Quebra de Paradigmas: Novos valores chegam à gestão do condomínio

Na entrevista exclusiva abaixo concedida à revista e portal Direcional Condomínios, a Profa. Rosely Schwartz comenta as principais mudanças de paradigmas ocorridas na administração condominial desde que começou a atuar na área, em 1994.

Entre outros, Rosely destaca a maior participação hoje das mulheres, jovens e síndicos externos na gestão; o empenho crescente dos próprios gestores com os resultados obtidos;  a preocupação dos condôminos com a transparência, comunicação, ética, o equilíbrio financeiro e a manutenção e modernização das instalações prediais; e o aumento das exigências técnicas e legais, obrigando os síndicos a buscarem parcerias com “empresas qualificadas, capacitadas, com posturas éticas e comprometidas com a legislação”.

A Profa. Rosely Schwartz é pioneira no levantamento dos problemas e apontamento de soluções para a melhoria da gestão dos condomínios. Ela coordena o GEAC (Grupo de Excelência em Administração de Condomínios), ligado ao Conselho Regional de Administração de São Paulo (CRA-SP), que lançou no final de outubro de 2020 o “Código de Conduta – Princípios básicos para profissionais e empresas administradoras de condomínios”.  O Código de Conduta tem o objetivo de “orientar as ações dos profissionais e das administradoras de condomínios no sentido de trazer mais qualidade, eficiência e princípios éticos, promovendo, assim, maior transparência e segurança aos proprietários/moradores e usuários de condomínios, bem como a valorização patrimonial”, afirma Rosely Schwartz.

Administradora, contabilista e com MBA em Gerenciamento de Facilidades pela Universidade de São Paulo, Rosely coordena e ministra o Curso de Administração de Condomínios e Síndico Profissional da FECAP (Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado), no formato presencial e on-line (www.ocondominio.com.br). Em 1998, lançou o livro “Revolucionando o Condomínio”, ainda hoje uma das principais obras de referência da área, que se encontra em sua 15ª edição (Ed. Benvirá).

A seguir, trechos da entrevista.

– Como tudo começou

“Comecei a atuar na área ao fazer uma pesquisa em 1994, em função de questionamentos que começaram a ser feitos pelos meus clientes. Na época eu dava consultoria de avaliação de gestão de pequenas e médias empresas. Nada a ver com condomínios, mas muita gente começou a trazer dúvidas sobre a administração dos prédios. Tínhamos uma inflação que chegava a 80% ao mês, variação que trazia preocupação muito grande, pois as pessoas nunca sabiam quanto iriam pagar de condomínio no mês seguinte. Não havia dados, tampouco informações organizadas.

Como sou muito curiosa, fui fazer pesquisa para entender a situação. Percebi que as pessoas não participavam das assembleias. Fui a campo, visitei mais de 100 condomínios na cidade de São Paulo.

Com o resultado deste levantamento, apresentei uma sugestão de pauta para o jornal Folha de São Paulo, que publicou uma reportagem de capa, em seu antigo Caderno de Imóveis, falando de minha pesquisa.

Entre os motivos que traziam insegurança e muita indefinição aos condôminos, estava o fato de que a administração dos condomínios não era profissionalizada. Havia muita concentração das decisões nas mãos dos síndicos, o que levava a muitas arbitrariedades.

E as pessoas, para não criarem um ambiente de conflito, se ausentavam das assembleias, não participavam, isso acentuava as arbitrariedades. Depois da publicação da reportagem [ainda em 1994q], fui procurada por muitas pessoas, que buscavam informações e cursos. Elas comentavam que havia ainda uma “ditadura das procurações”, instrumento pelo qual os síndicos conseguiam permanecer à frente do condomínio, mesmo quando acontecia a eleição para renovação do mandato. Os condôminos não conseguiam tirar síndicos que estavam havia anos no cargo.”

– Lançamento de livro e curso na área

“Esse quadro acima foi o que me motivou a começar a desenhar um curso de administração de condomínios. Não tínhamos sequer literatura na área, apenas obras do Direito sobre a legislação nos condomínios. A proposta que desenhei do curso ficou tão interessante, que procurei uma editora para publicar em livro, lançado em 1996 pela Saraiva (“Revolucionando o Condomínio). E, em 1998, comecei a ministrar o curso, inicialmente na unidade do Senac da Rua 24 de maio, no centro de São Paulo (Capital). Formamos duas turmas ali, depois migrei para a FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas), também em São Paulo, onde permaneci por dez anos. Nossos alunos eram pessoas que questionavam e buscavam respostas sobre administração condominial, o que fez germinar a quebra de muitos paradigmas nesses quase 24 anos. Mas nessa época os cursos eram mais frequentados por homens, de maior idade, e poucas mulheres.”

– Novos paradigmas na gestão condominial

Mulheres

“As mulheres começaram a entrar gradualmente nos cursos, a fim de ter mais conhecimento sobre a gestão, elas queriam já fazer um trabalho diferenciado. A mulher tem uma percepção e sensibilidade maior que os homens para algumas coisas. Ela vai no detalhe, realiza uma gestão mais humanizada, sem que deixe de ser firme diante da lei e das regras.”    

Exigências legais

“Também houve o crescimento das exigências legais sobre os condomínios, tanto em termos de leis quanto normas técnicas, o que reforçou nas pessoas a necessidade de procurarem mais conhecimento. Essas exigências equiparam hoje os condomínios a empresas, em termos de normas de segurança das edificações, de contratações e responsabilidades dos prestadores de serviços, da parte tributária, entre outros. Hoje, o síndico pode ser responsabilizado por falhas administrativas, tributárias, de manutenção etc. O Corpo de Bombeiros em São Paulo exige o Auto de Vistoria (AVCB) regularizado periodicamente, e pode fiscalizar os condomínios sem necessidade de autorização ou aviso prévio. Em termos tributários, até a nota fiscal emitida de forma errada pelo prestador de serviços da portaria, por exemplo, pode recair sobre o síndico.

Por isso percebemos a necessidade de haver nos condomínios cada vez mais parcerias com empresas qualificadas e capacitadas, com posturas éticas e comprometidas com a legislação, principalmente as administradoras.”

Transparência: Condôminos mais exigentes & síndicos mais assertivos

“Observamos ainda o aumento das exigências dos moradores, eles questionam mais, principalmente com a entrada de muitos jovens neste segmento. É muito bacana ver os jovens se candidatando ao cargo de síndico, vejo isso na sala de aula. A média de idade caiu muito. Ou seja, em relação ao final dos anos 90, há mais mulheres e jovens na gestão dos condomínios em todo Brasil.  Mas, de forma geral, os síndicos querem trazer mais profissionalismo mesmo, buscam a capacitação, mesmo não sendo tão jovens. Esse novo síndico agrega, leva ao condomínio a tecnologia, os aplicativos; ele quer ter as coisas na palma da mão, vejo uma tendência muito grande de trabalharem com planilhas, ou seja, com a organização da informação. Eles estão mais antenados na tecnologia e acredito que a apresentação das pastas de prestação de contas no ambiente virtual vai contribuir para uma maior transparência da gestão.  Isso leva, por exemplo, a uma busca maior por auditoria, a qual representa um processo preventivo, não de desconfiança da gestão. Os jovens têm isso de forma muito clara e consolidada, de trazer para o condomínio uma gestão mais transparente e segura, e os moradores estão questionando e cobrando isso.

– Profissionalização: Síndicos externos & Orgânicos

“A administração condominial migrou para a profissionalização, seja através de um    síndico orgânico que busca realizar um trabalho de qualidade, eficiente, transparente, que valorize o patrimônio, quanto de síndicos profissionais. Acredito muito na atividade do síndico externo, porém, chamo atenção para a prática de alguns que entram nesta área apenas em busca de uma oportunidade de negócio, de ganhar dinheiro, de cobrir o desemprego. Alguns acabam atuando de forma nada profissional, sem preocupação de entregar resultado. O síndico profissional tem que demonstrar comprometimento e entregar resultados, mostrando o antes e o depois, o que agregou na gestão. Na assembleia, não basta colocar a pasta de prestação de contas em cima da mesa e perguntar se há dúvidas. Precisa mostrar o relatório da gestão, se fez um investimento em lâmpadas LED [medida de sustentabilidade], mostrar quanto isso resultou em economia, isso é ser profissional, é ser um administrador de fato.

– Condomínios maiores, com mais serviços   

“O crescimento do número de condomínios-clube, que demandam uma gestão mais complexa, obrigou e tem impulsionado a quebra de antigos paradigmas. Eles impõem outras preocupações aos gestores, ampliam suas demandas e exigem estrutura profissional. Muitos deles arrecadam mais de R$ 1 milhão por mês e possuem entre 1 mil a 2 mil unidades. Precisa haver comprometimento ético, idoneidade e transparência da parte da administração, dos síndicos.”   

 – O que falta?

“Temos ainda como desafio conquistar maior participação das pessoas na vida do condomínio, a despeito de ter aumentado suas exigências sobre o gestor. A forma de questionar também precisa mudar, não condiz em termos de educação e respeito que temos observado na interlocução com os síndicos, os funcionários, os vizinhos. Isso gera conflitos. Os moradores devem entender que quando o síndico aplica advertências e multas, não faz isso porque há um problema pessoal do gestor contra eles, mas sim porque a função exige aplicar e fazer com que se cumpra a Convenção e o Regulamento Interno. Quando o síndico é eleito, ele tem a obrigação de fazer cumprir isso. O que se pode é mudar e/ou atualizar essas regras, no entanto, é um processo que exige debate com a participação das pessoas, além da deliberação das mudanças em assembleia, com quórum qualificado. É muito fácil cobrar, porém, é preciso entender que muito do que deve e pode ser feito pelo condomínio passa por decisões de assembleia, ou seja, por deliberações dos condôminos. E há leis que não podem ser afrontadas, como a proibição de fumar em áreas fechadas e de uso comum. É preciso entender essa dificuldade que os síndicos enfrentam.”  

[Essa entrevista faz parte da próxima edição impressa da revista, de janeiro de 2021].  

Edição: Rosali Figueiredo

Leia aqui a outra parte da entrevista da Profa. Rosely Schwartz: O síndico e o exercício da liderança


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Autor

  • Profª Rosely Schwartz

    Profissional com transmissão ao vivo pela FECAP e 100% online pelo site OCONDOMÍNIO. Autora do livro “Revolucionando o Condomínio” (16ª edição – Editora Benvirá), especialista em administração condominial, administradora, contabilista, palestrante e consultora. Além de membro do GEAC (Grupo de Excelência e Administração de Condomínios) do CRA-SP. Mais informações: rosely@ocondominio.com.br.

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