenham sempre que ser colocadas no livro de ocorrências, que costuma ficar na portaria;
4 – Ter no condomínio uma caixa de sugestões e críticas, instalada em local discreto para que os moradores tenham a possibilidade de comunicar suas opiniões mesmo sem terem que se identificar.
Rosely Benevides de Oliveira Schwartz é professora de Curso de Administração de Condomínio da EPD (Escola Paulista de Direito), autora do livro “Revolucionando o Condomínio” (Editora Saraiva/13ª Edição) e gestora do site: www.ocondominio.com.br. Mais informações: rosely@ocondominio.com.br
SÍNDICA ROSEANE M. BARROS FERNANDES
Direcional Condomínios: Até que ponto o síndico deve mediar conflitos entre moradores?
Roseane M. Barros Fernandes: Em primeiro lugar, o síndico (o próprio condomínio na realidade) deve ter um Regulamento Interno (RI) bastante elucidativo e capaz de guiar todas as situações para aqueles que residem no empreendimento. Temos o Código Civil, que em somatória ao RI, deve ser vigiado pelo bem comum!! O item que falo é:
Fala sobre deveres dos condôminos:
“Art. 1336 – IV – dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.”
Em segundo lugar, o síndico deve “fazer um trabalho” para que o Conselho Deliberativo seja um Conselho atuante e então, nas necessidades em geral, acioná-lo para “conversas” em grupo e conciliação. Devemos lembrar que a diversidade de opiniões, em um processo, faz a eficácia do resultado!!
Finalmente, nesse quesito, deixo minha última experiência relatada: após queixas incessantes de dois condôminas, de barulhos recíprocos e comprovados (com uma advertência já enviada a uma delas), pedimos que o vigilante rondista (segurança) fizesse uma avaliação do que ocorria nas imediações dos andares das reclamadoras! Para nossa surpresa, quem fazia um novo barulho era um terceiro condômino que foi chamado, juntamente com as outras duas, em reunião para uma conversa esclarecedora dos deveres e direitos de cada um dentro de nosso Condomínio. O Conselho presente participou, orientou e os representantes dos três apartamentos tiveram a oportunidade de colocar tudo o que os incomodavam e, a partir de então, um acordo de respeito mútuo!! A síndica só precisou fazer a mediação entre as colocações dos participantes, naquele momento!!!
Reunião encerrada, problemas resolvidos! Como se vê, nova advertência e/ou multa nesse caso, não adiantaria em nada!!!
Direcional Condomínios: Há uma clara expansão dos condomínios nas regiões urbanas e migração de moradores de um padrão de residências isoladas, individualizadas, para condomínio. O que deve mudar na cultura dos residentes quando se mudam para apartamentos?
Roseane M. Barros Fernandes: Na minha visão e com a experiência desses anos, nada dá mais resultado do que uma boa conversa, com o RI em mãos, deixando claro que as regras devem ser seguidas para o bem de todos!! Fazê-los entender que casa é unilateral e apartamentos são bilaterais ou multilaterais. Há então os dois lados que têm suas necessidades e prioridades diferentes e se compartilhadas no contexto dos bons costumes, ninguém será prejudicado! E ouso deixar registrado que “aquele encontro casual” também deve servir para deixar claro que a administração do condomínio estará sempre à disposição dos novos moradores!!! “Vale a antiga regra: Antes de fazer, se tiver dúvidas, pergunte!!!”
Direcional Condomínios: De que maneira a administração do condomínio, incluindo Corpo Diretivo e também administradora, deve trabalhar para facilitar ou auxiliar a adaptação dos moradores ao convívio em condomínio?
Roseane M. Barros Fernandes: Fora as ações que já elencamos na resposta acima, registro também que uma boa política de comunicação é o segredo da manutenção da boa vizinhança!!! Semanalmente, divulgamos comunicados e orientações a todos os condôminos, inclusive, com itens do regulamento que norteiam o dia a dia de cada um!!! Em resposta a isso, recebemos emails ora agradecendo o lembrete feito ora tirando dúvidas que antes estavam amortecidas!!!
Ainda: sempre que possível, em assembleias, é preciso dar espaço aos moradores, para que relatem sobre os maiores problemas de modo que tenham suas dúvidas esclarecidas e pontuadas e seus problemas resolvidos! Deixo novamente meu exemplo: a sacada do 1º andar em nosso Condomínio é maior do que as outras e, portanto, recebedora de todo resíduo vindo dos andares superiores. Na última assembleia, sugerimos a formação de um grupo constituído por esses moradores (do 1º andar) para que elaborassem um plano de ação e resolução e apresentassem ao Corpo Diretivo (Síndica e Conselho) para avaliação e posterior validação! Por ora, temos as reclamações diminuídas em 99%, pois o grupo ainda está em estudo!!!
Roseane M. Barros Fernandes é síndica há quase um ano do Condomínio Antígua, localizado no bairro do Morumbi. Mas, durante anos, foi síndica de outro residencial que morou antes do Antígua, onde tem sido responsável pelo processo de implantação. Mais informações: ro.barros@ajato.com.br
São Paulo, 27 de maio de 2013.