A poucos metros de uma das estações do Metrô República, Centro da cidade de São Paulo, um prédio que durante anos abrigou o Hotel Samambaia acolhe hoje moradores em 59 apartamentos tipo estúdio, proporcionando-lhes um dos bens mais valiosos da metrópole: a facilidade de acesso aos serviços públicos e aos diferentes ramais do sistema metroviário. O antigo hotel ilustra um caso típico de retrofit, o qual envolve a reestruturação de uma edificação com vistas a alterar o seu perfil de uso. No entanto, o retrofit pode ser pensado também em termos de requalificação de um prédio, quando são promovidas grandes reformas para modernizar suas instalações e ampliar o potencial do uso. Segundo Luiz Paulo Pompéia, diretor da Asbea, o conceito de retrofit não está necessariamente ligado à mudança de uso da edificação. “Pode haver o retrofit para um mesmo uso, desde que se faça uma repaginação de fachada, por exemplo, com a incorporação de sacadas, ou alteração do interior dos imóveis, com introdução e/ou subtração de dormitórios”, conceitua o diretor. “O retrofit acontece quando se muda o produto imobiliário”, acrescenta Pompéia, gerando impacto direto sobre o preço de mercado do imóvel.
A engenheira civil Rejane Saute Berezovsky, secretária administrativa do Ibape (Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia de São Paulo), estende um pouco mais a aplicação do termo e pensa o retrofit como intervenção diretamente ligada à necessidade de se potencializar um uso, o que nem sempre exige mudanças do porte de uma incorporação de sacada ou reestruturação das plantas das unidades. “Às vezes seu perfil está adequado para uma região, mas o imóvel está degradado, com fachada e rede elétrica defasada, então se promove uma intervenção para trazê-lo à realidade do local”, observa. “E na medida em que o condomínio se une para atualizar a edificação, ele cria atrativos que darão agilidade às vendas, ganha valor pelo novo produto e melhora a segurança”, avalia Rejane.
Outra situação típica de retrofit envolve a readequação de um imóvel residencial para comercial, em áreas cujo uso se tornou predominantemente de comércio ou serviços. “Mas os objetivos são sempre os mesmos, o de adequar o perfil do uso e a velocidade de venda. Mesmo que o perfil de ocupação se mantenha, aumenta-se essa capacidade de uso”, ressalta. Rejane Saute observa que o retrofit, além de grande tendência do mercado imobiliário, tornou-se necessário em uma metrópole como São Paulo. “Os condomínios, síndicos ou proprietários têm essa visão hoje, estão promovendo muitas intervenções, porque indiretamente elas estão ligadas a aspectos como segurança patrimonial e contra riscos de incêndio”, diz.
A repaginação de um antigo hotel
No caso do antigo Hotel Samambaia, localizado na Rua Sete de Abril, quase esquina com a Avenida Ipiranga, adquirido e transformado há cerca de dez anos em residencial pela construtora de Claudio Bernardes, vice-presidente do Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi – SP), as intervenções envolveram duas frentes: novo uso e também requalificação das instalações. Os quartos, originalmente com 35 a 70 metros quadrados foram transformados em estúdio, com áreas de dormitório, sala de estar e pequena cozinha. Houve recuperação da fachada de seus 13 andares, substituição dos revestimentos, construção de nova portaria e adequação das instalações elétricas e hidráulicas. Mas o grande charme do empreendimento ficou por conta da implantação de um espaçoso lobby para uso dos moradores, com sofás, poltronas, mesas de estar, bancadas e área gourmet em grande parte do primeiro andar, anteriormente ocupado pelo restaurante do hotel. O pavimento recebeu ainda escritórios equipados com computadores e acesso a internet. O subsolo, por sua vez, ganhou sauna, sala de ginástica e lavanderia coletiva. E o térreo, além da portaria, foi contemplado por um pequeno jardim de inverno e cafeteria. A síndica Maria Lúcia Cunha, residente no local há quatro anos, aprovou o novo perfil do empreendimento. “Gostei muito de ter comprado aqui e uma das coisas que mais me encantou foi a área comum, principalmente a lavanderia.” Maria Lúcia destaca ainda a academia e o espaço gourmet, “muito bonito, o que valoriza o apartamento e proporciona conforto”. “Eles aproveitaram bem o espaço nessa reestruturação”, observa a síndica. O único inconveniente é o fato de o prédio não ter garagem, entretanto, Maria Lúcia aponta que o preço da unidade “mais que dobrou”.
Claudio Bernardes promoveu retrofit também, há cerca de cinco anos, em dois outros prédios do Centro, os edifícios Rosemeire e Maria Teresa, residenciais construídos nos anos 50 na esquina da Avenida São João com a Rua General Salgado. Neste caso, porém, não houve mudança de uso. “Fizemos uma repaginação da portaria, do sistema de medição de energia elétrica (com aumento de carga) e dos elevadores (cabines e botoeiras). Investimos em equipamentos de segurança (CFTV), renovamos as instalações hidráulicas e trocamos pisos, revestimentos e portas das unidades e das áreas comuns”, descreve. As persianas de madeira e as esquadrias de ferro das janelas dos apartamentos, de dois dormitórios, foram recuperadas. Conforme avaliação de Claudio Bernardes, os condomínios mantiveram o uso residencial, “mas com roupagem e conceituação moderna”. Seus 80 apartamentos foram comercializados rapidamente, diz.
Boa alternativa pela escassez de terenos
Segundo o diretor da Embraesp, Luiz Paulo Pompeia, os imóveis da região central de São Paulo costumam ser comercializados com facilidade, pois os próprios moradores locais compram os apartamentos. As vendas são rápidas, “sem gastar um tostão em marketing”.
Pompeia explica que a localização torna-se um dos grandes atrativos dos empreendimentos recuperados, “principalmente se estiverem próximos a áreas valiosas”, como praças, parques e acesso fácil ao transporte público.
Para o arquiteto Luiz Frederico Rangel, ligado à ASBEA (Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura), o processo estará “cada vez mais presente na indústria imobiliária”, diante da escassez de áreas livres nas grandes cidades. E também porque diminui “a brutal distância” que existe entre o valor do imóvel usado e do novo. “Quando passam por retrofit, os valores dos prédios antigos se aproximam dos parâmetros dos novos”, diz. O arquiteto foi responsável pela renovação da garagem e subsolo do prédio em que mora, no Real Parque, zona Sul de São Paulo, e que hoje passa por uma reestruturação física da fachada de toda sua entrada social. Implantado há 29 anos, com onze andares e 22 apartamentos de 275 metros quadrados, o condomínio precisava de uma adequação ao perfil de seus moradores, principalmente do número de vagas de garagens, que passaram de três para quatro. As obras (em andamento), que incluíram a reforma da quadra de tênis e da piscina, consumiram cerca de R$ 25 mil de cada morador, mas Luiz Frederico calcula que tenham agregado R$ 75 mil ao valor de comercialização dos apartamentos somente por conta do retrofit.
O arquiteto responde atualmente pelo retrofit do Edifício Dacon, na Avenida Cidade Jardim, também zona Sul da cidade. Um dos ícones da moderna arquitetura paulistana, o Dacon possui 25 andares de escritórios, lojas no térreo e três sobrelojas. Com quase 40 anos, o prédio vem passando há quatro por grandes intervenções, como reforços estruturais, renovação da parte elétrica, de ar condicionado, dos quesitos de segurança e acessibilidade, “um investimento que já deu retorno aos seus proprietários somente pela valorização dos aluguéis”, afirma. Luiz Frederico observa que é mais fácil implantar o retrofit nos condomínios comerciais. “Nos residenciais, é difícil chegar a uma uniformidade de pensamento entre os moradores, muitos deles com visões, necessidades e prioridades distintas.” O arquiteto recomenda aos síndicos dos residenciais interessados em desencadear o processo, que “estabeleçam estratégias de intervenções paulatinas com vistas a esta valorização, definindo prioridades e etapas”.
Matéria publicada na edição 160 ago/11 da Revista Direcional Condomínios
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