ÚTEIS, VOLUPTUÁRIAS OU NECESSÁRIAS?
A legislação deixa bem claro aos síndicos e condôminos o percentual mínimo estipulado para a aprovação das obras. As dúvidas ficam por conta do entendimento de sua natureza, algo que pode ser tratado em Convenção.
O Novo Código Civil está claro. Seu artigo 1.341 estipula o quorum de dois terços dos condôminos para a aprovação das obras “voluptuárias”, de uma maioria simples para intervenções “úteis” e até dispensa votação prévia em caso de “reparações necessárias”, marcadas pelo caráter da urgência. No artigo seguinte, o de número 1.342, determina que mudanças nas áreas comuns, como as construções “em acréscimo às já existentes, a fim de lhes facilitar ou aumentar a utilização”, também passem por aprovação dos dois terços. Já um novo pavimento, subsolo ou edifício depende de votação unânime.
“A questão do quorum nas votações das obras não trará dificuldade se o síndico observar o que está disposto no novo Código Civil”, afirma a advogada Evelyn Roberta Gasparetto, autora, juntamente com Cristina Muccio Guidon, do livro “Administrando Condomínios” (Editora Servanda, 2010). A interpretação, no entanto, deixa dúvidas, admite a advogada. Contratar obras e serviços de individualização do gás seria “útil”, por uma questão de economia, ou poderia entrar no quesito “necessária”, se facilitar a identificação de pontos de vazamentos e contribuir para a solução definitiva do problema?
Segundo Evelyn, o novo Código abrange de maneira satisfatória “o escopo dos quoruns relativos às obras”.
As dúvidas incidem sobre as definições do que sejam “úteis”, “voluptuárias” e “necessárias”. Conforme o artigo 96 do Código, são consideradas “voluptuárias” aquelas que servem para “mero deleite ou recreio, que não aumentam o uso habitual do bem, ainda que o tornem mais agradável, ou seja, de elevado valor”. Evelyn cita como exemplo o paisagismo e a decoração do hall social. Já as “úteis” são aquelas que “aumentam e facilitam o uso do bem” e as “necessárias” se inserem no escopo das que “evitam a deterioração dos bens”.
Para facilitar a vida dos síndicos e condôminos, a advogada sugere qualificar essas obras na Convenção, “incluindo-se um descritivo do que venham a ser”.
A administradora Cristina Muccio Guidon, parceira de Evelyn no livro e atuante na área de gestão condominial, defende que o síndico esclareça aos moradores presentes na assembleia “se a obra em pauta para aprovação se trata de benfeitoria, manutenção ou reparo emergencial”. “A interpretação se é ‘voluptuária’, ‘útil’ ou ‘necessária’ tem sido um fator que dificulta a aprovação em razão do quorum necessário para cada caso”, comenta. Além disso, é comum, conforme observa Cristina, “a falta de objetividade e clareza na apresentação do projeto” também gerar problemas na aprovação.
Cristina Guidon lembra ainda que os quoruns de dois terços são os que mais dificultam a aprovação, em função da pequena presença dos condôminos nas assembleias. “Alguns condomínios, quando precisam atingir esse quorum, aproveitam a oportunidade do sorteio de vagas de garagem para deliberarem e aprovarem as obras”, afirma. O expediente é utilizado no Condomínio Edifício Villa Monrealle, no Tatuapé, zona Leste de São Paulo. De acordo com o síndico José Paschoal Somma, o local promove duas assembleias anuais, uma ordinária (para a prestação das contas) e outra extraordinária (para a definição das vagas).
“Usamos a extraordinária, que sempre tem boa presença, para colocar outros assuntos em votação. Assim, reunimos sempre mais que dois terços”, diz.
Mas seu primeiro grande pacote de obras foi aprovado após um incêndio em um apartamento, que causou grandes prejuízos à estrutura da unidade, provocou vazamentos em outras (pois afetou uma das prumadas) e danificou a fachada do prédio. Com uma torre e 20 anos de anos de construção, o Monrealle precisava de grande reforma na época. “Peguei o gancho e aprovei em assembleia um pacote de obras e verbas, sem dificuldades”, lembra. A seguradora bancou a recuperação estrutural do apartamento, bem como das áreas externas afetadas pelo fogo, mas toda fachada estava precisando de pintura, acrescenta. Havia ainda necessidade de instalar corrimãos contínuos nos dois lados da escadaria interna, bem como sensores de presença, revisão da parte elétrica, substituição das portas corta-fogo, reforma do telhado e piscina. “O prédio ficou praticamente novo, isso tudo valorizou o imóvel, que é o ponto mais importante”, conclui.
Matéria publicada na edição 150 de setembro de 2010 da Revista Direcional Condomínios.