Para entender o adolescente no condomínio: a questão da ansiedade e do uso de drogas lícitas e ilícitas

Os condomínios se tornaram um dos principais espaços sociais de convívio dos adolescentes, por isso abordaremos a questão da ansiedade, sentimento tão em alta nos dias atuais, aliada à depressão. Antigamente finalizava-se esta etapa da vida aos 18, 19 anos de idade, e hoje, encerra-se por volta dos 24 ou 25 anos. Ansiedade e depressão são temas altamente explorados em todo o mundo, não havendo distinção de classes socioeconômicas e culturais, e vale dizer, não há mais idade em que se possa acometer a população dos males do século atual.

Aliás, as doenças emocionais evoluíram negativamente nos transcorrer das décadas e no final do século passado e no início deste século, tanto a depressão como a ansiedade, já estavam sendo consideradas as doenças e os principais males na população.

E por quê? Com o avanço tecnológico, diga-se, internet, celular, videogames, além de mudanças de conceitos do que é família, da forma como é vista hoje, a mudança da mentalidade social do que é certo ou errado, aumento do consumo de álcool e drogas, da queda brusca da qualidade de ensino e da excessiva cobrança que sofremos por todos os lados, caracterizou-se um aumento das doenças emocionais.

O aumento gradativo das doenças psiquiátricas está atingindo crianças já quando saem do ventre da mãe, pela própria rotina de vida dos pais quanto a trabalho, muitos deles trabalhando abusivamente, não reservando uma qualidade de tempo necessário para participar das principais etapas de crescimento e aprendizagem dos filhos. E muitas vezes eles delegam o cuidado dos filhos a terceiros, bem como depositam nas escolas o encargo de educarem, quando papel da escola é única e exclusivamente o de ensinar.

É claro que quando um filho nasce, não levamos na mochila do bebê um manual de como educá-lo, mas atualmente existe uma infinidade de recursos materiais, como, por exemplo, livros, palestras, vídeos, como também outras formas de se buscar conhecimento e aprendizado para cuidar de uma geração que está cada vez mais perdida, acomodada, sem vontade de pensar, ficando na dependência dos pais monetariamente e fisicamente por tempo indeterminado. Raros são os casos em que os filhos buscam suas independências no início da fase adulta, como também é raro quando os pais buscam orientações profissionais, considerando desnecessário ajuda profissional, muitas vezes acreditando que os problemas dos filhos são frescura.

Em minha experiência profissional de 22 anos, observo um aumento significativo de atendimentos psicoterápicos do público adolescente, na faixa entre 16 e 20 anos, todos, apresentando praticamente as mesmas patologias, diga-se: ansiedade, depressão, síndrome do pânico, adicção múltipla, seja de drogas, como também relacionados a outras dependências do mundo moderno, como, por exemplo, internet, tecnologia, compulsão alimentar, além de desenvolverem uma sexualidade precoce, havendo, como sabemos, o número cada vez maior de adolescentes grávidas onde os jovens não assumem sua paternidade.

Diante do quadro exposto, quero também enfatizar um outro lado da minha percepção quando atendo os adolescentes. O lado humano.

Muitos deles muitas vezes comparecem à terapia a mando dos pais, mas no transcorrer do tempo, desenvolvem a capacidade de verbalização, explanação de suas emoções e pensamentos, explicitando suas dificuldades em relacionar-se com as pessoas, criando confiança no profissional, abrindo seus arquivos de vida, descrevendo assuntos que nunca relataram aos seus próprios pais, ou seja, quando profissional e paciente desenvolvem uma relação empática, o processo terapêutico flui muito bem. Ou seja, eles querem que alguém os ouça ou apenas olhe para eles.

É claro que procuro orientar os adolescentes de uma forma em que, falando a mesma linguagem que eles, os mesmos conscientizem-se dos seus papéis na sociedade, na relação familiar, nas relações interpessoais, no consumo de substâncias químicas ou das dependências tecnológicas, sendo estas consideradas caminhos de fuga para não encararem suas dificuldades psicológicas e pessoais.

Essa geração da cabeça baixa está precisando urgentemente ser ouvida, ser compreendida e principalmente ser orientada para criarem um Norte para o futuro. E para isso, converso com todos os pais visando entender suas dificuldades na criação dos mesmos, orientando-os e buscarem os recursos materiais disponíveis visando uma melhora na qualidade da relação, mas principalmente, enfatizo categoricamente, a necessidade de dois pontos de alta importância: o diálogo e a empatia de ambas as partes, visto que, hoje em dia, raramente observamos.

Como última consideração, deixo aos pais mais um recado: participem mais da vida dos seus filhos, curtam mais a vida deles e com eles, trabalhem os contatos físicos e verbais, empatia, sejam aquelas referências positivas da qual eles tanto precisam, pensem antes de julgar ou tomarem atitudes mais duras e reflitam: “Será que eu como pai ou mãe também não estou errando que possa estar provocando esses conflitos nos meus filhos? ”

De que forma isso impacta no convívio com outros adolescentes do condomínio e pode gerar problemas coletivos de comportamento?

Fazendo uma profunda reflexão à questão abordada acima, e de acordo com minhas percepções, como citado no texto, os adolescentes na atualidade estão desenvolvendo precocemente a dependência química entre outras compulsões (internet, comida, compras etc.), não só por conta das influências dos “amigos”, mas sim por não estarem bem psicologicamente. Ou seja, está havendo um gradativo avanço das doenças emocionais, tais como depressão, ansiedade.

Quando não tratados adequadamente, vários comportamentos inadequados e inconsequentes ocorrem, de pequenos a grandes furtos dentro de casa, furtos e roubos fora de casa; dentro do condomínio ocorrem furtos de objetos materiais dos condôminos, tais como bicicletas, rádios dos carros, carteiras, celulares, entre outros objetos esquecidos nas imediações do condomínio. Além disso, pode haver roubos ou furtos de bicicletas e motos, tudo com o objetivo de se obter recursos para adquirir as drogas desejadas.

A repercussão de situações como estas, é claro, trazem consequências graves para o usuário e para a própria família, que muitas vezes, é convidada a retirar-se do condomínio pelos motivos citados.

Vale enfatizar que em várias situações, funcionários são cúmplices desses delitos, sendo esses manipulados pelo infrator para que não o acusem em troca de bebidas, bem como o uso de outras substâncias.

Portanto, urge que os síndicos atuem de forma rígida ao saberem destas situações e tomem providências emergenciais diante desses funcionários. Infrator e funcionários partilharem furtos e uso de químicos é de uma gravidade sem precedentes.

Quanto aos pais, cabe tomar medidas cabíveis conforme os comportamentos dos filhos. Em vários casos, os próprios filhos são detidos e internados em instituições de recuperação por ordem judicial, ou em vários casos, são encaminhados diretamente às prisões, conforme a idade do filho.

Os familiares também devem buscar orientação de profissionais como forma de saberem enfrentar a situação. A maioria não sabe como lidar diante de casos como esses e, em geral, não sabe que os filhos são usuários, e muito menos que estão cometendo delitos graves. E não é por falta de orientação, pois as mídias e redes sociais estão divulgando cada vez mais ocorrências desse tipo, basta aos pais prestarem mais atenção. Posteriormente os filhos também serão encaminhados para os tratamentos específicos.

Outro ponto agravante é a influência que um usuário pode gerar em outros adolescentes residentes nos condomínios. Visto que é muito “comum” os adolescentes utilizarem substâncias psicoativas, um pode auxiliar o outro nesses delitos, como também usarão suas drogas de preferência em algum local dentro ou fora do condomínio, ou ainda, utilizarão na residência de um deles quando os pais estiverem ausentes. Acredito que um ponto agravante é quando os próprios pais permitem o consumo dentro do lar, ou mesmo, por serem usuários, não acreditam que utilizar seja um problema grave, ou seja, é “normal”.

Torna-se, assim, de máxima importância recorrer ao trabalho de um profissional habilitado para estabelecer maior conscientização não só dos moradores, mas também dos funcionários e dos síndicos responsáveis pela administração dos condomínios.

Através de palestras, folders de orientação mensal, treinamentos para os funcionários, acredito que se possa conscientizar melhor todos a estarem alertas aos principais problemas causados pelo consumo de químicos, tanto de forma psíquica, como comportamentalmente.

Vamos pensar nisso ?

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Autor

  • Nelson Luiz Raspes

    Psicólogo com formação em Dependência Química pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). É especializado em Capacitação em Dependência Química pela Universidade de Santa Catarina. Atuou durante quinze anos junto ao Centro de Tratamento Bezerra de Menezes.