“Maestro” ou “juiz de futebol”: qual papel cabe ao síndico diante de problemas envolvendo familiares dentro das unidades autônomas e que acabam gerando transtornos aos demais condôminos?
Nem maestro, nem juiz de futebol. Em um primeiro momento, diante de conflitos entre familiares que repercutem no condomínio, os síndicos devem agir conforme as prerrogativas estabelecidas na lei e dos recursos definidos na convenção e no regimento interno, mantendo-se o mais distante possível de um envolvimento direto, recomenda Cristiano de Souza Oliveira, advogado com forte atuação na área. Mas “nesta sociedade micro que é o condomínio, temos que conhecer as pessoas”. Ou seja, ir um pouco além. “O síndico precisa ter um feeling e saber até onde pode ir. Além da fiscalização, tem que haver uma solidariedade e às vezes uma compreensão, o jogo de cintura, pois o síndico está mais para maestro que para juiz de futebol”, avalia. Síndico há 7 anos, Cristiano destaca que não está em sua prerrogativa “mediar conflitos” entre as pessoas, entretanto se houver chance de um resultado positivo, pode sim acontecer uma “interlocução amistosa” junto às partes.
Instrumentos disponíveis
De qualquer maneira, a ação inicial do síndico neste tipo de situação deve ser estritamente legal, orienta o advogado. Segundo ele, uma ocorrência denunciada por um condômino em relação ao vizinho tem que ser averiguada prontamente e, caso se confirme, registrada pelo funcionário (porteiro, segurança ou zelador). Ao síndico caberá, em seguida, notificar o denunciado por escrito, conforme preveem convenção e regimento, solicitando que o mesmo tome providências no sentido de evitar novos transtornos e comunicando sobre a aplicação de multas em caso de reincidência. A atuação do síndico encontra-se plenamente respaldada pelo artigo 1.336 do Código Civil, o qual trata das obrigações dos condôminos, incluindo não utilizar suas unidades “de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes”.
Existem é claro acontecimentos dramáticos, com alta carga de agressividade, como brigas entre marido e mulher, irmãos ou maus tratos aos idosos, que exigem intervenções imediatas e diretas do síndico, sob pena de ser acusado de omissão. Neste caso, o advogado Cristiano de Souza apresenta duas dicas valiosas. Em primeiro lugar, “sempre que se ouvir o pedido de ‘socorro’, é preciso chamar a polícia (pelo 190)”. Depois, se mesmo com a chegada da Polícia a pessoa não abrir a porta, mas continuar pedindo ‘socorro’, “pode arrombá-la, na presença de policiais”. “Nesta situação, qualquer pessoa se encontra no dever de prestar ‘socorro’ para não incorrer na omissão. Ao chamar o 190, já se descaracteriza uma eventual omissão”, diz.
De maneira geral, a Polícia Militar não consegue lavrar boletim de ocorrência se uma das partes não concordar em abrir a porta e fazer a denúncia. Mas Cristiano lembra um caso que aconteceu no condomínio em que administra, um pedido de ‘socorro’ que persistia mesmo após a chegada da PM, mas ninguém abria a porta. O advogado dirigiu-se no meio da madrugada até um distrito da Polícia Civil, solicitou o acompanhamento de um investigador para que pudessem arrombar o imóvel e prestar o socorro pedido. Tratava-se de uma moradora que havia caído e fraturado os ossos da bacia, estava sozinha e não conseguia se mexer.
Outra situação que exigiu uma intervenção drástica foi vivida pelo síndico Rodolpho Ferreira Netto, do Condomínio Colina das Veredas, situado na Vila Mascote, zona Sul de São Paulo. Responsável pela gestão de cinco edifícios e 405 apartamentos, administrador de empresas aposentado na área de finanças e crédito, ele teve problema com uma única família em um universo de mais de mil moradores. Mas foi suficiente para gerar doze meses de transtornos, obrigando o condomínio a contratar um escritório de advocacia para auxiliá-lo. Os advogados fizeram por uma notificação extrajudicial contra um casal que brigava muito após às 22 horas e pediram a abertura de inquérito policial junto à delegacia da região. “Como resultado, no momento as brigas deixaram de ser escandalosas, se tornaram esporádicas, não sendo necessária a participação da administração e dos funcionários do condomínio. Os vizinhos estão mais calmos e não fazem as reclamações costumeiras. Os advogados estão dando continuidade aos procedimentos e estamos aguardando o resultado final, se confirmará ou não a mudança de comportamento dos briguentos”, relata o síndico.
Rdolpho conta que as aplicações das multas não foram suficientes para coibir as brigas, que tiravam o sossego dos vizinhos não apenas pelo barulho excessivo, como também pelos palavrões, o que criava situações constrangedoras para as crianças. Os moradores denunciados simplesmente não pagavam as penalidades, pois também estavam em atraso com a taxa condominial. Tampouco atendiam a polícia quando era acionada, “impossibilitando lavrar qualquer boletim de ocorrência”. Foram realizadas três notificações antes da expedição das multas. “Esse tipo de situação tem sempre que ser abordada com muito cuidado por todos os envolvidos. Não podemos – o que é muito difícil – misturar os posicionamentos de síndicos, vizinhos e até mesmo de funcionários antigos. É preciso saber separar as atitudes do síndico como administrador do condomínio, evitando que o mal-estar se espalhe para o social e passe a ser fruto de fofocas”, afirma.
Convívio Social
Para o síndico Murillo Corrêa, que atua em dois condomínios, no residencial em que mora, na Vila Madalena, zona Oeste de São Paulo, e em um comercial, não seria seu papel nem dos colegas “intervir pessoalmente nos conflitos entre familiares, vizinhos ou condôminos e prestadores de serviço, entre outros”. “No entanto, é possível agir para construir uma cultura propícia ao convívio social, promovendo a aproximação entre as pessoas.” Murillo foi premiado em 2008 como síndico destaque pelo trabalho “aglutinador” que realiza em suas gestões. Onde reside, por exemplo, promove churrascos, festa junina e “noites da pizza”, com o intuito de fazer com que os vizinhos se conheçam melhor. “Não entendo porque não dar bom dia uns aos outros dentro de um condomínio”, observa. Murillo lembra que em um clima de bom relacionamento, “os espíritos encontram-se mais desarmados quando surge um problema”.
Segundo o advogado Cristiano de Souza, ao agir de maneira flexível, ouvindo as partes, o síndico pode aproveitar algumas eventuais brechas para oferecer auxílio, sugerindo um psicólogo ou outro profissional qualificado, como gestores de crise. “Ele precisa conhecer a sua comunidade e o perfil das pessoas, saber quem é mais receptivo a uma conversa positiva. Não é sua função, mas ele poderá fazer uma mediação quando perceber que o problema é de menor complexidade e resultará em frutos positivos. Agora, se houver forte divergência e já tomou as pedidas cabíveis, a mediação não trará solução e provocará desgaste. O que pode fazer é chamar um profissional para auxiliar as partes.” Cristiano refere-se, neste caso, às brigas entre vizinhos, mais comuns que entre familiares (estas são mais delicadas). O síndico Murillo Corrêa está vivendo uma situação parecida, em que dois condôminos não conseguem chegar a um acordo sobre um vazamento. “Convoquei as partes para uma reunião sob a presença do gerente de condomínios de nossa administradora, para se acertarem de vez. Legalmente não tenho o que fazer, mas posso promover essa mediação”, comenta.
Para o advogado Cristiano de Souza, o Estado poderia assumir uma participação mais ativa na investigação de alguns conflitos, por meio dos conselhos tutelares ou Ministério Público, como na briga entre familiares que expõem crianças e idosos a riscos de agressões. “A vida dentro de um condomínio tem uma particularidade que a sociedade ainda não entendeu, a lei de certa forma reflete essa não compreensão, é fria, quando estamos lidando com um ambiente em que as questões são mais calorosas, pela proximidade e convívio inevitável na área comum.” Além disso, a agressividade, gerada por razões que vão da hiperatividade ao consumo de drogas, passando pela infidelidade de condôminos, maus tratos aos idosos, entre outros, não é apenas física, observa. “A violência no lar pode envolver a agressão moral e a psicológica”, repercutindo, por exemplo, nas áreas comuns às vezes pelo comportamento inadequado da vítima junto às demais crianças e adolescentes do condomínio.
Matéria publicada na edição 145 abr/10 da Revista Direcional Condomínios
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