Quem cuida do síndico em tempos de pandemia?

É sabido que o síndico tem que cumprir vários deveres descritos no Art. 1.348 do Código Civil e no Art.  22, da Lei 4.591/64, conhecida como a “Lei dos Condomínios”.

O síndico é mandatário daqueles que o elegeram e é obrigado “a aplicar toda sua diligência habitual na execução do mandato…”, conforme prevê o Art.  667, do Código Civil. E, com o passar dos anos, com o aumento do número de pessoas residindo ou trabalhando em condomínios, a legislação e as normas aplicáveis a eles aumentaram consideravelmente, principalmente no que tange à segurança. Logicamente, os problemas de convivência também aumentaram, o que exige que o síndico também exerça função conciliadora e mediadora, visando buscar a harmonia entre todos que compartilham o mesmo espaço.

Muito tenho visto e ouvido sobre os deveres, responsabilidades, obrigações e até punições cabíveis aos síndicos nesses tempos inéditos de pandemia em que vivemos. Os síndicos têm sido submetidos a milhares de perguntas que ninguém sabe responder com segurança e cobrados por atitudes.  E nesses momentos de pandemia, os síndicos, visando proteger seus condôminos, se viram obrigados a fechar áreas comuns, impedir mudanças e obras, dentre outras medidas, frente às quais muitos sofreram questionamentos e objeções.

Pois bem, mas quem cuida e zela pelo síndico?

Os síndicos estão sendo expostos e estão sofrendo enorme pressão, mormente quando há algum condômino com a Covid-19 no condomínio e insiste em circular nas áreas comuns sem qualquer proteção, ou aquele que descumpre sem o menor pudor todas as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), realizando festas, encontros, aglomerações, dentre várias outras posturas inadequadas no condomínio.

E nesses episódios, os demais condôminos lembram-se de imediatamente acionarem os síndicos, que devem fazer cumprir a legislação, como sabemos, mas o condômino também. Estamos nos esquecendo que assim como o síndico, que poderá ser punido pela ação ou omissão, o condômino também poderá ser punido na forma da legislação penal por colocar a saúde de outros em risco, o que é crime descrito nos Art. 132 e 267 do Código Penal, além de cometer abuso de direito (Art. 187, CC), ferir direitos de vizinhança (Art. 1.277, CC), e deveres como condômino (Art. 1.336, CC), podendo sofrer as condenações respectivas. Há excludentes de responsabilidades para aqueles síndicos que cumprem suas obrigações e sofrem com a inadequação de alguns condôminos.

É dever de todos zelar pela saúde, segurança e sossego dos empreendimentos, portanto, não podemos nos acomodar e cobrar do síndico postura que é de todos, como sociedade, como seres humanos e como vizinhos.

Ou seja, nós, como condôminos, devemos cumprir as orientações e podemos cobrar que nossos vizinhos façam o mesmo e não nos colocarmos confortavelmente esperando que o síndico socorra a todos.

Mais ainda, diante de tudo o que foi dito, temos aqueles condôminos ousados que indagam “onde isso está escrito”?

Além dos textos acima, há ainda determinações contidas na novíssima Lei Nacional 13.789/2020, que prevê, nos Art. 5º, Inciso I, e 6º o dever de todos comunicarem aos agentes sanitários eventuais suspeitos e contaminados. Já a Portaria Interministerial nº 05, de 17 de março de 2020, prevê também punições, tanto nas esferas administrativa como civil e criminal aos que descumprem o isolamento e o distanciamento social, dentre outras leis, decretos e afins. Portanto, se alguns condôminos não zelam pelas suas vidas e dos seus pares por falta de empatia e sensibilidade, são obrigados a fazê-lo por força de lei e deverão ser punidos por não as observar.

Esse texto, portanto, tem por objetivo dizer aos síndicos que impeçam o uso de áreas comuns, suspendam assembleias, emitam circulares e avisos e, caso tenham conhecimento de pessoas infectadas ou suspeitas, tentem dar a elas atenção e cuidado, sem manter contato físico. Comuniquem aos seus condôminos a existência de pessoas contaminadas no local, preservando-lhes a identidade, mas prestando apoio e solidariedade. Tal comunicação visa a redobrar a atenção dos demais, pois, já se sabe que o vírus está no local. Sejam mais vigilantes e exigentes com relação à limpeza, sem esquecer dos funcionários do local, que devem ter seus EPI (Equipamentos de Proteção Individual) reforçados, como insistentemente dito aqui. Todavia, caso o condômino infectado insista em expor a si e a todos à doença, tome as medidas cabíveis, inclusive comunicando à vigilância sanitária, elaborando boletim de ocorrências etc., postura que pode ser adotada por qualquer condômino, diga-se de passagem.

A quantidade de pessoas e de crianças nas unidades residenciais aumentou com o isolamento e com eles os problemas, que caso persistam, deverão ter abordados com advertência e multas àqueles que não respeitarem regras básicas de convivência, como horário, excesso de ruídos etc.

A coletividade não pode ser prejudicada pelo comportamento de um ou dois condôminos que, infelizmente, não podem morar num condomínio, já que não sabem compartilhar, tolerar e respeitar.

Esse momento está colocando à prova não apenas nossa capacidade de nos isolarmos e sairmos da rotina, mas também de fazermos da nossa casa um verdadeiro lar, com observância dos mesmos direitos dos nossos vizinhos quanto à saúde, sossego e segurança. Um bom paralelo é retomarmos a história relatada por Sun Tzu, em “A Arte da Guerra/ Seja um líder na vida e no mundo corporativo!”, publicado pela Editora Pé de Letra (pág. 63). Ele conta como os povos de Wu e de Yeh, por exemplo, que mesmo sendo inimigos, quando vão atravessar um rio e são surpreendidos por grande tempestade, partem para a assistência mútua, um ajuda o outro “como a mão esquerda ajuda a direita”, não bastando depositar toda a “confiança nos arreios dos cavalos e enterrar as rodas da carroça no solo”. “O princípio é que o manejo do exército está baseado em dar coragem a todos”, portanto, todos devem auxiliar.

Também não é  demais lembrar que o síndico pode ser contaminado pelo novo Coronavírus como qualquer um de nós, logo, não cobremos dele o impossível, mas o respeitemos não apenas como gestor, e sim como ser humano que precisa de cuidados e que, nesse momento, merece muito mais nossa admiração e colaboração.


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Autor

  • Suse Paula Duarte Cruz

    Advogada. Graduada em Direito pela FADAP (Faculdade de Direito da Alta Paulista, 1995); Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Escola Paulista de Direito (EPD, 2011); pós-graduada e especialista em Direito Imobiliário pela PUC-MG (2022). Ministra cursos e palestras na área condominial. É autora do livro "Respostas às 120 dúvidas mais frequentes em matéria condominial" (Editora Autografia, 2017); coordenadora e coautora do livro "Direito Condominial Contemporâneo" (Editora Liberars, 2020) e coautora do livro "Direito Processual Civil Constitucionalizado" (Editora – Instituto Memória, 2020).

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