Reconstrução de parede estrutural após obra em unidade sem ART

Nos condomínios, é comum que proprietários desejem realizar obras no interior do seu apartamento de acordo com suas necessidades, desejos e sonhos, e isso é totalmente legal, pois estão exercendo seu direito de propriedade, como o uso e o gozo. Entretanto, apesar de exercerem este direito que é previsto na Constituição, as normas especiais limitam tal instituto para a segurança dos mesmos proprietários e de terceiros que residem no condomínio e que participam indiretamente.

Podemos citar como limites do direito de propriedade os princípios previstos no Art. 1.336, Inciso IV, do Código Civil, que são norteadores para uma boa convivência condominial, sendo eles: Princípios do sossego, salubridade, segurança dos possuidores e bons costumes. Assim, o condômino não poderá utilizar sua propriedade de forma que viole estes princípios, sob pena de incorrer em multa.

Como advogada de um condomínio localizado em Jundiaí, no interior de São Paulo, fui chamada a dar a minha opinião via parecer sobre o caso que vou contar abaixo, já discorrendo sobre meu posicionamento.

Preciso alertar antes que um dos principais deveres dos condôminos, instituído no Código Civil, é não realizar obras que comprometam com a segurança da edificação, prevista no Art. 1.336, Inciso III, e este é um dever de suma importância que deve ter observância tanto para o condômino, como para o síndico, pois envolve a responsabilidade de ambos.

Voltando ao caso, um determinado condômino recebeu uma notificação de multa que também o notificou a realizar a reconstrução de parede estrutural do prédio, dentro da sua unidade, que fora demolida sem qualquer responsabilidade técnica, apresentação de projeto ou autorização do síndico daquele condomínio.

Este condômino interpôs recurso com pedido para anular esta multa, bem como não fossem mais aplicadas novas multas e que houvesse o cancelamento da determinação de reconstrução da parede, uma vez que alegava ausência de dano ou risco de lesão patrimonial a quem quer que seja, tendo juntado laudo técnico pericial assinado por um engenheiro que declarou em seu laudo sua responsabilidade técnica e afirmando que a demolição da parede da sala da unidade autônoma não oferecia risco à estrutura do prédio.

Ora pois, como diriam os amigos portugueses, eu não pude concordar com tal recurso interposto e esclareço o porquê:

Primeiramente, porque o próprio condômino declarou no recurso que não observou as determinações previstas no Regimento Interno do condomínio. E o que dizia o RI daquele condomínio? Leiam:

“Art.43. Em nenhuma hipótese será permitido fazer quaisquer obras ou serviços que afetem a estrutura do concreto, bem como modificar as disposições das paredes internas que contenham canalizações comuns ou que tenham função estrutural.

Art.44. Obras ou serviços de maior vulto e desde que não prejudiquem as redes de infraestrutura de prédio, só serão permitidas mediante previa anuência da administração, com a apresentação de projetos elaborados por profissional devidamente credenciado pelo CREA, com aprovação e responsabilidade deste, sem prejuízo do disposto nos artigo anterior.”

Não bastando a infração ao Regimento Interno, o condômino violou as disposições da ABNT NBR 16.280, que regulamenta as reformas em edificações, pré-estabelecendo requisitos e sistema de gestão de reformas, alegando ainda que apenas deixou de observar “mero” procedimento e que as formas não podem subjugar o resultado pretendido ou a finalidade do direito.

Porém, devo ressaltar que a exigência de apresentação prévia de projeto de reforma, com assinatura de responsabilidade técnica, bem como seu respectivo registro junto aos órgãos competentes, não é “mero procedimento”, mas requisito essencial de segurança, haja vista que a ausência deste ou a demolição irresponsável sem acompanhamento de profissional habilitado coloca em risco não só a integridade do prédio, mas também a vida e segurança das pessoas que ali habitam.

O laudo pericial apresentado pelo condômino, pós-demolição, não supria a necessidade da elaboração de um projeto arquitetônico e de obra que observe as regras da ABNT já mencionada e a responsabilidade técnica do profissional, não passando

apenas por sua declaração, mas devendo estar devidamente registrada no órgão competente, mediante o pagamento da ART.

Mas o que é ART?

ART é a Anotação de Responsabilidade Técnica, é o instrumento através do qual o profissional registra as atividades técnicas solicitadas através de contratos (escritos ou verbais) para o quais ele foi contratado, sendo um documento constituído por formulário padrão a ser preenchido pelo profissional, cujo preenchimento é de responsabilidade do profissional devidamente habilitado com registro no CREA.

A ART define, para os efeitos legais, o responsável técnico pela execução de obras/serviços e dá oportunidade para o profissional de registrar nos CREAs suas obras ou serviços, cargos ou funções, visando ao cadastramento de seu Acervo Técnico e a caracterização da responsabilidade técnica específica. Assim como somente é considerada válida a ART quando estiver cadastrada no CREA, quitada, possuir as assinaturas originais do profissional e contratante, além de estar livre de qualquer irregularidade referente às atribuições do profissional que a anotou.

Vocês sabiam que a obrigação de apresentação da ART é instituída pela Lei Federal 6.496/77? Passo a transcrevê-la abaixo para conhecimento:

“Art. 1º – Todo contrato, escrito ou verbal, para a execução de obras ou prestação de quaisquer serviços profissionais referentes à Engenharia, à Arquitetura e à Agronomia fica sujeito à ‘Anotação de Responsabilidade Técnica’ (ART).

Art. 2º – A ART define para os efeitos legais os responsáveis técnicos pelo empreendimento de engenharia, arquitetura e agronomia.

§ 1º – A ART será efetuada pelo profissional ou pela empresa no Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (CREA), de acordo com Resolução própria do Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (CONFEA).

§ 2º – O CONFEA fixará os critérios e os valores das taxas da ART ad referendum do Ministro do Trabalho.

Art. 3º – A falta da ART sujeitará o profissional ou a empresa à multa prevista na alínea ” a ” do art. 73 da Lei nº 5.194, de 24 de dezembro de 1966, e demais cominações legais.”

Assim, neste caso específico em que fui chamada a dar meu parecer, o laudo apresentado pelo condômino e assinado pelo engenheiro não era válido, pois a responsabilidade técnica deveria estar devidamente registrada. Além disso, o profissional que não se atenta a tal requisito está violando a lei e é passível de multa.

E então, no meu parecer ao corpo diretivo daquele condomínio, considerando que o condômino é responsável pela elaboração, contratação, apresentação e pagamento do projeto arquitetônico e ART, foi de que deveriam ser adotadas as seguintes medidas:

a) O condômino deveria apresentar o projeto arquitetônico ou laudo técnico com registro e recolhimento da ART junto ao órgão competente referente à demolição da parede; ou,

b) Reconstruir a parede demolida conforme o original, mediante apresentação de projeto arquitetônico e recolhimento da ART.

E ainda preciso lembrá-los que, caso não fossem atendidos os requisitos, o condomínio e seu representante legal responderiam civil, administrativa e criminalmente caso ocorressem prejuízos decorrente dessa obra, por isso senhores síndicos, todo cuidado é pouco!


Matéria complementar da edição – 269 – julho/2021 da Revista Direcional Condomínios

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Autor

  • Amanda Accioli

    Síndica Profissional e Advogada Condominialista; Diretora Regional São Paulo da ANACON (Associação Nacional da Advocacia Condominial), Membro Efetivo da Comissão de Direito Condominial de SP, síndica associada à AABIC e ao SECOVI. Palestrante e articulista.

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