POR UMA ATMOSFERA DE PAZ

Ruídos na comunicação, discordância, desrespeito. Está dada a fórmula para conflitos sem fim nos condomínios. Comunicação Não Violenta e Conexão Emocional são recursos para inibir situações de confronto

 

BASTA UMA rápida pesquisa pelo Google para verificar que brigas em condomínios são manchete frequente dos noticiários. Muitas envolvem inclusive o síndico, com casos tristes em que as agressões físicas trouxeram graves consequências para as vítimas. É preciso se preparar para lidar com moradores a cada dia mais irascíveis e irritados, evitando se tornar parte das estatísticas de agressões em condomínios, e a Comunicação Não Violenta é uma das boas alternativas disponíveis.

Desenvolvida pelo psicólogo americano Marshall Rosenberg nos anos 1960, a Comunicação Não Violenta é um processo que procura facilitar a comunicação interpessoal. Segundo Rosenberg, a chave para desavenças e discórdias está na maneira como falamos e ouvimos os outros. Ele trabalhou como orientador educacional em escolas e universidades norte-americanas justamente na época do movimento pelos Direitos Civis, que culminou em 1964 com a assinatura, pelo presidente americano, da Lei dos Direitos Civis e o fim da segregação racial. Rosenberg, falecido em 2015, chegou a mediar conflitos e levar programas de paz a regiões assoladas por guerras, como Sérvia e Ruanda.

 

Para Cauê Barbosa, conflitos acontecem porque a comunicação vem cheia de gatilhos

Mas como uma técnica que mediou grandes conflitos pode ajudar a lidar com os problemas cotidianos dos condomínios? “Em qualquer condomínio, independente da faixa financeira e cultural dos condôminos, os conflitos ocorrem porque a comunicação vem cheia de gatilhos, sai como uma rocha”, aponta o advogado Cauê Barbosa, palestrante na área de inteligência emocional e Comunicação Não Violenta.

Ele ilustra com o clássico exemplo do morador incomodado com o barulho gerado por um vizinho. “Normalmente o vizinho vai reclamar aos gritos: ‘Você está querendo me prejudicar? Não consigo dormir, quer que eu vá trabalhar amanhã como um zumbi?’ Ele faz a abordagem acompanhada da crítica, da acusação, do julgamento, quando na verdade seu desejo é apenas dormir bem. Nós não somos treinados para comunicar o nosso interesse mais nobre, mas aquilo que vem primeiro à nossa cabeça.”

As assembleias costumam ser momentos tensos nos condomínios. No lugar de perguntar ou expor um problema, muitos exigem e impõem. Pode haver um contra-ataque violento, mais réplica e tréplica também violentas. Cauê explica que quando recebemos uma ofensa “à queima-roupa”, é acionado nosso sistema de defesa. “Nessas situações, o síndico deve tomar cuidado com sua primeira resposta. Se ele fugir da pergunta, demonstrará insegurança ou irá gerar desconfiança. Se ele paralisar, perderá a força da liderança. E se ele contra-atacar da forma errada, fará girar a espiral do conflito gigante e apagar esse incêndio dará muito trabalho”, afirma Cauê Barbosa.

Saber o que falar e como falar é essencial para os síndicos. Uma única resposta atravessada pode lançar uma semente para minar a gestão do síndico. “Antes de qualquer assembleia ou reunião, antes mesmo de dar uma volta no condomínio, esteja preparado, assim você não será pego de surpresa. Lógico que há limites para o que se deve escutar e o limite é a ofensa. Acusações contra o síndico, como chamá-lo de bandido, ladrão, corrupto, devem ser tratadas com o rigor da lei. Faz parte da liderança do síndico colocar limites. O síndico não deve deixar o circo pegar fogo, permitindo que condôminos falem o que quiserem”, orienta o advogado Cauê.

Síndico orgânico há 18 anos e profissional há cinco, o administrador de empresas Octavio Roberto Cirillo Neri é uma pessoa naturalmente equilibrada. Ele brinca que é preciso se esforçar para tirá-lo do sério. Além do temperamento, Octavio fez uma longa carreira na área comercial atuando em multinacionais americana, alemã e suíça. “Sofria muita pressão dos clientes, mas sabia que não podia me descontrolar para não perder a razão. Isso me ajudou muito como síndico.” Ele recomenda que o síndico (orgânico ou profissional) se prepare para a função, especialmente aqueles com “fio desencapado”. “O síndico deve estar preparado para ouvir absurdos e pensar muito antes de falar. Na dúvida, diga que dará a resposta depois”, comenta.

Na opinião do síndico Octavio Neri, assuntos precisam ser ‘colocados em pratos limpos’

Ele reforça também que tudo seja “colocado em pratos limpos”, ou seja, nada de deixar assuntos sem solução. Octavio lembra de uma assembleia onde o assunto era a pintura da fachada. No dia seguinte, uma vizinha o procurou para contar que um morador havia comentado que a pintura foi superfaturada.

Octavio, então, no mesmo dia convocou para uma reunião o conselho, as testemunhas, que concordaram em confirmar o fato, e o morador que fez a acusação. “Falei que a nossa credibilidade, minha, do conselho e da administradora, estava sendo posta em dúvida. E se ele confirmasse a afirmação, teria que responder judicialmente. Ele respondeu que não quis dizer que a pintura foi superfaturada, mas que foi cara. Respondi que cara é diferente de superfaturada. Mostrei os quatro orçamentos, expliquei que foi aprovada por unanimidade a verba de 90 mil reais e que gastamos 82 mil reais. Pedi então que se retratasse na frente do conselho e das moradoras, e ele afirmou que havia se expressado mal”, relata o síndico, completando que poderia ter agido por impulso, procurado o morador e travado uma discussão infrutífera. “Com ponderação, a situação foi resolvida. Cortamos a história pela raiz, sem deixá-la se espalhar.”

O advogado Cauê Barbosa concorda que o síndico deve ser flexível, acolher o sentimento do outro, ser empático, mas tudo dentro do limite da lei. Cauê se recorda do caso de um síndico que apanhou de um morador na academia, isso porque foi orientá-lo sobre o uso de um equipamento. O morador se sentiu ofendido e partiu para a violência. “Em situações como essa, se o síndico abordou alguém e a comunicação não violenta não funcionou, ele deve recuar. Caso o síndico se perceba em risco, ou se a situação esteja fora de controle, não deve dar nenhum passo em direção ao outro. E se houver violência contra o síndico, a gestão precisa agir com rigor. Faz parte do papel do síndico defender a sua integridade física, moral, psicológica. Atravessou os limites da lei, busque a lei.”

 


Matéria publicada na edição 301 jun/24 da Revista Direcional Condomínios

Não reproduza o conteúdo sem autorização do Grupo Direcional. Este site está protegido pela Lei de Direitos Autorais. (Lei 9610 de 19/02/1998), sua reprodução total ou parcial é proibida nos termos da Lei.

Autor

  • Luiza Oliva

    Jornalista com larga experiência em reportagens e edição de revistas segmentadas. Editora do site e Instagram O melhor lugar do mundo, voltado à decoração, arquitetura e design. Editora da Panamby Magazine, publicação dirigida aos moradores do bairro do Panamby, região do Morumbi, em São Paulo. Desde 2005 também atua na área da educação, com publicações especializadas e cursos para formação de professores.