O senador Antonio Anastasia apresentou o Projeto de Lei 1.179/2020 ao Senado Federal na segunda-feira, dia 30 de março de 2020. O objetivo é dispor de um “Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do Coronavírus (Covid-19)”. Isso inclui, entre outros, mudanças de regras de circulação dentro dos condomínios.
A previsão é de que a matéria seja apreciada e votada pelo Plenário nesta sexta-feira, dia 3 de abril de 2020. Mas para a síndica Patrícia Sodré Bertolli Perez, advogada que atua na função em São Paulo (Capital) há seis anos, o PL é “muito tímido diante dos inúmeros problemas enfrentados” por esses gestores em função da pandemia.
A seguir, a Direcional Condomínios publica uma análise da síndica e advogada quanto aos pontos do PL que dizem respeito ao Capítulo “Dos Condomínios Edilícios”.
– Sobre o Art. 15
Este determina:
“Art. 15. Em caráter emergencial, além dos poderes conferidos ao síndico pelo art. 1.348 do Código Civil, compete-lhe:
I – Restringir a utilização das áreas comuns para evitar a contaminação do Coronavírus (Covid-19), respeitado o acesso à propriedade exclusiva dos condôminos; Esclarecendo a celeuma: o direito de propriedade não é soberano, o interesse da coletividade se sobrepõe ao interesse individual, entretanto poderia deixar mais claro que não se trata apenas de playground, piscina, quadra etc., estende-se também a pátios, pista de cooper, espaço pet etc., muitos moradores entendem como área comum somente espaços fechados.
II – Restringir ou proibir a realização de reuniões, festividades, uso dos abrigos de veículos por terceiros, inclusive nas áreas de propriedade exclusiva dos condôminos, como medida provisoriamente necessária para evitar a propagação do Coronavírus (Covid-19), vedada qualquer restrição ao uso exclusivo pelos condôminos e pelo possuidor direto de cada unidade.
Parágrafo único. Não se aplicam as restrições e proibições contidas neste artigo para casos de atendimento médico, obras de natureza estrutural ou a realização de benfeitorias necessárias. “
Segundo Patrícia S. B. Perez, “temos aqui uma proibição e não temos uma penalidade”. “Em caso de descumprimento pelos condôminos, o que o síndico deverá fazer uma vez que não há previsão correspondente no Regulamento Interno ou na Convenção? Seria pertinente, pois não é possível realizar assembleia para regulamentar tal penalidade, já conter uma penalidade, por exemplo, 20% da cota média condominial. De nada resolve a determinação sem sanção”, pondera.
– Sobre o Art. 16
Este prevê:
“A assembleia condominial, inclusive para os fins dos Arts. 1.349 e 1.350 do Código Civil, e a respectiva votação poderão ocorrer, em caráter emergencial, por meios virtuais, caso em que a manifestação de vontade de cada condômino por esse meio será equiparada, para todos os efeitos jurídicos, à sua assinatura presencial.”
A síndica e advogada considera este um “ponto mais do que controverso, inclusive por ser optativo, pode ou não ocorrer”. Vai além: “Nem todas as administradoras possuem a tecnologia para fazer assembleia virtual, em um condomínio com a maioria da população idosa, que não possui intimidade com a informática, como isso será feito? E, o mais importante, a assembleia virtual ainda não está totalmente amparada legalmente e muito vem se discutindo a respeito.”
A gestora sugere “a prorrogação dos mandatos por até 120 dias automaticamente e, ocorrendo a suspensão das medidas restritivas governamentais, imediatamente após, e respeitando-se o prazo na Convenção, realiza-se a assembleia para eleição de síndico.” Quanto à “assembleia de prestação de contas e previsão orçamentária, o Código Civil já deixa uma brecha para que ocorra em outro momento, conforme o que determina o Art. 1.348, Inciso VI (“elaborar o orçamento da receita e da despesa relativa a cada ano”), e Inciso VIII (“prestar contas à assembleia, anualmente e quando exigidas”). “Temos até dezembro para seja realizada. Algumas convenções ou regulamentos estabelecem o mês que deverá acontecer, nesses casos, ficaria valendo o que determina o Código Civil.”
– Sobre o Art. 17
Dispositivo prevê:
“É obrigatória, sob pena de destituição do síndico, a prestação de contas regular de seus atos de administração.”
Patrícia Bertolli considera esse item “desnecessário, visto que o tema já possui previsão expressa no Código Civil, Art. 1.349, segundo o qual a assembleia, especialmente convocada para o fim estabelecido no § 2 do artigo antecedente, poderá, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, destituir o síndico que praticar irregularidades, não prestar contas, ou não administrar convenientemente o condomínio”. “Entretanto, aqui teríamos novamente o problema da realização de assembleia. Nesse caso, seria interessante que a solução viesse apenas para os casos de irregularidades graves praticadas pelo síndico durante a pandemia. Aqui, o conselho tomaria essa decisão, ajuizaria ação com pedido de antecipação de tutela e ratificaria em assembleia posteriormente.”
Aluguéis
Conforme o PL, segue o regime proposto em relação ao pagamento dos aluguéis no período das medidas de contenção da pandemia:
“Art. 10. Os locatários residenciais que sofrerem alteração econômico-financeira, decorrente de demissão, redução de carga horária ou diminuição de remuneração, poderão suspender, total ou parcialmente, o pagamento dos alugueres vencíveis a partir de 20 de março de 2020 até 30 de outubro de 2020.
§ 1° Na hipótese de exercício da suspensão do pagamento de que trata o caput, os alugueres vencidos deverão ser pagos parceladamente, a partir de 30 de outubro de 2020, na data do vencimento, somando-se à prestação dos alugueres vincendos o percentual mensal de 20% dos alugueres vencidos.”
Em relação ao assunto, Patrícia Bertolli considera importante haver uma “flexibilização dos valores pactuados, pois, para manter o pagamento em dia, muitos proprietários dependem do valor da locação para completo de renda”. No entanto, “a suspensão do pagamento seria temerária, de certa forma seria um incentivo à inadimplência. No caso de apartamentos locados onde juntamente com o aluguel é paga a conta condominial, isso seria aplicado? O condomínio não tem fonte de renda, ele precisa arrecadar a cota para pagar as despesas mensalmente”, assevera.
“Tenho dito que nós síndicos estamos tomando medidas e ‘jogando na bacia das almas’ com o argumento de caso fortuito e força maior para justificar nossas ações em relação às medidas restritivas geradas pela necessidade de controle da pandemia. Apesar de termos muitos síndicos profissionais, a maioria dos condomínios ainda tem síndico morador, muitos têm boa vontade, mas com despreparo técnico para o cargo, dependem de orientação de administradoras e, algumas delas, estão tão despreparadas quanto este gestor.”
Pareceres e orientações trazem segurança jurídica?
A síndica e advogada Patrícia Bertolli avalia que os síndicos vêm se respaldando com base em pareceres e orientações de entidades de classe, “mas nenhum desses instrumentos trazem segurança jurídica, algo que possa garantir que o gestor não venha enfrentar problemas futuros diante de decisões tomadas neste momento de excepcionalidade”. Nesse sentido, muitos condôminos questionam neste momento as medidas adotadas pelos síndicos citando a “falta de obrigatoriedade legal”.
“Fala-se muito no ‘bom senso’ das pessoas, mas na prática os síndicos estão sofrendo com isso, ainda hoje tem condomínio que, por pressão dos moradores, estão mantendo as áreas comuns abertas, a academia funcionando! Recentemente, um condômino alegou necessidade de usar a academia para fisioterapia por recomendação médica, situação totalmente comprovada, pois tínhamos ciência de uma cirurgia sua anterior. Como ele se encontra em fase de recuperação, a academia foi liberada para o morador, uma exceção. Agora temos vários condôminos apresentando ‘atestado’ de preparador físico ou fisioterapeuta para poder usar a academia. Aqui, o ‘bom senso’ foi por terra.”
O síndico na pandemia
Patrícia Bertolli finaliza com a reflexão:
“É preciso um olhar urgente por parte dos governantes para os condomínios, de forma a disciplinar inúmeras questões que hoje estão sendo resolvidas pelo ‘bom senso’ ou falta dele por parte dos síndicos. Necessário que medidas sejam determinadas e não sugeridas. Por não ser determinação e não haver punição, o cumprimento se torna facultativo e não obrigatório. Sabemos que somente quando existe aplicação de penalidade as normas são cumpridas. Nesse sentido, é importante que já seja expressa a permissão para aplicação de multa pelo síndico e que seja estipulado percentual com base na cota média condominial.”
Entre as questões que mais têm causado controvérsia diante desse vácuo legal, Patrícia cita a obrigatoriedade ou não de o morador informar ao síndico a confirmação ou suspeita de contaminação pela Covid-19; a persistência de moradores que querem circular e ficar nas áreas comuns (qual penalidade o síndico pode aplicar neste caso?); a conveniência ou não de os moradores prosseguirem com obras nas unidades, bem como do acesso de prestadores de serviços eventuais (pintores, marceneiros) dentro do prédio; a manutenção ou não de agendas de mudança e de visitas de corretores de imóveis; e quanto à aplicação de multas e juros correspondentes neste período de quarentena.
Diante disso, Patrícia Bertolli questiona: “Como fica o síndico em relação a todas essas questões? O PL do Senado deveria ser revisado.”