Quando é possível arrombar o apartamento?

Vazamentos, focos de incêndio, pessoas com problemas de saúde e até casos de falecimentos obrigam os síndicos a providenciarem a invasão domiciliar, em defesa dos interesses do condomínio. Confiram quando e como fazer.

Dois dias de ausência nas áreas comuns e um silêncio absoluto que envolvia o apartamento chamaram a atenção de vizinhos, funcionários e da síndica do Condomínio Parque Residencial Vitória Régia, na zona Norte de São Paulo. Habitada somente por uma mulher idosa, a unidade não dava sinais de vida, o que acabou levando a síndica Helga Machado Requena a acionar o seu filho, morador de outro local. Não deu outra, a mãe havia falecido. Em outra situação, envolvendo desta vez o vazamento na instalação de uma máquina de lavar, Helga localizou o morador na Baixada Santista, que a autorizou a chamar um chaveiro, entrar no imóvel e solucionar o problema.

Mas no Condomínio Edifício Itororó, na Bela Vista, a síndica Carmen Mendes Pagan não teve outro jeito a não ser providenciar o arrombamento de um apartamento. O morador viajara e não havia deixado telefones de contato para emergências. “Pedimos sempre que as pessoas entreguem a ficha cadastral até dois dias depois de se mudarem e, se não o fazem, cobramos algumas vezes, porém, não podemos forçá-las a isso. E foi justamente num desses casos em que uma descarga disparou”, relata Carmen, lembrando que “foi um ‘auê’ tremendo, pois a caixa não segurava a água, não enchia”. Acompanhada pelo zelador, Carmen andou pelos corredores do edifício, de 160 unidades, colando os ouvidos às portas e tentando identificar de onde vinha o barulho do vazamento.

Localizado o apartamento, descobriu-se que seu morador não entregara a ficha cadastral. “Fechar o registro não adiantaria, pois outras unidades da mesma ala ficariam sem água. Chamamos a polícia para acompanhar e, além do zelador, mais uma testemunha e o chaveiro”, relembra a síndica. Os problemas, entretanto, não pararam aí. Ao retornar, o condômino ficou contrariado com a invasão e relutante às explicações de Carmen. Por fim, ele “acabou entendendo que fomos ‘forçados’ a agir desta forma” e que “nossa situação foi causada, de maneira indireta, pela falta de atendimento ao que solicitamos (a ficha cadastral)”.

Segundo o advogado Michel Rosenthal Wagner, há duas situações em que é possível promover a entrada – não autorizada – em um domicílio: sob mandado de autoridade judicial ou “por necessidade, pelo bem”. Conselheiro da vice-presidência de Condomínios e Administração Imobiliária do Secovi (Sindicato da Habitação) em São Paulo, especialista, entre outros, em Arbitragem e presidente da Comissão de Direito Imobiliário, Urbano e de Vizinhança da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Pinheiros, Michel destaca que cabe ao síndico zelar pela segurança, sossego e saúde dos condôminos. Por isso “ele tem o dever de agir”, mesmo que seja uma medida drástica, ou seja, o arrombamento de uma porta. “É uma situação que envolve o bom senso, pois, se deixar isto como um último recurso, o síndico poderá ser considerado omisso.”

Michel ilustra o caso com uma situação pessoal por que passou. Um grande aquário que ele tinha em seu apartamento estourou e começou a verter água, primeiro pela porta do hall, depois pelo vão do elevador, até chegar ao térreo. Os funcionários do condomínio conseguiram localizá-lo rapidamente, caso contrário, não teriam alternativa a não ser arrombar a porta. Alguns cuidados, entretanto, são indispensáveis aos administradores: é preciso levar um chaveiro e ter a presença de uma testemunha, “não necessariamente policial”, observa.

PACTO DE ALERTA

Medidas preventivas, no entanto, podem ser adotadas pelo condomínio, como no Vitória Régia, que orienta os moradores de seus 272 apartamentos, mais os funcionários, a ficarem alertas diante de ausências prolongadas dos vizinhos nas áreas comuns. Com grande população de idosos e de portadores de deficiência, estabeleceram-se alguns procedimentos que pretendem evitar situações limite, diz Helga. A qualquer sinal de “não estou bem”, por exemplo, é recomendado destrancar a porta, deixar o interfone fora do gancho, o que faz com que toque na portaria. “Avisados, sairemos em socorro da unidade.” Aos doentes e acompanhantes, orienta-se deixar o aparelho de telefone junto à cama, com o número do condomínio na “discagem rápida”. Na falta de convênio médico conhecido, o condomínio aciona os serviços púbicos de socorro, como o SAMU (da Prefeitura) ou o Resgate (do Corpo de Bombeiros).

Além disso, sempre que percebem a ausência da pessoa, por dois dias seguidos, dos locais de circulação, os funcionários estão orientados a telefonar para o apartamento. Para os residentes que sofrem enfermidades que impedem seu deslocamento e os retém à cama, o condomínio organizou uma biblioteca. Finalmente, “em caso de incêndio ou excesso de fumaça, com ou sem gente na unidade, acionamos o Corpo de Bombeiros e procuramos telefonar ao morador ou parentes indicado no prontuário.” Uma das principais normas do condomínio é o preenchimento de um cadastro do responsável por cada apartamento, indicando números de telefones comerciais, celulares e de parentes ou amigos. 

SEGURANÇA COMUNITÁRIA: A APOSTA NA PREVENÇÃO

Nos dez primeiros meses de 2010, a 4ª Delegacia de Repressão a Furtos Qualificados da pisão de Crimes Contra o Patrimônio, vinculada ao DEIC, registrou 21 arrastões em São Paulo, 70% dos quais com um ou mais criminosos identificados, conforme o balanço parcial do órgão, apresentado no começo de dezembro. Encarregada de concentrar as prisões em flagrantes e investigações em ocorrências contra edifícios residenciais, a Delegacia informa a prisão de 30 dos envolvidos até o final de outubro passado, pouco mais de um ano depois da implantação do Programa de Prevenção e Repressão a Roubos a Condomínios, em uma parceria da Secretaria de Segurança Pública do Estado com o Secovi em São Paulo.

Outras ações do Programa ganharam corpo em 2010, por meio da Diretoria da Polícia Comunitária e de Direitos Humanos da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Em maio, o setor assinou um protocolo de intenções junto ao Secovi, prevendo a realização de palestras de policiais militares em todo o Estado, com o apoio logístico do Sindicato. Em agosto, celebrou-se a parceria com o Conselho Regional de Corretores de Imóveis da 2ª Região (Creci), também para a promoção desses encontros. “Mas qualquer síndico pode se dirigir a uma unidade da Polícia Militar e solicitar uma palestra em seu condomínio”, observa o Coronel Luiz de Castro Júnior, diretor da Polícia Comunitária. “Temos ainda 800 Consegs (Conselhos Comunitários de Segurança), muitos com a participação de síndicos, que são importantes canais para orientar a população”, diz.

A ideia é trabalhar na “prevenção primária do crime”, apresentando “os cuidados essenciais que cada cidadão pode adotar para a segurança própria e do patrimônio”, destaca o diretor. Entre eles, “trancar a residência adequadamente, evitar que fique com aparência de abandono, pedir aos vizinhos que deem uma olhada quando estiver fora, interromper temporariamente a assinatura de publicações”, além, é claro, de não circular por locais ermos, “em altas horas da noite”. Demais medidas incluem o ambiente físico, já que a presença de terrenos baldios, a ausência de telefones públicos, o pouco tráfego e a falta de iluminação facilitam a ação do agressor.

Por meio dos protocolos, dos Consegs e das visitas aos condomínios, a Diretoria da Polícia Comunitária pretende formar “multiplicadores” e “aproximar a PM dos cidadãos, fortalecendo os laços de confiabilidade”, o que ajudaria, por exemplo, a diminuir as subnotificações das ocorrências. “A falta de informações afeta o planejamento”, diz o Coronel Luiz de Castro. Segundo ele, a segurança pública trabalha com três níveis de ação: a prevenção primária, a secundária (como a atuação das corporações policiais no combate, prisões e investigações, entre outros) e a execução penal. Para finalizar, o Coronel Luiz de Castro reproduz uma frase do sociólogo Cláudio Chaves Beato Filho, segundo o qual “o crime é uma coisa muito séria para ser deixada apenas nas mãos dos policiais, advogados ou juízes, pois envolve dimensões que exigem a combinação de várias instâncias sob o encargo do Estado e, sobretudo, a mobilização de forças importantes da sociedade.” Ou seja, “todos somos responsáveis pela qualidade de vida”, conclui o diretor.


Matéria publicada na edição 153 dez-jan/11 da Revista Direcional Condomínios

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