A multa de até dez vezes o valor do condomínio pode inibir o condômino anti-social. Mas, tome cuidado: nem todo comportamento inadequado é anti-social.
Qualquer sociedade possui regras que devem ser respeitadas para a boa convivência de seus integrantes. Em hospitais, por exemplo, é necessário manter silêncio. Na maioria das escolas, exige-se o uso de uniforme pelos alunos. Também os condomínios possuem suas normas – que moradores, funcionários e visitantes devem cumprir. Porém, infelizmente, são raros os prédios que não têm histórias envolvendo condôminos que vivem desrespeitando as regras. Normalmente, são pessoas que adoram confusão e que se acham no direito de fazer o que bem entendem – e nem se lembram que a vida em condomínio pressupõe respeitar os direitos dos outros.
Para esse tipo de morador, o novo Código Civil brasileiro (em vigor desde janeiro) reservou uma novidade. A lei o denomina condômino anti-social. O parágrafo único do artigo 1337 diz que “o condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento anti-social, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembléia”.
Ou seja, o condômino que, repetidas vezes, tiver um comportamento que cause incompatibilidade de convivência com o restante do condomínio, poderá ser multado em até dez vezes o valor da taxa condominial. Essa decisão deve ser tomada em assembléia, com a presença de ¾ dos condôminos restantes. “A nova legislação, ao contrário do Código de 1916, que vigorou até agora, permite a formação de um sistema jurídico aberto. O anti-social, dentro do capítulo condomínios, nada mais é do que uma cláusula aberta”, informa o advogado e consultor jurídico condominial, Cristiano De Souza Oliveira, ressaltando que a decisão não cabe apenas ao síndico, mas sim à assembléia. “A definição de anti-social depende do momento, do condomínio e da ação realizada por essa pessoa. A multa somente será aplicada em quem, reiteradamente, tiver um comportamento anti-social”, completa.
O novo Código Civil inovou, ao incluir o termo anti-social na legislação. Porém, esperava-se ainda mais. “O mercado condominial esperava a possibilidade de exclusão do condômino anti-social, como já acontece em alguns países. O condomínio pode excluir esse morador, mesmo que ele seja proprietário de uma unidade. Ele continua proprietário, porém não tem mais o direito de usá-la”, explica Cássio Thut, vice-presidente de Condomínios e Relações Trabalhistas do Secovi-SP. Por enquanto, temos apenas a multa maior – o que não é pouco. “Muita gente vai pensar duas vezes antes de ter uma conduta imprópria dentro do condomínio”, espera Thut.
Doença ou má educação
E já que a multa está aí e pode ser aplicada, resta saber como serão definidos os comportamentos anti-sociais. Fazer barulho em horários inadequados, utilizar a sua unidade para fins diversos ao do condomínio, usar as áreas comuns inadequadamente são alguns exemplos típicos de atos suscetíveis à multa. Para a psicóloga Rosalba Filipini, tudo o que sair dos padrões que, determinado prédio, estabelece o que deve ser respeitado, poderá ser taxado de anti-social. “A definição de anti-social pode ser aplicada a todas as pessoas comuns, normais, que têm comportamentos conscientes e que perturbam a ordem”, define a psicóloga. Na opinião da profissional, é essencial distinguir comportamentos agressivos e coercitivos de casos isolados. “Um doente mental, por exemplo, dependendo do grau e do tipo de doença, não é controlável. Ele pode gritar no meio da noite ou ter uma convulsão no elevador. Isso não quer dizer que ele seja anti-social. Apenas tem um comportamento fora dos padrões normais.” Fatos como esse podem ser tolerados pelos moradores. “Você não suporta o barulho dos aviões, se mora próximo a um aeroporto?”, compara a psicóloga.
Na prática, há casos que tornam-se insuportáveis para os moradores. Um condomínio tem vivido, há anos, uma triste história, envolvendo uma moradora portadora de esquizofrenia. Abandonada pela família, ela ameaça constantemente os condôminos, colocando em risco a integridade das pessoas, a ponto de crianças terem medo de andarem sozinhas de elevador ou pelas áreas comuns do prédio. A doente chegou a colocar fogo em sua própria área de serviço. A família se exime de responsabilidades e o condomínio tenta as vias judiciais para que a moradora seja internada. O advogado Cristiano De Souza Oliveira orienta que a melhor maneira para solucionar esse tipo de situação é acionando o Ministério Público. “O síndico deve juntar provas do ocorrido, como boletins de ocorrência e as assinaturas dos moradores envolvidos, e encaminhar ao Ministério Público, que é o legítimo órgão para acionar a família da pessoa doente. Não se pode taxar uma pessoa clinicamente problemática de anti-social”, diz. O Ministério Público do Estado de São Paulo funciona na Rua Riachuelo, 115, tel 11-3119-9000, seu site é o www.mp.sp.gov.br
Já o condômino que não tem nada de doente e que teime em tomar atitudes que incomodem o condomínio, deverá ser tratado com rigor pelo síndico. Há condomínios obrigados a conviver com famílias, cujos integrantes têm uma postura anti-social. Como o caso da criança que vivia de patins, skate e bicicleta pelas áreas comuns do prédio – atividade proibida pelo regulamento e permitida apenas para a área do playground. O pai foi alertado pela síndica de que a criança estava agindo contra o regulamento. O morador teve uma atitude autoritária, dizendo que a síndica poderia multá-lo quantas vezes quisesse. Resultado: ele não pagava as multas e o filho continuava infringindo as normas. Durante anos, a família persistiu nesse tipo de comportamento. Até que o apartamento foi vendido e o pai acabou pagando todas as multas em atraso para poder realizar o negócio.
Lidar com moradores que agem ao seu bel-prazer nem sempre é fácil. Muitas vezes, são pessoas que intimidam os síndicos até com ameaças. Antes que você tenha que enfrentar alguma situação desse tipo, previna-se. Divulgue as normas do condomínio e procure resolver os problemas, primeiro com uma boa conversa – e, se não houver acordo, a multa será o melhor remédio.
Matéria publicada na edição Nº 62 em março de 2003 da Revista Direcional Condomínios